estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2005-05-23

IVETINHA


Posted by Hello

Ivete Sangalo regressou a Portugal. A Ivetinha falou com o Estradas Perdidas

Você veio com um problema no pé...

Eu só fiz quatro shows com o pé assim mas ainda doendo. Agora, está enfeixado mesmo.

Não vai ser um problema?

Vai ser maravilhoso, não vai ser problema. Veja bem, a minha relação com o show não é só o físico, é a voz, é espiritual, ia ser muito doloroso para mim e para os fãs aqui de Portugal se eu cancelasse quatro shows, então achei por bem não fazer isso, achei por bem eu vir, me dedicar um pouco mais. Tenho a certeza que isso não vai atrapalhar.
Quando eu pensei em cancelar os shows a minha angústia foi tão grande que pensei, oh, em lugar de ficar nessa angústia, vou fazer o show, né? Porque estou muito mais feliz aqui com a possibilidade de fazer o show do que com a possibilidade de não fazê-lo. Procurando desfrutar da energia daqui eu acho melhor.

Vc nunca descansa?

Descanso sim. Eu tenho muita energia mesmo, estou sempre brincando mas eu tiro folgas de dez dias seguidas, volto a trabalhar. Mudou muito o meu ritmo, era mais pesado. Há uns anos atrás eu acabei me expondo muito fisicamente, agora fazemos uma média de 10 12 shows por mês, dantes eram 17, 18. E também expunha mais a minha imagem. Descansava um dia de folga, dois dias de folga. Chegava em casa, deitava, tentava alimentar bem. E vir a Portugal é um passeio.

Mas você vai andar de um lado para o outro

Estou acostumada com isso. Acaba-se acostumando, é a loucura, acaba se acostumando

No Brasil, o seu ritmo é louco.

Tenho procurado estar nas regiões do país mas sem aquele exagero de presença de antigamente. È super tranquilo e hoje eu tenho um jatinho, eu viajo no meu avião. Aí é mais prático, saio de casa na hora do voo, chego no lugar próximo do show, volto mais cedo para casa.

Não trouxe o jatinho para Portugal?

Ahahah, não trouxe…as estradas de Portugal são maravilhosas em comparação ao Brasil e dá a possibilidade de ver aquelas cidadezinhas durante as passagens. È muito gostoso…

Você lembra-se do Rock In Rio Lisboa, você a ler aqueles cartazes todos que os fãs trouxeram. Leu todos, de uma ponta a outra? Porque é que faz isso?

Imagina você estar em sua casa, pegar uma folha de papel, pegar um lápis, escrever que gosta de alguém, ir para o show, esperar todo aquele tempo, conseguir estender aquele papel no show…é o mínimo que eu posso fazer é me comunicar com outras pessoas. Tenho prazer em fazer isso. A relação minha com os fãs é a mesma, a mesma entrega que eles têm comigo, eu tenho com eles. Mas não sou uma pessoa que exagera na dose. Como artista tenho de me dedicar aos meus fãs. No meu dia a dia, tenho os meus momentos de privacidade e lazer. Quando estou no show, acho importantíssimo prestigiar eles.

Num país tão mediático como o Brasil você consegue manter a privacidade?

Consigo porque eu moro na Baía, um pouco longe desses flashes de media, apesar da minha vida ser bastante vasculhada.

Em Julho, você vai ao Japão pela primeira vez. Como vai ser?

Todas as histórias de brasileiros que estiveram lá e fizeram shows lá são bacanérrimas. Tenho uma amiga baiana super artista e super compositora, a Rosa Passos, que vai fazer show aqui e que é muito famosa no Japão. Ela me disse: “Olha Ivete, é impressionante como eles valorizam a música brasileira”.

O seu show é muito comunicativo e muito assente na língua portuguesa. Como é que vai comunicar com os japoneses?

A música é uma comunicação que transcende a língua, transcende tudo. Lógico que eu vou aprender algumas palavras, boa noite, tira o pé do chão e joga a mão para cima.

O que faz para manter o físico?

Me exercito diariamente, tenho uma alimentação balanceada, cuido da voz, não bebo, não fumo. Não bebo refrigerantes, só bebo água e sumo e água de coco na Bahia. Procuro poupar minha voz durante a noite, dormir bastante, dormir é o melhor remédio para a voz. Tenho que dormir 9 horas. Adoro dormir.

Você não é noctívaga?

Não, gosto mais do dia do que da noite. Só me divirto à noite nos meus shows. Uma vez ou outra vou para boite ou restaurante. Normalmente, eu vou para o hotel.

Ivete, você é uma pessoa famosa, vai muito ao show da TV Globo “Faustão”, o que guarda no seu íntimo da infância e adolescência em Juazeiro, lá no sertão?

Você sabe que isso aqui (estávamos na Portugália, junto ao Rio Tejo) lembra muito o Rio São Francisco. Você conhece? Tive uma infância muito rica em Juazeiro, uma infância que construiu a minha personalidade. Sou uma pessoa que por conta da minha infância eu não me irrito muito com as coisas, se tiver que comer aqui tem, se tiver que comer em outro lugar uma sandes eu como, não tenho regras, essas coisas, acho que isso vem da minha infância. Eu vivi muita coisa boa em Juazeiro, inclusivamente a música. Comecei a conhecer a música em Juazeiro.

Que música é que você ouvia em casa?

Eu sofri uma influência muito grande dos meus pais. O meu pai ouvia muito Dolores Duran, Ângela Maria, Nelson Gonçalves…a minha mãe também ouvia tudo isso. Em Juazeiro, havia também uma influência muito forte dos novos baianos, João Gilberto, Caetano, Gil, Betânia, todos os tropicalistas. Eu ouvi tudo isso quando era pequena.

Não ouvia forró?

Não, só Luís Gonzaga. O meu pai ouvia muito Luís Gonzaga. Eu adoro forró. Gosto de Jackson do Pandeiro, Dominguinhos, e do Alceu Valença e da Elba Ramalho, que não cantam apenas forro mas integram forró nos seus reportórios. Gosto também dos Fala Mansa, adoro Fala Mansa, eles são de São Paulo e gostam de forró, tem um tempero pé de serra…

Você não vai a Juazeiro?

Ultimamente, vou mais a trabalho. Nos dias de folga, eu fico em Salvador. Juazeiro, eu ía mais quando era criança mas estou morrendo de saudades. Estou combinando com o meu irmão a gente dar um pulo lá em Juazeiro, comer um bode assado…Eu amo o sertão, a paisagem, o clima, a comida. Tem uma nostalgia do sertão. É um povo muito amoroso.

Salvador é a sua sede?

È, Salvador é a bênção do meu trabalho, começo todas as tournées lá.

Os primeiros tempos de carreira não foram muito fáceis.

Como todo o início de banda, comecei com a Banda Eva mas assim, bastaram duas canções para a gente ficar conhecido na Bahia, conquistar o nordeste e aí o sudeste, o sul do país. Foi trabalhoso. O trabalho para mim é uma coisa que não é difícil não. O trabalho quando se tem onde trabalhar é maravilhoso, você ter uma coisa que fazer, um ofício, uma carreira, isso é muito digno. Eu trabalhei muito…Tenho muito prazer nas coisas que eu faço. Eu sempre faço construindo, sabe? Eu sempre acho que estou construindo coisas na minha vida.

Você esperava ter este sucesso em Portugal?

Não, assim não. Por mais semelhança que tenhamos, é um outro país, do outro lado do Atlântico, culturalmente diferente. Eu imaginei que pudesse ter um público de brasileiros mas fiquei surprendida…tomei uma rasteira. Fiquei completamente apaixonada pela reacção do público português.

Você já está a trabalhar no novo cd?

Estou em vias de. Vai ser em Setembro, Outubro. Já estou fazendo a selecção, sou eu que faço, inclusivamente quando a gente faz os arranjos, nunca é nada que eu não goste, às vezes eu não sei fazer todo o arranjo mas eu sei o que eu não gosto. Já estou escolhendo o reportório, estou compondo algumas canções com os meninos da banda e estamos em fase de audição. Já fizemos uma pré-produção de uma canção, antes de vir a Portugal. Quando eu voltar do Japão, aí a gente entra em estúdio. Ainda está no processo de selecção.

Vai continuar no formato de axê?

Vai porque eu sou uma cantora da Bahia, adoro a música da Bahia e a música que eu faço. É difícil eu me desenvencilhar disso agora. Eu tenho muito orgulho da música que eu faço, ela me traz muitas outras alegrias que um artista mais intimista talvez não tenha. Apesar de eu achar lindo, sou fã de vários artistas que não têm banda.

Para quando um disco acústico?

Eu tenho esse projecto mas tem que ter um porquê na minha carreira. O meu disco ao vivo, por exemplo, eu demorei cinco anos para o fazer. Não vou fazer um disco simplesmente para vender, esse projecto acústico vai ter que ter uma história e um porquê.

Em Portugal gosta de alguma coisa?

Gosto Da Weasel, eu adoro Dulce Pontes, aquela melancolia, eu adoro…adoro Mariza.