estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2005-03-28

FICÇÕES DO PAÍS OBSCURO

Em Lisboa, a capital estranha e extravagante do país obscuro, ninguém sabe do “mayor local”. Nem as fãs mais empedernidas lhe conseguem pôr a vista em cima. “O Pedro gostava tanto de aparecer…E falar, o que ele gostava de falar. Deve-lhe estar a custar muito não poder falar em público”, comentava uma angustiada Teresa da Cunha, apoiante de longa data, a roer as unhas.
“Alguém o está a manter preso lá dentro, no edifício da Câmara. Só pode ser! Um homem como ele já tinha pelo menos enchido a cidade de cartazes a explicar o que se passa”, dizia Dadinha Sofia de Barros, outra apoiante.
“Até o Papa, coitado, aparece à janela todos os dias a fazer o sinal da cruz. E só Deus sabe o que lhe custa levantar-se da cama. O Pedro não, é um homem saudável. Alguma coisa se passou. Não lhe custava nada ir ali à varanda e acenar uma vez por dia…”, comentava Susana de Vasconcelos, outra fã, munida de binoculares cor de laranja em plena Praça do Município. “Tété, conseguiste ver alguma coisa?”
“Pedro! Pedrooooo!”, gritavam as santanistas presentes na Praça do Município no dia em que a nossa reportagem ali passou. “Pedro, filho, apareces ou não? Fala connosco!”
Alguém muito próximo do “Mayor” lisboeta ter-se-á deslocado mais tarde junto do grupo de apoiantes pedindo “paciência” e manifestando a necessidade de não haver “escândalo”. O autarca está bem vivo e deverá voltar a dançar muito brevemente. “Ele disse e fez muita coisa. Está em reflexão. Temos de lhe dar algum tempo. Tenham paciência…”, terá explicado essa fonte próxima.
Em off, foi possível ainda saber que alguns dos cartazes que irão ser retirados da cidade, serão plantados na relva do jardim da residência oficial de Monsanto, onde poderão ser mostrados pelo autarca aos visitantes: “Aquele ali era aquele onde eu prometia um novo Parque Mayer em 8 meses, ihihih…e aquele dizia que com o túnel do Marquês dava gosto de viver em Lisboa…”
A América profunda, essa, ainda não digeriu totalmente a nomeação do “anti-americano” Freitas do Amaral para ministro dos negócios estrangeiros de Portugal. “Bom, filho, desde que a Peggy Sue morreu e fecharam o General Store lá na cidade que eu deixei de me interessar pela política. Mas que esse homem está a pedir sarilhos, está, disso não tenho quaisquer dúvidas”, disse à nossa reportagem, Jimmy Lee, à porta da casa de madeira que partilha com a esposa, em Long View , Arkansas.
“Amaral? Nós tivemos aqui um rapaz dos Açores com esse nome…Amaral…”, comentou John Barry, produtor de leite no vale de San Joaquin, na Califórnia. “O que lhe sei dizer é que esse Amaral que eu conheci era um dos melhores trabalhadores que eu tive aqui na quinta. Dormia com as vacas e deitava-se com as vacas. Era mais leal e fiel que qualquer das mulheres que eu tive. O que deu na cabeça desse outro Amaral? Bom, ninguém sabe o que vai na cabeça de um homem quando chega ao poder, disso eu tenho a certeza. Um primo meu, o Jay Dean…escute o que lhe digo amigo, o Jay Dean, bom, o Jay Dean era o rapaz mais atinado das redondezas. Um dia resolveu concorrer ao lugar de “mayor” na cidade. Nunca mais foi o mesmo. Dizem que a política lhe subiu à cabeça. Fugiu com a secretária mexicana. O Tom Berenger diz que o viram um dia em Tijuana feito em fanicos”.
No dia em que José Sócrates, primeiro-ministro português falou com o presidente George W. Bush para alegadamente o sossegar em relação ao “anti-americanismo” de Freitas do Amaral, Lou Ann e Johnny Doe, de Springfield, Montana, estavam a regressar de Las Vegas. “Há anos que andava a prometer à Lou Ann uma ida a Las Vegas”, conta Johnny Doe. “Não é Lou? Lou? Oh, esqueça, está chateada porque gastei no jogo o dinheiro que tinha guardado para o vestido de noiva da filha. O que ela queria? Vegas é Vegas. Já lá esteve? Vira a cabeça a qualquer homem, disso eu não tenho dúvidas. Mais um bourbon? Onde é que eu ía? Ah sim, nesse Amaral…Estranho eu não ter sabido nada do assunto…e olhe que não faltam ecrãs de televisão naquela cidade. Eles gostam de nos manter entretidos. Curioso ninguém me ter falado nesse Amaral. Anti-americano diz você. Esteja descansado se ele aparecer por estes lados eu aviso-o”.