Saudades do Brasil
Para chegar ao mar, preciso atravessar a mata de Santo António. Muita gente diz que o caminho da mata é perigoso à noite. Aos 21, 22 graus da noite de ontem, a mata de Santo António da Caparica era um apelo irresistível. Passei com o Grishka, o meu husky siberiano de pêlo castanho e branco junto à vedação do Parque de Campismo da Orbitur. Pude ver um casal de jovens alemães a prepararem o jantar junto a um igloo. A família disfuncional que vive na esquina do camping com a mata, já junto ao parque dos escuteiros, mantinha a chinfrineira do costume. No Inverno, entre a névoa, o frio e a chuva, a única luz e som disponível vem daquela roullote com um avançado onde colocaram uma bandeira de Portugal, caixas de cerveja abandonadas e onde o som ambiente varia entre Xutos e Pontapés e rock dos anos 80.
Mais adiante, aproveitei para fazer o número de sempre junto dos cães dos escuteiros. São três, dois dóceis e um branco e preto, que odeia o meu husky e castiga com dentadas malévolas quem, dos outros dois, se atreva a brincar com o Grishka. Como aquela zona à noite está sempre vazia e há pouca distracção, aproveito para assobiar, o que atrai imediatamente o Pirata. Chamam-lhe assim por causa do olho preto que parece a pala do Barba Azul. O Pirata vem rapidamente a correr na escuridão e aparece, para minha diversão e contentamento, a ladrar furiosamente junto aos portões dos Escuteiros. Se eu circular por perto com o Grishka e os outros dois cães vierem brincar com ele, arriscar-se-ão a valentes dentadas do Pirata quando regressarem ao lado de lá. Se eu soltar o Grishka, aí sim, terei alguns minutos de espectáculo, com o focinho e os dentes do Pirata a tentarem atingir o meu cão e este a ladrar como sabe…é cachorro…Detesto o Pirata, o Pirata é mau, tem maus instintos. Mas nunca conseguiu morder o meu cão.
Entreguei-me à escuridão da noite em direcção ao aglomerado de barracas de tijolo e madeira a que chamam Bairro da Mata. Ao contrário de vozes avisadas que falam do bairro como um antro de crime, droga e transgressão, sempre me senti atraído por ele, pelos cheiros a carne a assar, o fumo a sair das barracas, o som da música africana, as gargalhadas das angolanas. Quando um dia, um grupo de angolanos ergueu um bar com quatro paredes de tijolo e duas palmeiras à frente- o sinal em qualquer bairro do género de que se trata de um bar- e colocou uma mesa e um sofá velho como esplanada, apeteceu-me saltar do mundo de cá, dos brancos e ir para lá, para a África na Caparica e confraternizar.
Gosto da quizomba que sai das janelas pequeninas das barracas, gosto de ver as angolanas vestidas com cores garridas e roupas irrepreensíveis a sair do bairro às 7h00 ou 8h00 da manhã para o trabalho em Lisboa e gosto das crianças, um rancho delas, muitas com tranças na cabeça, que brincam com pneus ou à apanhada entre o lixo disperso pela mata. Sempre que passo com o Grishka, junta-se um rancho de crianças a gritar “vem aí o lobo, olha o lobo..ele morde?” Tenho de o segurar com firmeza enquanto é engolido pelas crianças a passar as mãos pequenas e negras pelo dorso castanho e branco do animal.
Ontem à noite, quando passei, o bairro era um dédalo de vozes, luzinhas e música. O calor trouxe consigo o cheiro a lixo. Passei rapidamente em direcção ao mar, subi as escadas junto ao Restaurante Marcelino, que está a renascer das cinzas depois da destruição pelas vagas em Outubro e cheirei as ondas. O lado de lá, Algés, Paço D’Arcos, Oeiras, era uma mar de luzes a tremeluzir na noite. Um avião fazia vruuuuuuummmm em direcção a Lisboa. Aquela hora, o paredão é o passeio dos amantes. O perfil de um par de namorados num abraço-beijo eterno surgiu-me à frente, no escuro, as ondas macias e doces de uma noite morna, diferente.
E foi então que de, repente, surgiu o Brasil, entre a calmaria das ondas, entre o bafo quente que vinha do mar. Lembrei Maceió, lembrei de São Luís do Maranhão, lembrei os bares de praia abertos 24 horas, alguém tocando violão enquanto petiscamos um tira gosto e bebemos uma Brahma gelada, lembrei do sertão do Pernambuco, do Tati, da Mana, da Teka, do doido do Carlinhos puxando as meninas para dançar no forró de Tabira, lembrei de São José do Egipto, Paraíba, dos repentistas, lembrei da Rosie, da Pousada da Renata, dos Lençóis Maranhenses, de seu Alfredo de Alta Floresta, Mato Grosso e do seu humor paranaense. Senti saudade da selva, dos mosquitos, do medo de onça, da excitação de ver à frente uma jararaca mata-cavalo, do ruído infernal da noite no meio do mato, de viajar de voadeira, de tomar banho em cachoeira, de sentir que o Brasil te ama e te recebe de braços abertos. De repente, entre a penumbra húmida da Caparica, vi o Tati, segurando mais uma lata de cachaça “Pitú”, doido de contente quando reapareci ao fim de dois anos e sem avisar no fim do mundo de Tabira, Alto Sertão do Pernambuco: “Poxa bicho, que alegria Nuno, eu não acredito, você aqui? Que alegria…portuga…Erenilde, traz cerveja p’ro Nuno, tu lembra do Nuno?”
Mais adiante, aproveitei para fazer o número de sempre junto dos cães dos escuteiros. São três, dois dóceis e um branco e preto, que odeia o meu husky e castiga com dentadas malévolas quem, dos outros dois, se atreva a brincar com o Grishka. Como aquela zona à noite está sempre vazia e há pouca distracção, aproveito para assobiar, o que atrai imediatamente o Pirata. Chamam-lhe assim por causa do olho preto que parece a pala do Barba Azul. O Pirata vem rapidamente a correr na escuridão e aparece, para minha diversão e contentamento, a ladrar furiosamente junto aos portões dos Escuteiros. Se eu circular por perto com o Grishka e os outros dois cães vierem brincar com ele, arriscar-se-ão a valentes dentadas do Pirata quando regressarem ao lado de lá. Se eu soltar o Grishka, aí sim, terei alguns minutos de espectáculo, com o focinho e os dentes do Pirata a tentarem atingir o meu cão e este a ladrar como sabe…é cachorro…Detesto o Pirata, o Pirata é mau, tem maus instintos. Mas nunca conseguiu morder o meu cão.
Entreguei-me à escuridão da noite em direcção ao aglomerado de barracas de tijolo e madeira a que chamam Bairro da Mata. Ao contrário de vozes avisadas que falam do bairro como um antro de crime, droga e transgressão, sempre me senti atraído por ele, pelos cheiros a carne a assar, o fumo a sair das barracas, o som da música africana, as gargalhadas das angolanas. Quando um dia, um grupo de angolanos ergueu um bar com quatro paredes de tijolo e duas palmeiras à frente- o sinal em qualquer bairro do género de que se trata de um bar- e colocou uma mesa e um sofá velho como esplanada, apeteceu-me saltar do mundo de cá, dos brancos e ir para lá, para a África na Caparica e confraternizar.
Gosto da quizomba que sai das janelas pequeninas das barracas, gosto de ver as angolanas vestidas com cores garridas e roupas irrepreensíveis a sair do bairro às 7h00 ou 8h00 da manhã para o trabalho em Lisboa e gosto das crianças, um rancho delas, muitas com tranças na cabeça, que brincam com pneus ou à apanhada entre o lixo disperso pela mata. Sempre que passo com o Grishka, junta-se um rancho de crianças a gritar “vem aí o lobo, olha o lobo..ele morde?” Tenho de o segurar com firmeza enquanto é engolido pelas crianças a passar as mãos pequenas e negras pelo dorso castanho e branco do animal.
Ontem à noite, quando passei, o bairro era um dédalo de vozes, luzinhas e música. O calor trouxe consigo o cheiro a lixo. Passei rapidamente em direcção ao mar, subi as escadas junto ao Restaurante Marcelino, que está a renascer das cinzas depois da destruição pelas vagas em Outubro e cheirei as ondas. O lado de lá, Algés, Paço D’Arcos, Oeiras, era uma mar de luzes a tremeluzir na noite. Um avião fazia vruuuuuuummmm em direcção a Lisboa. Aquela hora, o paredão é o passeio dos amantes. O perfil de um par de namorados num abraço-beijo eterno surgiu-me à frente, no escuro, as ondas macias e doces de uma noite morna, diferente.
E foi então que de, repente, surgiu o Brasil, entre a calmaria das ondas, entre o bafo quente que vinha do mar. Lembrei Maceió, lembrei de São Luís do Maranhão, lembrei os bares de praia abertos 24 horas, alguém tocando violão enquanto petiscamos um tira gosto e bebemos uma Brahma gelada, lembrei do sertão do Pernambuco, do Tati, da Mana, da Teka, do doido do Carlinhos puxando as meninas para dançar no forró de Tabira, lembrei de São José do Egipto, Paraíba, dos repentistas, lembrei da Rosie, da Pousada da Renata, dos Lençóis Maranhenses, de seu Alfredo de Alta Floresta, Mato Grosso e do seu humor paranaense. Senti saudade da selva, dos mosquitos, do medo de onça, da excitação de ver à frente uma jararaca mata-cavalo, do ruído infernal da noite no meio do mato, de viajar de voadeira, de tomar banho em cachoeira, de sentir que o Brasil te ama e te recebe de braços abertos. De repente, entre a penumbra húmida da Caparica, vi o Tati, segurando mais uma lata de cachaça “Pitú”, doido de contente quando reapareci ao fim de dois anos e sem avisar no fim do mundo de Tabira, Alto Sertão do Pernambuco: “Poxa bicho, que alegria Nuno, eu não acredito, você aqui? Que alegria…portuga…Erenilde, traz cerveja p’ro Nuno, tu lembra do Nuno?”
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