estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2005-02-14

Esquecidos por Deus

Quinta do Mocho, dia 14 de Fevereiro de 2005. "Somos emigrantes, somos angolanos, quem se preocupa connosco?", diz-me um homem cujo bafo cheira a Macieira, à porta do Lote 13. A porta de alumínio perdeu um vidro e tem outro rachado à volta de uma circunferência de bala. O alumínio está cravado de pequenos buracos. "Apareceram aqui ontem aquela hora como podiam aparecer agora. Aparecem e disparam para quem está nos passeios e às portas. Aqui, estavam quatro ou cinco crianças". A Sacavém branca está lá em baixo, separada do bairro por avenidas e rotundas. "Este meu amigo ainda pensa que o governo português deve fazer alguma coisa por nós. Eu já nem me ralo. Somos angolanos, não existimos para eles. Neste carnaval, Sacavém esteve cheia de decorações. Aqui, você vê alguma coisa?" Desço do lote 13, onde um rapaz e uma criança foram baleadas ontem por tiros de caçadeira disparados de um carro em movimento. Falo com uma mulher que traz uma criança pela mão. "Não vá por ali, aqueles rapazes podem roubá-lo", avisa. Onde está a polícia? Lá em baixo? Na Sacavém dos brancos?