estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2004-09-05

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O regresso a casa depois de bastante tempo fora oscila sempre entre o estranho e o óbvio. O estranho é que ainda estamos com metade do corpo e da mente no outro país, o óbvio é que já sabemos de antemão o que nos espera: aquele cansaço brutal da viagem de avião misturado com as características habituais de um regresso a Lisboa (a espera interminável pelas bagagens no aeroporto, a conversa chapa 5 do taxista alfacinha e a sensação de passar sob o efeito de extremo cansaço junto à esplanada do café da rua e ver lá as mesmas pessoas, dir-se-ia que nas mesmas posições do que há cinco semanas atrás).
Bom, depois de três noites a dormir na rede, debaixo do ventilador, em casa da Rose, em Fortaleza e de uma noite muito mal dormida no avião, fui buscar o cão a Albogas (Almargem do Bispo) e caí directamente na cama. Nem Letónia-Portugal, nem stripper a atravessar o relvado nem crise dos reféns na Ossétia do Norte...Hoje acordei recuperado e corri a oferecer a garrafa de aguardente cearense Sapupara ao senhor Claudino, dono do cafézinho perto de casa. Ele nem sonha que a garrafa custou menos de um euro. Adorou. Colocou-a junto com as melhores garrafas da casa, como um troféu num pedestal. Para melhorar o efeito da oferta, estava lá no café um paulista com uma t-shirt do Corinthians. Não parámos de falar do Brasil. "Eu tenho de ir ao Brasil, é desta que eu tenho de ir", dizia o Claudino. Fui a casa buscar um gigantesco mapa do Brasil que ocupa metade do balcão e mais uns livros com fotos do fotógrafo brasileiro Araquém Alcântara e deixei lá, para permitir ao senhor Claudino sonhar. Deixei o café no momento em que um português interpelava o paulista: "Voltando aquela conversa de há bocado, dizem que os brasileiros não querem trabalhar..."