estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2006-12-09

S.OS. SÃO JOÃO DA CAPARICA

SOS CAPARICA

360
"O Instituto da Água está atento e tem projectos para no futuro atacar o problema", disse ontem a Governadora Civil de Setúbal ao Jornal da Noite da SIC, acerca de uma destruição dunar que começou em 2001

A DUNA ENTRE O INATEL E O BAR BÚZIO, NA PRAIA DE SÃO JOÃO DA CAPARICA, JÁ FOI ENGOLIDA EM 30 METROS. AMANHÃ O BAR BÚZIO PODE JÁ NÃO EXISTIR E O BAR PÉ NÚ PODE ESTAR SÉRIAMENTE AMEAÇADO.
SERÁ QUE NÃO PERCEBEM QUE A DUNA PRECISA URGENTEMENTE DE AREIA E PEDRA?QUEREM QUE OS MORADORES SE JUNTEM, FRETEM UNS CAMIÕES E DESPEJEM ALI A PEDRA QUE PODIAM TER COLOCADO NA PRIMAVERA COMO O PRESIDENTE DA JUNTA SUGERIU? PRECISAMOS DE AREIA E PEDRAS E NÃO DE PALAVRAS.
Estamos fartos de assistir, desde o terrível inverno de 2001, que destruiu todos os bares, a palavras de conforto e promessas vãs. Neste momento, o que resta das dunas está a abrir, fruto da incompetência e desleixo dos homens. À hora a que escrevo, cerca de 17h00 de sábado, passaram cerca de 48 horas desde que o presidente da Junta de Freguesia da Costa da Caparica, António Neves, alertou para a chegada em breve de ondas de seis metros.
A Governadora Civil de Setúbal apressou-se a explicar, nessa mesma quinta-feira, que não existiam meios técnicos para intervir. Os meios técnicos não interviram. Interviu o mar, o vento e a chuva, que na madrugada de sexta-feira me abriram a porta da sala, aqui em Santo António da Caparica e fustigaram violentamente as árvores da avenida. Por essa altura, ouvi o bruáá do mar e pensei: "Já está, não há meios técnicos, já está..."
Ao fim da manhã de sexta-feira, perguntei, receoso, a duas vizinhas que costumam passear os cães na Praia de São João: Como é que está a praia? "Uh, está tudo esburacado..." Acorri ao local, a tal Praia do INATEL agora enxameada de televisões a fazerem directos com os protagonistas locais do costume, que explicam que está em tudo em alerta.
Às 13h30, 14h00 de sexta-feira, cheguei à entrada da Praia, junto ao INATEL, como sempre faço, virei à esquerda e tive de parar. Um abismo de quatro metros separava agora o caminho do areal da praia lá embaixo. O acesso, o meu acesso diário à já causticada Praia de São João desaparecera. Comentei com algumas funcionárias do INATEL que aquilo era um perigo e que precisava de ser vedado. "Os curiosos é que têm de não vir para aqui..." Fui reduzido ao papel de curioso. Protecção Civil? Governadora Civil? Tudo o que vi foi um buracão enorme a ameaçar os bares Búzio e os bares Pé Nú, a escavar lentamente a duna e uma carrinha da RTP a escapulir-se do local.
As televisões descobriram, entretanto, que tinham mais uma novela trágica para as bandas da Caparica. Instalaram então o seu quartel-general à entrada da praia, junto ao INATEL, onde estacionam as carrinhas e onde os convidados do costume explicam que a protecção civil está a controlar a situação. Aliás, a governadora civil não se cansa de dizer que está em alerta permanente em conjunto com a protecção civil mas que ninguém poderá actuar enquanto a ruptura da duna não se der.
Estão à espera de quê para pegar em pedra e despejá-la em protecção do que tem de ser protegido? Não acham que cinco anos a ver as dunas a desaparecer já é tempo a mais? ALGUÉM FAÇA ALGUMA COISA.


TEXTO DE JOÃO PEDRO VIEIRA PUBLICADO NO DIÁRIO DE NOTÍCIAS EM MARÇO DESTE ANO:

Na memória ainda está bem presente a invasão do mar que destruiu grande parte dos bares das praias de São João de Caparica em Fevereiro de 2001. Cinco anos depois, e já deslocadas para longe da água todas as instalações, as marés das últimas semanas voltaram a engolir as dunas e deixaram um rasto negro depois de sugado o areal.
Apesar de afirmarem não serem técnicos, os concessionários dos bares da zona referiram, em conferência de imprensa que decorreu ontem no Kontiki Bar, que "algo está mal". E prometem não cruzar os braços para que a situação da praia se resolva."Fizeram-se os pontões aqui na Costa da Caparica há quarenta anos. Agora, decidiram reforçá- -los nos mesmos sítios, como se durante este tempo todo nada tivesse mudado", queixa-se Luís Mariano Vítor, proprietário da Praia do Sol.
As obras de fortalecimento da orla costeira da Costa de Caparica continuam, mas deixam muitas dúvidas em quem diariamente observa o avanço das marés: "As praias das pontas são as mais danificadas e o mar começou a cavar as dunas mesmo depois dos pontões serem reforçados", reconhece o proprietário do Kontiki Bar, Vítor Cerqueira, para realçar que "não foi a praia que encolheu, mas sim a duna que acabou engolida pelo mar".
Num Inverno "que nem sequer foi muito rigoroso", o resultado é pior do que se poderia supor e os concessionários dos estabelecimentos das praias temem já as marés da próxima semana que se adivinham fortes. A área mais afectada pelas últimas correntes é a que se encontra junto às obras dos pontões do lado do percurso pedonal da Costa de Caparica e é a prova de que os recentes investimentos no reforço da costa "não estão a correr bem".
Sem "grandes conhecimentos de engenharia", Vítor Cerqueira queixa-se do desconhecimento da população local e da impotência das autoridades, mas arrisca soluções: "Para a praia crescer era preciso estender o pontão do lado da Trafaria porque ajudava a travar o mar."
Em vez de rocha, os donos dos bares Kontiki, Pé Nu, Praia do Sol, Bicho d'Água e Palmeiras querem mais areia, depois de um carregamento efectuado há somente dois anos. Numa das paredes do bar Kontiki, uma fotografia não muito antiga, de 1997, recorda o tempo em que as praias de São João tinham um longo areal. Parece uma realidade muito antiga, mas não, passaram apenas 9 anos. Hoje, o cenário é muito diferente e leva Vítor Cerqueira a lançar um desabafo: "Falam tanto de turismo, mas no fundo parece que querem que as praias da região de Lisboa desapareçam de vez."