estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2005-01-25

Vaga de frio polar já faz vítimas em Lisboa

A vaga de frio polar que está a atingir de forma inclemente Lisboa com os seus aterradores 13 graus a meio do dia, já está a fazer as primeiras vítimas. Uma mulher de 63 anos teve de ser socorrida em plena Avenida da República por, muito simplesmente, não se conseguir mover. "Ajudem-me, ajudem-me", gritava Amélia Quentinha, sob o peso de uma parafernália de roupa. "Esta senhora sofreu um sobreaquecimento muito rápido e as coisas podiam ter sido bem piores senão tivessemos chegado atempadamente", disse um dos elementos da equipa do INEM no local.
Uma testemunha ocular explicou que nunca vira nada assim. "Eu vivi na ex-União Soviética", disse José Tavares, um ex-militante do Partido Comunista, "e juro pela minha mãe, nunca vi em Moscovo o que vi aqui hoje. Dez pares de cuecas? Por amor de Deus!". No passeio da Avenida da República, ficou, entretanto, o monte de roupa que o INEM conseguiu a custo retirar a Amélia Quentinha. "É a um euro, é tudo a um euro!", gritava uma cigana, que muito oportunamente se apoderou da montanha de meias, camisolas e collants.
Na Avenida Defensores de Chaves, uma equipa de psicólogos da câmara, foi obrigada a deslocar-se ao apartamento de Ivone Branquinho, 75 anos, que se recusava a saír de casa, alegando ter a porta do prédio bloqueada pelo gelo. "Dona Ivone, venha comigo, pode vir, chegue aqui à janela, veja lá se não está Sol, hein...", explicava uma psicóloga. "Mas eles disseram..." A psicóloga: "Dona Ivone, agora a Dona Ivone vai abrir a janela e sentir o quentinho do Sol no rosto, está bem? Primeiro, a Dona Ivone vai ter é de nos deixar tirar-lhe esses cobertores todos que a estão a tapar por completo...para eu conseguir ver como é a Dona Ivone, está bom?"
Mais abaixo, na Avenida da Liberdade, a vaga de frio estava a transformar a vida de José Avelino, num inferno. "Ai, isto está insuportável", explicou à nossa reportagem José Avelino, 35 anos. "A minha mulher convenceu-me a...espere, espere aí um bocadinho, deixe-me primeiro destapar a boca...a minha maria convenceu-me a colocar este cachecol sobre a boca mas eu já não o usava há anos, a última vez foi quando fomos à Serra da Estrela e incomoda-me, faz-me calor!" E o barruço? "Olhe, este barruço de lã comprei-o na viagem de finalistas à Madeira. Como vê, tem esta espécie de tapumes para as orelhas..." Podemos ver como estão as suas cavidades auriculares? "Podem, podem, espere aí..." José retira lentamente e cuidadosamente as duas "orelhas de lã" made in Funchal. "O meu medo é que isto possa ter colado com o suor, ai, doi-me um bocado mas eu vou ver se lhas mostro na mesma. Veja lá, estão muito encarnadas? Desde a insolação que apanharam uma vez em Albufeira que não as via tão vermelhas..." Mas sente-se bem? "Sinto-me cozido, é como eu me sinto, cozido à portuguesa...nem sei onde vou eu buscar este pedacinho de humor, ai!" O que foi agora? "São as costas, o suor está escorrer-me pelas costas. Podem-me ajudar? Levantavam-me a camisola, puxavam-me para fora as três camisas de flanela e abanavam-me a camisa interior térmica, a ver se sentia alguma aragem..."