estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2005-09-02

Uma herança musical debaixo de água

Texto de Chet Flippo

Colaborador da Billboard (traduzido à pressa)

Para já,daquilo que sabemos, o que sobreviveu dos locais musicais e do material de arquivo musical, especialmente gravações em fita e documentos originais, só podemos esperar que não se esteja perante um desastre cultural total, ao mesmo tempo que se vive uma tragédia humana sem precedentes.
A história da música na “Crescent City” é incrivelmente rica e mantem-se inultrapassada por qualquer outra cidade norte-americana. O Dixieland jazz, o rithm and blues, a funk, backbeat, o zydeco, a cajun, jazz, blues e tudo o resto, a música de New Orlenas é uma mistura excêntrica de diferentes estilos. Uma mistora do Velho Mundo com o Novo Mundo, de África com a Europa e o velho Sul, é uma música que não tem fronteiras.
Fazer uma lista de todos os grandes músicos da área de New Orleans ou que fizeram dela a sua casa, é como ler poesia: Louis Armstrong, King Oliver,Kid Ory, Professor Longhair, Aaron Neville, The Meters, The Wild Tchoupitoulas, The Neville Brothers, Fats Domino, Dr John, Huey “Piano” Smith & The Clowns,Frankie Ford, Clarence “Frogman” Henry, Jimmy Clanton,Bobby Charles, Ernie K-Doe, Larry Williams, Shirley & Lee, Guitar Slim, the Spiders, Earl King, "Snooks" Eaglin, Chris Kenner, Joe Jones, Barbara George, Jessie Hill, Johnny Adams, Eddie Bo, Bobby Marchan, Lloyd Price, Smiley Lewis, Roy Brown, Lee Dorsey, Irma Thomas, Champion Jack Dupree, the Preservation Hall Jazz Band, Pete Fountain, Wynton Marsalis, Rockin' Dopsie, Rockin' Sidney, the Olympia Brass Band, Johnny Adams, Jimmy C. Newman, Doug Kershaw, the Dixie Cups e muitos muitos mais.
Não existe dúvida que, hoje, a música de New Orleans é mais “ontem” do que “agora”. Mas o “ontem” é tão significativo e tão memorável que tendemos a não avaliar bem o que se está a passar hoje.
As minhas memórias musicais são hoje até mais queridas sabendo que não poderei regressar à cidade que existiu. Nuca esquecerei os dias que passei no Royal Orleans Hotel com os Rolling Stones quando se preparavam para uma tournée pelos Estados Unidos em 1975. Tive a possibilidade de os ouvir falar do seu entusiasmo pela música de New Orleans e as suas raízes.
Não consigo imaginar nunca voltar ao Tipitina’s, onde passei muitas noites. Tudo pode ter desaparecido,juntamente com o mundo da Bourbon Street, o Brass Rail Club, Dave Bartholomew, Cossimo Matassa, Allen Toussaint, Ace Records, Storyville, a Louis Armstrong Society, a Funky Butt Hall, Marshall Sehorn, o Preservation Hall, o Sea-Saint Recording Studio. Um mundo que provavelmente nunca veremos outra vez.O que vai acontecer ao incomparavel New Orleans Jazz & Heritage Festival? É demasiado cedo para o saber. E o Mardi Gras? Desaparecerá?O que sera dos músicos, dos clubes de New Orleans? Uma cidade musical foi silenciada.
É muito perturbador saber, também, que vários músicos,incluindo Irma Thomas, estão desaparecidos em New Orleans.
Partilhem uma lágrima e uma oraçção pela sobrevivência da grande herança musical de New Orleans.