estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2005-03-13

A VIDA ATRIBULADA DE JOSÉ REIS

José Reis cresceu ali, naquele dédalo pequeno e deserdado de meia dúzia de casas brancas e chaminés algarvias, roupa a secar entre carrinhas abandonadas, roulotes, sofás e cadeiras. No Bairro 1º de Maio, na Meia Praia, em Lagos, agora a regra é o silêncio ou as meias palavras. “A família não quer falar e enquanto a família não falar, a gente vai respeitar...”
Aos poucos, no entanto, amigos e pessoas mais chegadas, vão falando. “Sempre foi muito activo, andámos na escola secundária juntos, jogavamos à bola juntos, jogávamos ténis de mesa, andavámos de bicicleta, de BMX. Ele nunca foi de estar parado”, conta A., um amigo de infância.
Por volta dos 20 anos, José experimenta a heroína e navega na onda durante os próximos anos. “Sim, andou naquilo uns quatro ou cinco anos. Foi nessa altura que ele fez mais asneiras”, conta A. “ E foi nessa altura que ele lidou com a polícia e com o sub-chefe Domingos. Se houve ou não coisas entre eles, não sei”.
Não consegui, em tempo útil, ter acesso ao eventual cadastro de José Reis. Em Lagos, há quem diga que tem o registo limpo, quem diga que já esteve preso e o jornal “24 Horas”, chegou a noticiar na segunda-feira passada que José esteve preso 12 anos. “Diziam que ele esteve 12 anos preso. Quer dizer, tinha passado metade da vida preso. Como, se ele tinha o cadastro limpo?”, pergunta o pai, José dos Reis.
Pedro Filipe, do “Windsurf Point”, garante, lacónico, que “nos últimos anos, José Reis nunca passou uma noite na PSP de Lagos”. A., o amigo de infância, que afirma ter-se iniciado na heroína ao mesmo tempo, diz que sim, que nos velhos tempos José “chegou a ir a julgamento duas ou três vezes e a ter pena suspensa”.
Foi durante o auge dos anos negros da heroína que, para o tirar de Lagos, a família o envia para Lisboa, para o pé da irmã, Paula Reis, de onde segue para um Centro de Recuperação para Toxicodependentes em Arruda dos Vinhos. Nessa altura, trabalhou como mecânico na FIAT. “Ele sempre foi de desenracar coisas, uma prancha, uma motorizada”, justifica um amigo.
Nesses tempos em que esteve fora, José Reis ía a Lagos muitos fins de semana. “Nessa altura, estava a cortar com a heroína e estava limpo. Nem alcool bebia”, conta A.
Quando regressou para a casa dos pais, a sua casa de sempre, no pequeno bairro 1º de Maio, na Meia Praia, José começou a trabalhar na escola de windsurf “Windsurf Point”, mesmo ao lado de casa.
“Veio mais calmo. Já cá estava há quatro anos. Dava instrução aos miúdos, os miúdos gostavam dele, era brincalhão. Também arranjava pranchas. Podia ir beber os seus copos à noite a Lagos que no dia seguinte estava aqui às 9h00”, contam na “Windsurf Point”.
Na noite de Lagos e em particular no bar “Grand Café”, onde José Reis teve o desacato final da sua vida, ninguém parece ter razões de queixa. “Ele aqui nunca arranjou problemas”, afirma, taxativo, o gerente, José Francisco.Nos últimos tempos, dizem, José estava entusiasmado com a abertura da loja da “Windsurf Point”, numa urbanização nova situada entre a marina de Lagos e a Meia Praia e preparava-se para assinar contrato na escola. “Uma pessoa que anda entusiasmada com isto, vai-se suicidar?”, perguntam.