NATAL NO COLOMBO
"Está a ver? As pessoas sofrem aqui dentro, esta malta nova sofre". É Natal no Centro Comercial Colombo, em Lisboa, mas para a rapariga de tez clara, cabelo loiro e olhar ingénuo que me serve uma cerveja, adivinha-se mais um dia de inferno. Está a chorar. O gerente acabou de chegar e parece estar a fazer-lhe a vida difícil. A rapariga aparecerá 15 minutos mais tarde, olhos inchados, não escondendo o nervosismo.
"Ela está aqui em part-time— percebe?¬— tentando fazer algum. Quem vem aqui, de saco de compras na mão, não faz ideia do inferno que é trabalhar aqui dentro", comenta Ricardo, ex- empregado num rodízio ali bem perto, na zona de fast food do Colombo, que se despediu ao fim de mês e meio a aturar situações semelhantes aquela.
Ricardo esteve para ir trabalhar primeiro para um estabelecimento de sandes mas desistiu quando descobriu que teria de trabalhar oito horas e teria diáriamente como almoço uma sandes e duas coca-colas. "Imagine, trabalhar aquelas horas todas com uma sandes no bucho". Foi então trabalhar um pouco mais adiante, para um rodízio estilo fast food.
"Desisti depois de ver a cozinheira africana a atirar-se à gerente com uma faca. Não imagina o stress que é aquilo". Francisco cedo se apercebeu de que o maravilhoso mundo novo do Colombo era só para os outros, os de lado de lá do balcão, de cartão de crédito na mão. "Contrataram-me para cortador de carne mas pagavam-me como empregado de balcão. Recebia 60 contos por mês, trabalhava oito horas e tinha meia hora para almoçar. Não tinha luvas para cortar a carne, as roupas que me deram metiam nojo e andava tão stressado que não tinha cabeça para cortar a carne. Despedi-me. Não sou nenhum escravo".
Por ali, em redor, os cartões de crédito continuam a funcionar endemoinhados. "Mãe, estamos aqui no primeiro andar", grita a plenos pulmões uma rapariguinha do telemovel amarelo, saco da Zara na mão, "onde é que vocês se meteram? Nós? Fomos para o Continente, está tanta gente, oh mãe, deixe-me ir só ao Cortefiel, vou já ter consigo".
Peço calamares num restaurante de tapas. A empregada responde: "talvez para o ano". Mas está escrito no quadro de lousa... "Sim, mas ainda não temos..." Outro bar: Sento-me à frente de uma tortilla e pergunto o que é. Responde a empregada adolescente: "Não sei". Vira-se para a colega do lado: "Ouve lá, o que é isto?" Responde a outra: "Sei lá..." A resposta final chega finalmente da cozinha. "Sim", diz a rapariga a rir, "isso aí é uma tortilla".
Fujo em debandada para uma espécie de pub afogado entre o cheiro a fritos do MacDonalds e do Kentucky Fried Chicken. Há um belo balcão em madeira, neons da Heineken e uma variedade surpreendente de cervejas belgas. Mas a ilusão termina abruptamente ao som da Rádio Cidade que sai dos altifalantes e quando um cliente pede pica-pau, inscrito em giz no quadro de lousa. O empregado diz: "não temos".
Circulando por todos os corredores, omnipresentes, estão os seguranças, botas à militar, boina preta à comando, auriculares, telemóvel, ar de poucos amigos, prontos a gritar "não, não", sempre que alguém tenta tirar um fotografia de recordação.
Junto ao hipermercado, mães dão de comer aos bébés, dentro dos "kiddy kars enquanto funcionárias circulam em patins, por entre a multidão. "Eram cinco para as quatro, 'tou farta de correr tudo à tua procura!", grita uma mulher à beira de um ataque de nervos para um pai de família, que explica que teve de levar o filho mais novo à casa de banho.
Pela vidraça indiscreta de uma loja vislumbro uma mulher que parece deleitar-se, recostada num sofá colunex. Uma outra, afaga o rosto a um grande urso de peluche. Adolescentes experimentam pares de óculos a seguir a mais pares de óculos. De vez em quando, mulheres negras, de fato amarelo, empurram esfregonas com que limpam sem cessar o vidro fosco das pontes metálicas. Alguém, pelos altifalantes, pergunta por "um menino chamado Gonçalo". E de repente, ouvem-se aplausos e vozes angelicais. É o coro Audite Nova a espalhar "hossana" pelos corredores do primeiro andar. Quando a noite cai e a luz deixa de entrar pelo tecto envidraçado, sobressaiem os neons, as luzes das multinacionais da fast food, os amarelos, os vermelhos do MacDonalds, o azul e amarelo do hall da Warner, iluminando multidões de adolescentes que enchem todo o espaço disponível, à espera da sua porção de batatas fritas ou de um balde plástico de coca-cola. O anúncio amarelo de uma casa de frango indica quinze graus centígrados em luzes electrónicas e uma multidão come “fast food” à frente de um ecrã gigante. À noite, toda iluminada, a própria árvore de Natal no centro do Colombo parece um totem erguido em homenagem à sociedade de consumo. É quase meia noite na grande loja de brinquedos. As jovens empregadas estão exaustas. Alguém quer embrulhar um último brinquedo. "A esta hora já não minha senhora", diz uma rapariga esgotada. "Tanto lixo, tanto lixo, onde é que esta gente vai buscar tanto dinheiro?", comenta outra, desesperada, ao ver a quantidade de caixas de cartão que vai ter de varrer.
"Ela está aqui em part-time— percebe?¬— tentando fazer algum. Quem vem aqui, de saco de compras na mão, não faz ideia do inferno que é trabalhar aqui dentro", comenta Ricardo, ex- empregado num rodízio ali bem perto, na zona de fast food do Colombo, que se despediu ao fim de mês e meio a aturar situações semelhantes aquela.
Ricardo esteve para ir trabalhar primeiro para um estabelecimento de sandes mas desistiu quando descobriu que teria de trabalhar oito horas e teria diáriamente como almoço uma sandes e duas coca-colas. "Imagine, trabalhar aquelas horas todas com uma sandes no bucho". Foi então trabalhar um pouco mais adiante, para um rodízio estilo fast food.
"Desisti depois de ver a cozinheira africana a atirar-se à gerente com uma faca. Não imagina o stress que é aquilo". Francisco cedo se apercebeu de que o maravilhoso mundo novo do Colombo era só para os outros, os de lado de lá do balcão, de cartão de crédito na mão. "Contrataram-me para cortador de carne mas pagavam-me como empregado de balcão. Recebia 60 contos por mês, trabalhava oito horas e tinha meia hora para almoçar. Não tinha luvas para cortar a carne, as roupas que me deram metiam nojo e andava tão stressado que não tinha cabeça para cortar a carne. Despedi-me. Não sou nenhum escravo".
Por ali, em redor, os cartões de crédito continuam a funcionar endemoinhados. "Mãe, estamos aqui no primeiro andar", grita a plenos pulmões uma rapariguinha do telemovel amarelo, saco da Zara na mão, "onde é que vocês se meteram? Nós? Fomos para o Continente, está tanta gente, oh mãe, deixe-me ir só ao Cortefiel, vou já ter consigo".
Peço calamares num restaurante de tapas. A empregada responde: "talvez para o ano". Mas está escrito no quadro de lousa... "Sim, mas ainda não temos..." Outro bar: Sento-me à frente de uma tortilla e pergunto o que é. Responde a empregada adolescente: "Não sei". Vira-se para a colega do lado: "Ouve lá, o que é isto?" Responde a outra: "Sei lá..." A resposta final chega finalmente da cozinha. "Sim", diz a rapariga a rir, "isso aí é uma tortilla".
Fujo em debandada para uma espécie de pub afogado entre o cheiro a fritos do MacDonalds e do Kentucky Fried Chicken. Há um belo balcão em madeira, neons da Heineken e uma variedade surpreendente de cervejas belgas. Mas a ilusão termina abruptamente ao som da Rádio Cidade que sai dos altifalantes e quando um cliente pede pica-pau, inscrito em giz no quadro de lousa. O empregado diz: "não temos".
Circulando por todos os corredores, omnipresentes, estão os seguranças, botas à militar, boina preta à comando, auriculares, telemóvel, ar de poucos amigos, prontos a gritar "não, não", sempre que alguém tenta tirar um fotografia de recordação.
Junto ao hipermercado, mães dão de comer aos bébés, dentro dos "kiddy kars enquanto funcionárias circulam em patins, por entre a multidão. "Eram cinco para as quatro, 'tou farta de correr tudo à tua procura!", grita uma mulher à beira de um ataque de nervos para um pai de família, que explica que teve de levar o filho mais novo à casa de banho.
Pela vidraça indiscreta de uma loja vislumbro uma mulher que parece deleitar-se, recostada num sofá colunex. Uma outra, afaga o rosto a um grande urso de peluche. Adolescentes experimentam pares de óculos a seguir a mais pares de óculos. De vez em quando, mulheres negras, de fato amarelo, empurram esfregonas com que limpam sem cessar o vidro fosco das pontes metálicas. Alguém, pelos altifalantes, pergunta por "um menino chamado Gonçalo". E de repente, ouvem-se aplausos e vozes angelicais. É o coro Audite Nova a espalhar "hossana" pelos corredores do primeiro andar. Quando a noite cai e a luz deixa de entrar pelo tecto envidraçado, sobressaiem os neons, as luzes das multinacionais da fast food, os amarelos, os vermelhos do MacDonalds, o azul e amarelo do hall da Warner, iluminando multidões de adolescentes que enchem todo o espaço disponível, à espera da sua porção de batatas fritas ou de um balde plástico de coca-cola. O anúncio amarelo de uma casa de frango indica quinze graus centígrados em luzes electrónicas e uma multidão come “fast food” à frente de um ecrã gigante. À noite, toda iluminada, a própria árvore de Natal no centro do Colombo parece um totem erguido em homenagem à sociedade de consumo. É quase meia noite na grande loja de brinquedos. As jovens empregadas estão exaustas. Alguém quer embrulhar um último brinquedo. "A esta hora já não minha senhora", diz uma rapariga esgotada. "Tanto lixo, tanto lixo, onde é que esta gente vai buscar tanto dinheiro?", comenta outra, desesperada, ao ver a quantidade de caixas de cartão que vai ter de varrer.
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