estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2004-09-12

Yellow Line Blues

Estação de Metro de Picoas, domingo dia 12 de Setembro. Acho que é por ser domingo e a cidade estar vazia e o inexorável general Outono se estar a aproximar. Há uma colega amiga minha que me conhece há bastantes anos e costuma dizer: "Deixa estar, Nuno, é o Outono. Nunca te deste bem com os dias cinzentos". Há outra que tem uma teoria diferente: "Sempre que voltas de uma estadia prolongada no Brasil ficas assim..." A porta gradeada do átrio sul está fechada aos fins de semana, por isso há que dar a volta pela Fontes Pereira de Melo e entrar pelo norte. Com sorte, sempre se vê uns jovens turistas de mochila às costas, procurando o rumo para a Pousada da Juventude, na Andrade Corvo. Adoro ajudar, conversar, arranhar o inglês, dar uma de idiota no meu mau francês. Às vezes, quando vejo as pessoas desorientadas no hall da estação, paro e deixo-me ficar por ali. Não gosto de as abordar repentinamente mas também não quero que se sintam sózinhas. Por vezes são pessoas do campo, como o casal de olhar assustado e branco que se cruzou comigo há dias na linha amarela. Outras vezes, são jovens turistas de mapa na mão, nipónicas, escandinavas, magras, altas, gordas. Não quero que pensem que as pretendo assediar mas sinto a insegurança de quem pisa ramo verde, calçadas estranhas e fico por ali. Digo para dentro de mim: "Precisas de ajuda?" Na maior parte dos casos, desaparecem na correnteza das entradas e saídas do metropolitano, tão depressa como aqueles rostos colados ao vidro que desaparecem em velocidade quando a carruagem deixa a estação em direcção ao túnel.
Mas hoje não há ninguém. Ou seja, estão algumas pessoas na plataforma. Quando o placard electrónico marca 19h43, um casal beija-se com paixão do outro lado da estação. Estão encostados a uma parede e parecem felizes. Percorro toda a plataforma. Há mais um casal de namorados, ela com o cabelo encaracolado por cima do ombro dele. Vieram do cinema? Foram ao shopping? Divertiram-se? Será que não haverá ninguém nesta maldita estação que tenha estado, como eu, imerso em tédio e total aborrecimento dentro de um escritório, a trabalhar a um domingo ou pelo menos a cumprir horário sob o lento compasso das horas? Fixo-me numa mulher jovem de blusão de ganga sentada num dos bancos, ao fundo. Ela sim, parece alguém com quem me possa identificar, uma figura solitária, mulher trabalhadora a regressar de um emprego na limpeza de um Banco. Observo se traz uma daquelas bolsas baratas ou uma revista feminina, como sempre parecem trazer. Mas não, não está só, tem um telemóvel e está assoberbada a ver as mensagens. Não está ali, está algures em comunicação com alguém que lhe enviou uma mensagem. De Almada? De Loures? Algures de um T-3 em Santo António dos Cavaleiros?
De modo que aqui estou eu, comigo próprio, o meu amigo Outono a chegar para me fazer vestir um polo, me enevoar as manhãs e pôr o mar ao pé de casa a fazer brum...brum...PICOAS, O ÁTRIO SUL ENCERRA AOS FINS DE SEMANA. Maldita cidade outonal...




1 Comments:

  • At 4:20 da tarde, Anonymous Anónimo said…

    Tbm eu estive solitária e desorientada na estação de Picoas, uma vez... Lembro de ter tido dificuldade em conduzir minha mala pesada e de rodinhas por entre as folhas secas que encobriam o chão.

     

Enviar um comentário

<< Home