estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2006-06-04

"Ie, Ie, Ie, Alcântara é que é!"

Pavilhão Atlântico, sexta-feira à noite, primeira apresentação perante o júri das 20 marchas populares antes do grande desfile de dia 12 na Avenida da Liberdade. Ainda não são 21h00 e já uma corrente de populares, idos dos bairros a concurso, acorre em cachos às imediações do pavilhão: rapazes de cabelo curto eriçado em cima e brinco na orelha, raparigas de rabo-de-cavalo e argolas nas orelhas, mulheres com crianças ao colo e idosas empurrando carrinhos de bebé, num atropelo de vozes e entusiasmo. "Oh vizinha, não me passe à frente, que eu e este senhor chegámos aqui primeiro!, grita uma mulher junto à bilheteira.
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Marcha do Alto do Pina, 2005 (foto CML)
Lá dentro, o entusiasmo é contagiante. Quando a estreante marcha de Santa Engrácia entra para desfilar, um grande pano azul onde se lê "Viva Santa Engrácia" ergue-se na bancada nascente. Jovens mulheres não param de incitar a marcha erguendo cachecóis azuis e amarelos - as cores da freguesia. Enquanto a marcha, toda ela um espectáculo azul marinho, evoluí lá em baixo, nas bancadas, entre duas a três mil pessoas, a maioria mulheres, batem palmas sincopadas ao ritmo da banda.
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Marcha da Mouraria em 2005 (foto CML)
As claques dos diversos bairros posicionam-se em zonas específicas do Pavilhão Atlântico. Um funcionário tenta, em vão, demover uma mulher em cadeira de rodas de assistir aos desfiles à beira de umas escadas. "Eu sou de Alcântara", diz a mulher, batendo com uma mão na palma da outra. "O meu pessoal está aqui e é aqui que eu quero estar. Não vou assistir à minha marcha ao pé do pessoal de São Vicente, não acha?"
À medida que a marcha infantil da Voz do Operário e as marchas de Santa Engrácia, Bica, São Vicente, Alcântara, Ajuda e Benfica desfilam pela noite dentro, as claques rivalizam com o seu tradicional grito de guerra: "Ie, ie, ie, Âlcantara é que é!" Nos corredores do pavilhão, circulam, entretanto, marchantes de marchas que ou já actuaram ou vão actuar. Quando é anunciada a marcha da Bica e se ouve um bruá vindo da ala norte das bancadas, marchantes da Ajuda, rapazes e raparigas, vestidos com as cores da cidade, o preto e o branco, correm para as entradas.
Os bairros que mais apoiantes levam ao pavilhão na noite de sexta-feira são os da Ajuda e de Alcântara. Na claque de Alcântara, quase toda composta por mulheres e crianças, muita gente veste t-shirts onde se lê "Alcântara 2006". Quando os marchantes do bairro, vestidos em tons de amarelo, vermelho e rosa entram com o sorridente padrinho Artur Garcia e a madrinha, Linda Rodrigues, à frente, o pavilhão canta "Cheira bem, cheira a Lisboa" ao mesmo tempo que se ouve "ie, ie, ie, Alcântara é que é!"
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Marcha do Alto do Pina de 2005 (CML)

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