estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2004-06-22

A gigantesca simulação

A onda de alegria que varreu o país continua a merecer os mais díspares comentários. Equipado à distância, na sua varanda, com um telescópio que lhe permite observar os humanos lá em baixo a buzinar, a arrotar e a dizer "foda-se, caralho, somos os maiores", EPC senta-se no banquinho, abre o bloco de notas e escreve: "quanto mais as pessoas se entusiasmam, mais existem pessoas a sentirem-se entusiasmadas. Donde, estamos perante um processo em que tanto mais se produz quanto o facto de se produzir se reflecte no sentido de uma reprodução alargada". Humm...faz sentido...mas ainda não acabou. "(...) todos os outros , se não se sentirem mobilizados pelo processo, sentem que estão a ser marginalizados, que não são bons portugueses, que não têm um comportamento saudável como seres humanos". Donde, o fenómeno de massas dos festejos do pós- Portugal-Espanha seja comparável ao dos festejos do 25 de Abril, do primeiro 1º de Maio ou ao Maio de 68. Se aquele jovem rebelde está a atirar um cocktail molotov contra o polícia francês símbolo do reaccionarismo do sistema, porque é que eu também não me vou juntar a ele? Se aquele grupo agita bandeiras vermelhas e canta a liberdade, porque é que eu, peixeira que até há uns dias atrás dava vivas ao Américo Tomaz, não vou dar vivas à democracia? Olha que está bem pensado...
Mas EPC deixa-nos- deixa sempre- com que pensar: "Ora isso conduz a que simulem esse entusiasmo e, a dada altura, a simulação torna-se tão específica que é mais verdadeira do que a realidade".
Dá até para tecer uma conclusão interessante para um benfiquista ferrenho como eu: os festejos da vitória do FC Porto na Invicta só tiveram aquela dimensão porque muitos não quiseram ser discriminados e fizeram-se passar, simularam ser portistas...
Prontos, está mais que visto, que do Minho ao Algarve, tudo não passou de uma gigantesca simulação de massas. De qualquer forma, foi uma simulação bonita. É provável que se Portugal ganhar à Inglaterra possamos assistir a mais um desencadear processual desse mecanismo de massas que podemos apelidar e bem de simulação massificada. Ele há cada uma, hein...