estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2005-04-10

TV NIGHTMARE

Sem querer faltar ao respeito à Igreja Católica e aos católicos, imagine-se que, para mal dos nossos pecados, o Papa João Paulo II em vez de agonizar aquele tempo preciso que agonizou, se mantinha assim mais, digamos, três, quatro, cinco, seis, dez dias. Imagine-se que, tal como aconteceu, os boletins médicos continuavam a suceder-se a um ritmo alucinante e as informações do Vaticano também, que o Santo Padre estava a perder capacidades no rim esquerdo, que depois era a respiração que dava os seus últimos acordes e a que a seguir o ritmo cardíaco se transformava numa linha horizontal entremeada por pequenos saltinhos num ecrã de hospital. Imaginemos que tudo se prolongava até à náusea e que a cobertura das televisões não esmorecia. Teríamos tido qualquer coisa ainda mais massacrante e insuportável que a que tivemos.
Não nos tendo dado descanso com a agonia, morte e celebração da sua memória por parte de milhões de católicos, a televisão poupou-nos a outros folhetins em que teria entrado inevitavelmente. A melhor e mais significativa poupança de todas deu-se no dossier, folhetim, reality show que é o casamento do Príncipe Carlos com Camilla Parker-Bowles. Sim, é verdade, a televisão deu-nos ontem o matrimónio em directo mas poupou-nos ao folhetim pré-nupcial, definitivamente comprometido pelo dossier Papa João Paulo II. Ainda bem. Ufa...