estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2005-12-22

Neve na cidade

Dezenas de pessoas, muitas das quais casais, mães com crianças e jovens espelhavam ontem desalento, cabeças viradas para o topo do edifício do Banco Espírito Santo, no Marquês de Pombal. “Oh que tristeza...”, desabafava uma mulher com a filha pela mão. Depois, virando-se para a criança: “Olha Inês, já não há neve, eles venderam a pele do urso antes do urso estar cá fora...”
Muitas pessoas esperavam pelo lançamento anunciado de neve artificial prometido pelo BES e não queriam acreditar. “Fui buscar o meu filho ao jardim infantil e vim para aqui. Estava tão entusiasmada com isto...neve no Marquês do Pombal. Achava esta ideia uma ideia de génio, genial”, dizia outra mãe, desolada e que procurava desesperadamente uma informação.
Outra mulher ouvira na rádio e esperava ansiosamente pela queda da neve. Expliquei-lhe que não ía haver neve nenhuma. “A sério? E eu aqui à espera...bom, vou ter de ir à Serra da Estrela. Paciência...” Um homem vestido de fato de treino e mãos nos bolsos garantia que a neve cairia às 19h00. Só acreditou quando viu que as outras pessoas debandavam.
“Pediram a licença à câmara hoje e portanto não vai haver nada”, explicava um polícia de trânsito a um grupo de pessoas que queria uma explicação. “Vieram aí uns gajos tirar amostras e dizem que aquilo é prejudicial à saúde”, comentava um vendedor de castanhas, “o BES vai dar a volta a isso...”
As funcionárias de uma loja que vende casacos de pele estavam desoladas. “A gente até já tinha dito à nossa patroa que vinhamos para aqui vender casacos para a neve. É triste...”, comentava uma. As empregadas do estabelecimento vizinho tinham assistido no dia anterior a um teste e tinham gostado muito: “Foi muito bonito, muito giro. Eram uns bocados de espuma a saír ali daquelas janelinhas. Aquilo não tem perigo nenhum, é uma água que não faz mal nenhum. Era muito engraçado”.
No local, a princípio, chegou a estar montado um palco, com colunas de som, que foram sendo desmontadas à medida que se aproximavam as 18h00. “Por razões técnicas não vamos poder lançar a neve hoje”, explicava Paulo Padrão, director de comunicação do BES. “Amanhã comunicaremos quando teremos a neve. Autorização? A Câmara pediu-nos informação e essa foi prestada. Não vou dizer mais nada”.
Paulo Padrão disse também que a neve carbónica não atrapalhará transeuntes nem automobilistas. “Isto já foi feito no Chiado e em Setúbal. A neve vai incidir sobre a tela que cobre o edifício e quando chega ao solo está completamente desfeita. Como está vento, o vento dilui tudo. Não põe em causa a condução dos automobolistas”, explicou.
Em frente ao edifício, grande parte dele coberto pelo telão onde se lia “Feliz Natal e um Excelente 2006” mantinham-se duas viaturas da Polícia Municipal. Na rotunda, o trânsito era a imparável correria de todos os dias. No local, já depois da retirada do palco e das colunas para dentro de uma camioneta de carga e após um funcionar enrolar os cabos do gerador, mantiveram-se funcionárias do BES repetindo à exaustão a frase “foi por motivos técnicos...”