estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2006-07-02

FESTEJA PORTUGAL!

portugal olé 4

O João foi o que trouxe a garrafa maior, uma Sagres de litro que engolia em grandes goladas. O Pedro telefonou pelo móvel à mulher: “Anda, está aqui uma festa muito gira!” O Silva era o mais controlado. Sentou-se numa mesa a comer caracóis e a beber uma imperial enquanto ia vendo os carros a desfilar na rotunda: “Daqui a pouco algum destes espalha-se aí”. A Teresa ouviu o Silva e sentou-se na mesma mesa. Afinal de contas, nas comemorações da vitória contra a Holanda riscaram-lhe o carro. Um amigo do Silva, a camisa aos quadrados aberta no peito cheio de tufos como um pedaço de musgo, pegou numa bandeira e trepou ao poste da paragem de autocarro para a pendurar. O sr Alfredo espreitou pelo vidro do café, esfregou as mãos de contente e deu ordens ao Basílio para colocar mais caracóis a cozer. O Toni apareceu com a barriga inchada da cerveja a deformar a camisola de Portugal para vir buscar a mãe, a Dona Rita, 83 anos, que esperava por ela com um barrete de Portugal enorme e uma luva verde e vermelha do tamanho da barriga do filho. “Pareces grávido, oh Toni!”, gritou o Silva mas o Toni nem o ouviu porque zarpou imediatamente para o Marquês de Pombal no Fiat Punto que anda a pagar em prestações suaves para poder poupar o resto para a cerveja. “Pooortugal, Poortugal!!!”, gritaram todos à chegada do Abílio motard, que fez “brrrrrrrrrmmmmmmm…”, a moto com a bandeira de Portugal espetada atrás e encheu a esplanada do café de fumo. “Chiça, este gajo é completamente doido!” Já estavam uns 20 ou 30 a festejar há mais de uma hora quando apareceu o Sousa: “Foda-se, ganhámos!” O Silva não se conteve: “Foda-se digo eu, onde é que ‘tavas metido?” A Teresa ouviu o Silva e segredou-lhe ao ouvido: “Em casa da enfermeira…” O Silva engasgou-se, cuspiu um caracol e deu em seguida uma grande e sonora gargalhada: “Viva Portugal! Viva o Sousa!”

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