BOSS MEMORIES
“Je vous aime, merci, je vous aime”. Paris, segunda-feira, dia 14 de Outubro de 2002, cerca da meia noite. Duas horas e meia depois de ter iniciado o concerto com que iniciou a sua curta digressão pela Europa, perante 18 mil pessoas, Bruce Springsteen deixa o palco do pavilhão de Bercy, perante uma plateia em êxtase colectivo. Para trás ficaram onze temas do novo trabalho “The Rising” e clássicos como “Darkness on the edge of town”, “Born to run” ou “Badlands”.
Duas horas e meia antes, depois de um curto “bon soir” e perante o bruá das 18 mil pessoas que enchiam por completo o pavilhão de Bercy, Bruce deu início às celebração com “The Rising”. Perante uma audiência de fãs incondicionais, muitos vindos de outras partes da Europa, a média de idades entre os 35 e os 40 anos, Bruce Springsteen surgiu de barba de três dias,o cabelo mais comprido do que o habitual, o rosto sulcado pelo desgaste da tournée.
Desde “The Rising” que a pose do “Boss” em palco assentou num misto de rocker e pregador, os olhos fechados, as mãos e os braços abertos, cantando “come on up for the rising, come on up, lay your hands in mine”. Em “Lonesome day”, que o violino de Soozie Tyrrell anunciou nos primeiros acordes, Bruce Springsteen fez toda a gente levantar os braços e cantar “it’s allright, it’s allright, yeah!” Atrás de si, a E-Street banda soava mais afinada do que nunca.
Até que surge “No Surrender” rearranjada. Bruce, colete preto, mangas arregaçadas, desfaz-se em esgares, canta com os olhos fechados, já nada em suor.O pavilhão só explodirá, no entanto, quando surgem os primeiros acordes de “Darkness on the edge of town”.
Virá depois um dos momentos mais intimistas e plenos de significado do concerto. Bruce Springsteen pede silêncio em francês, como se estivesse numa casa de fado e canta em versão acústica e lenta “Empty Sky”. A harmónica risca o ar como um arrepio e o rosto do “Boss” é de tristeza e desolação. Ninguém ali falou no trauma pós-11 de Setembro mas está tudo nas letras, “empty sky, empty sky, I woke up this morning to an empty sky”. O tema termina e o piano de Roy Bittan avança para mais um tema de uma beleza desoladora, “Missing you”. Bruce parece destroçado quando canta “your house is waiting for you to walk in but you’re missing…”
A tristeza teve o seu momento, Bruce desanuvia os ares com um “all right! Ladies and gentlemen, let’s go!” e avança para uma versão acústica da canção mais optimista do álbum, “Waitin’ on a sunny day”. O público canta, Bruce passeia junto à primeira fila, canta, toca nas mãos dos seguidores, de viola nas costas, espeta o microfone em direcção ao público, levanta os braços em direcção aos vários sectores do pavilhão, grita “Come on!” Toda a gente canta “gonna chase the clouds away” numa autêntica celebração colectiva.
O pavilhão já está rendido, a banda ataca “Promised land”, Clarence Clemons sopra furiosamente no saxofone, nas bancadas já cheira a haxixe, o público canta “lalalalala”. Bruce, o maestro, levanta o braço, diz “I say yeah” e a assistência repete-o, contorce-se, explode. O público rendido, o “Boss” solta-se num solo devastador de harmónica.
Os temas novos, como “Worlds apart” e a sua mensagem de tolerância religiosa, misturam-se com os clássicos, como “Badlands”, que coloca o pavilhão inteiro a cantar “ohohohohoh...” num exercício de terapia colectiva, ou “She’s the one”. A E-Street Band, essa, parece responder num automatismo perfeccionista, quer quando é a vez de Danni Federeci metralhar os teclados, quer quando Max Weinberg transforma a bateria num tambor marcial ou Nils Lofgren solta um diabólico solo de guitarra eléctrica.
A vertente soul e gospel de Bruce Springsteen surge pela primeira vez quando canta “Mary’s Place”. Assumindo o papel de pregador, mantem com as primeiras filas da plateia quase uma relação de irmandade, toca e é tocado. O show já vai longo, o homem tira o colete, está todo encharcado, deixa-se encostar ao pau do microfone mas a assistência não dá tréguas. Vai então junto às bancadas e canta “sheer it up, sheer it up!”
Bruce parece tirar prazer de rearranjar os temas para os espectáculos. Nenhuma canção soa ali como em disco. Em “My Hometown”, senta-se só ao piano, um feixe de luz incidindo na sua figura solitária. A seguir canta “Into the fire”, uma homenagem poética aos bombeiros de Nova Iorque, a voz rasgada, dolorida, os elementos da banda de braço direito no ar, repetindo: “May your strength give us strenght”.
A banda sai do palco pela primeira vez, o som do público é ensurdecedor. “Are you ready to dance?”, pergunta Bruce Springsteen antes das luzes se acenderem e tudo dançar e pular ao som de “Dancin’ in the dark” e “Ramrod”. O “Boss” faz de conta que tem de ir embora e diz “must be quiting time, I must go home!” Little Steven arregala os olhos e responde: “No, It’s Boss Time!”
Bruce faz o velho truque de cuspir água pela boca, passeia pelo estrado de trás do palco com a banda toda em fila indiana,, abana o rabo para a plateia, é a celebração rock’n roll no auge. Depois, convida o rocker Elliot Murphy para tocar com ele o hino colectivo “Born to run”, Bercy transformada num mar de palmas da mão a acenar.
O “Boss” despede-se mas o público quer mais. No segundo encore, a E-Street Band ensaia uma versão entre a soul e o gospel de “My city of ruins” e a voz de Bruce parece enegrecer. O concerto não pode terminar sem “Born in USA” mas o cantor explica em francês: “Eu escrevi esta canção sobre a guerra do Vietname, vou tocá-la como um símbolo de paz”. Tudo terminará mesmo com a esperança, sempre ela, de “Land of hope and dreams”: “Encontra-me na terra dos sonhos”. Paris está rendida, nós também.
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