FEIRA POPULAR BLUES
“Isto é horrível. As pessoas estão a entrar em depressão. Andam ansiosas, nervosas. Qualquer dia vai parar tudo ao manicómio ”, explica a morena Lígia Vieira, 33 anos, filha do famoso Joselito, o homem do Poço da Morte, à mesa da Tasquinha Serrana, em plena Feira Popular.
Um ano e meio depois do fecho oficial da feira, cerca de 15 restaurantes ainda servem almoços, dois salões de jogos estão abertos e cinco famílias vivem num recinto no limite do abandono. “Não saímos enquanto não nos pagarem as indemnizações”, explicam.
Agora, Lígia senta-se à frente de um cigarro e de um café. Ao lado dela, uma familiar olha o vazio. “Isto é uma coisa que se arrasta, nunca mais tem um fim. Cada dia que passa é maior o sofrimento, as despesas, não se vê um fim a isto”, explica. Ao lado, a mulher que parece olhar o vazio, sacode o cabelo loiro e comprido e diz: “Nada muda, está tudo na mesma”.
Ali perto, uma mulher acarta garrafões à frente das cortinas vermelhas e rasgadas do palco da Fundação “O Século”, a madeira coberta de pó. Aquela hora, cerca das 18h00, a “Tasquinha Serrana” é o único estabelecimento aberto no recinto. Ali se juntam feirantes a jogar às cartas e os últimos moradores, como Lígia, que ali nasceu e ali vive numa roulotte grande por detrás do espaço onde o pai manteve durante anos a fio o Poço da Morte.
“A feira agora é pior que um cemitério, um campo de concentração”, exemplifica Lígia, que consegue espairecer quando sai, durante o dia, para trabalhar na bilheteira de um cinema. “Faltam as luzes, falta o barulho, é tudo muito triste. O meu pai (Joselito), sobretudo, está a passar uma má fase. Está aqui há mais de quarenta anos. Ele quer continuar e morrer numa feira”.
A única fase do dia em que o recinto vive alguma animação é durante a hora de almoço, quando funcionários de empresas que trabalham na área de Entrecampos, almoçam nos restaurantes que não fecharam, o Mirandela, a Tricana, o Lobos do Mar, o Sesimbrense, o Rei de Miaus, o Campino, o Óscar, a Padroense, o Imperador dos Caracóis, o Monte Serves, a Aldeia do Moinho, o Serra da Estrela, o Alentejano, a Tasquinha Serrana, o Flaviense.
Para acederem aos restaurantes, no entanto, os clientes atravessam um cenário de desolação, decadência e vazio, um recinto estranho, destroçado. Os donos das atracções mantiveram-nas no local. Ficou tudo ali, suspenso, pendurado, à mercê da chuva, do sol e do vento, à espera da indemnização que nunca mais chega.
O lago onde os visitantes da montanha russa “Blue River” desaguavam, dentro das barcaças castanhas, cobre-se de limos e folhas, as águas entre o esverdeado e o castanho.
No meio do lago putrefacto, em cima de uma estrutura de ferro enferrujada, alguém colocou a réplica do Space Shuttle que costumava estar pendurado na parede de outra atracção. Por debaixo das roldanas enferrujadas, um gato preto pula entre os ferros e a erva que nasce debaixo da estrutura e pára, assustado, as órbitas amareladas fixas no visitante inesperado.
De repente, uma ilusão. Dois homens colocam a montanha russa a funcionar. Estão a proceder à manutenção do equipamento. As carruagens rodam vazias pelos carris, perfazem um looping e regressam à base. Daí a pouco, os dois homens cobrem todas as carruagens com uma lona vermelha e dirigem-se à roda das cadeiras esvoaçantes e põem-na a funcionar também.
Muitos lojistas não retiraram o recheio dos estabelecimentos. Uma bóia de natação em formato de dálmata espreita da vidraça do primeiro andar de uma loja de utilidades. “Estimado cliente, em virtude do impasse em que se encontra a situação da Feira Popular de Lisboa, para qualquer contacto dirija-se...”, lê-se à porta.
Na rua vazia da Casa Maldita e do Labirinto dos Espelhos, alguém afixou placas amarelas numa atracção agora fechada, onde se lê “queremos trabalhar, a feira não pode fechar” ou “A Feira Popular continua aberta ao público até o nosso futuro estar salvaguardado”. A lona da atracção, as cores verde e branco a desmaiar, está rasgada e esvoaça.
Batido pela luz de fim de tarde, o destroço em que deixaram transformar aquela que era a única feira de diversões de Lisboa, lembra um filme de Wim Wenders. Lurdes Pimenta, proprietária do Restaurante “Monte Serves”, está sentada, sózinha, debaixo da trepadeira que em tempos abrigou dezenas de clientes: “Daqui só me tiram morta. Viva, só com as condições que o Santana Lopes nos prometeu”.
Lurdes ainda serve almoços aos clientes antigos que se habituaram a frequentar o espaço. São cada vez menos. “Como é que se vive com meia dúzia de almoços? Andamos a gastar o que temos e o que não temos. Eu, que nunca devi nada nem ao Estado nem à Fundação “O Século”... É um desespero muito grande estar aqui práticamente sem fazer nada, a olhar para o ar. Vem o dia, vem a noite, é muito triste”.
José Figueira Marques, presidente da Associação de Feirantes, sabe bem como pensam e o que quer a maioria dos saturados e desiludidos feirantes: “A maioria das pessoas está interessada em deixar esta actividade. Estão cansadas de esperar há quase dois anos pela indemnização. Enquanto a feira esteve aberta, as pessoas íam fazendo o seu dia a dia, agora...”
A Câmara Municipal de Lisboa ainda adiantou cerca de três milhões e 500 mil euros para que os feirantes pudessem fazer face às dificuldades. “O que é esse valor para 150 famílias?”, pergunta o presidente da associação.
“Pensava que o Santana Lopes fosse mais humano. Veio aqui, conversou connosco, disse que nos ía indemnizar, disse que ía criar uma nova feira...acreditámos na palavra dele. Afinal, deixámos fechar a feira e ficámos aqui isolados. Isto assim não é vida”, desabafa Lurdes Pimenta.
Um ano e meio depois do fecho oficial da feira, cerca de 15 restaurantes ainda servem almoços, dois salões de jogos estão abertos e cinco famílias vivem num recinto no limite do abandono. “Não saímos enquanto não nos pagarem as indemnizações”, explicam.
Agora, Lígia senta-se à frente de um cigarro e de um café. Ao lado dela, uma familiar olha o vazio. “Isto é uma coisa que se arrasta, nunca mais tem um fim. Cada dia que passa é maior o sofrimento, as despesas, não se vê um fim a isto”, explica. Ao lado, a mulher que parece olhar o vazio, sacode o cabelo loiro e comprido e diz: “Nada muda, está tudo na mesma”.
Ali perto, uma mulher acarta garrafões à frente das cortinas vermelhas e rasgadas do palco da Fundação “O Século”, a madeira coberta de pó. Aquela hora, cerca das 18h00, a “Tasquinha Serrana” é o único estabelecimento aberto no recinto. Ali se juntam feirantes a jogar às cartas e os últimos moradores, como Lígia, que ali nasceu e ali vive numa roulotte grande por detrás do espaço onde o pai manteve durante anos a fio o Poço da Morte.
“A feira agora é pior que um cemitério, um campo de concentração”, exemplifica Lígia, que consegue espairecer quando sai, durante o dia, para trabalhar na bilheteira de um cinema. “Faltam as luzes, falta o barulho, é tudo muito triste. O meu pai (Joselito), sobretudo, está a passar uma má fase. Está aqui há mais de quarenta anos. Ele quer continuar e morrer numa feira”.
A única fase do dia em que o recinto vive alguma animação é durante a hora de almoço, quando funcionários de empresas que trabalham na área de Entrecampos, almoçam nos restaurantes que não fecharam, o Mirandela, a Tricana, o Lobos do Mar, o Sesimbrense, o Rei de Miaus, o Campino, o Óscar, a Padroense, o Imperador dos Caracóis, o Monte Serves, a Aldeia do Moinho, o Serra da Estrela, o Alentejano, a Tasquinha Serrana, o Flaviense.
Para acederem aos restaurantes, no entanto, os clientes atravessam um cenário de desolação, decadência e vazio, um recinto estranho, destroçado. Os donos das atracções mantiveram-nas no local. Ficou tudo ali, suspenso, pendurado, à mercê da chuva, do sol e do vento, à espera da indemnização que nunca mais chega.
O lago onde os visitantes da montanha russa “Blue River” desaguavam, dentro das barcaças castanhas, cobre-se de limos e folhas, as águas entre o esverdeado e o castanho.
No meio do lago putrefacto, em cima de uma estrutura de ferro enferrujada, alguém colocou a réplica do Space Shuttle que costumava estar pendurado na parede de outra atracção. Por debaixo das roldanas enferrujadas, um gato preto pula entre os ferros e a erva que nasce debaixo da estrutura e pára, assustado, as órbitas amareladas fixas no visitante inesperado.
De repente, uma ilusão. Dois homens colocam a montanha russa a funcionar. Estão a proceder à manutenção do equipamento. As carruagens rodam vazias pelos carris, perfazem um looping e regressam à base. Daí a pouco, os dois homens cobrem todas as carruagens com uma lona vermelha e dirigem-se à roda das cadeiras esvoaçantes e põem-na a funcionar também.
Muitos lojistas não retiraram o recheio dos estabelecimentos. Uma bóia de natação em formato de dálmata espreita da vidraça do primeiro andar de uma loja de utilidades. “Estimado cliente, em virtude do impasse em que se encontra a situação da Feira Popular de Lisboa, para qualquer contacto dirija-se...”, lê-se à porta.
Na rua vazia da Casa Maldita e do Labirinto dos Espelhos, alguém afixou placas amarelas numa atracção agora fechada, onde se lê “queremos trabalhar, a feira não pode fechar” ou “A Feira Popular continua aberta ao público até o nosso futuro estar salvaguardado”. A lona da atracção, as cores verde e branco a desmaiar, está rasgada e esvoaça.
Batido pela luz de fim de tarde, o destroço em que deixaram transformar aquela que era a única feira de diversões de Lisboa, lembra um filme de Wim Wenders. Lurdes Pimenta, proprietária do Restaurante “Monte Serves”, está sentada, sózinha, debaixo da trepadeira que em tempos abrigou dezenas de clientes: “Daqui só me tiram morta. Viva, só com as condições que o Santana Lopes nos prometeu”.
Lurdes ainda serve almoços aos clientes antigos que se habituaram a frequentar o espaço. São cada vez menos. “Como é que se vive com meia dúzia de almoços? Andamos a gastar o que temos e o que não temos. Eu, que nunca devi nada nem ao Estado nem à Fundação “O Século”... É um desespero muito grande estar aqui práticamente sem fazer nada, a olhar para o ar. Vem o dia, vem a noite, é muito triste”.
José Figueira Marques, presidente da Associação de Feirantes, sabe bem como pensam e o que quer a maioria dos saturados e desiludidos feirantes: “A maioria das pessoas está interessada em deixar esta actividade. Estão cansadas de esperar há quase dois anos pela indemnização. Enquanto a feira esteve aberta, as pessoas íam fazendo o seu dia a dia, agora...”
A Câmara Municipal de Lisboa ainda adiantou cerca de três milhões e 500 mil euros para que os feirantes pudessem fazer face às dificuldades. “O que é esse valor para 150 famílias?”, pergunta o presidente da associação.
“Pensava que o Santana Lopes fosse mais humano. Veio aqui, conversou connosco, disse que nos ía indemnizar, disse que ía criar uma nova feira...acreditámos na palavra dele. Afinal, deixámos fechar a feira e ficámos aqui isolados. Isto assim não é vida”, desabafa Lurdes Pimenta.
1 Comments:
At 11:42 da manhã, NUNO FERREIRA said…
Sim sim, o texto foi publicado na imprensa, só lhe cortei umas coisitas. Volta sempre.
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