Boa vida em Araçagy
Já estavamos há demasiados dias a comer camarão à noite no restaurante o "Mirante" sob o bafo morno dos trópicos, o mar preguiçoso lambendo o areal lá em baixo. Araçagy, a 35 quilómetros de São Luís do Maranhão, é, em Agosto, um daqueles lugares perdidos entre palmeiras, coqueiros e um areal sem fim onde não apetece fazer nada. Não há internet, só vemos televisão se quisermos, as revoadas de forasteiros debandaram em Julho (o mês de "temporada de Verão" no norte do Brasil) e há barracas de praia para todos os gostos. Com o pormenor delicioso de podermos e de certo modo termos mesmo de entrar no extenso areal de carro e escolher a barraca de carro. Mal vê uma viatura, o pessoal das barracas levanta-se do torpor em que parece adormecer o dia inteiro e acena com um pano, fazendo sinal para que estacionemos logo ali. O logo ali é normalmente uma espécie de avançado já feito e calculado para que, à medida que a maré vai descendo, as pessoas cheguem com as viaturas e estacionem perto do mar, com direito a mesas, cadeiras e espreguiçadeira. Outro pormenor delicioso em Araçagy é chamarem-me invariavelmente de "meu patrão" ou "patrãozinho". Toda a vida fui assalariado mas sempre sonhei, um dia, em ser patrão nem que fosse de um pequeno bar country & Western ou de uma pousada na praia chamada "Só Alegria". Qualquer coisa assim.
De modo que sempre que o empregado chegava para limpar a água das últimas chuvas- no Maranhão chove um bocado- ou simplesmente para desempoeirar as cadeiras e dizer o habitual "fica à vontade. Alguma coisa p'ra beber?", a minha auto-estima aumentava.
Só uma vez, um domingo em que Araçagy estava invulgarmente invadida por "farofeiros" (banhistas de domingo semelhantes aos da Caparica mas com idiosincrassias locais próprias), um moço de uma barraca me tratou por "meu anjo". Como na espreguiçadeira ao lado estava deitado um dos meus filhos, tentei convencê-lo de que aquele "meu anjo" era para ele. "Não foi nada, ele chamou-te de "meu anjo" e perguntou "meu anjo, que é que cê quer?" No dia seguinte mudei de barraca e continuei a curtir Araçagy, a comer "anchova grelhada", a abrigar-me da chuva sempre que caía mais um daqueles baldes de chuvada tropical e a regressar para dentro da água do mar morna onde ficávamos a conversar horas a fio. Araçagy está lá, 35 quilómetros a leste de São Luís, sem ninguém, só p'ra você...
De modo que sempre que o empregado chegava para limpar a água das últimas chuvas- no Maranhão chove um bocado- ou simplesmente para desempoeirar as cadeiras e dizer o habitual "fica à vontade. Alguma coisa p'ra beber?", a minha auto-estima aumentava.
Só uma vez, um domingo em que Araçagy estava invulgarmente invadida por "farofeiros" (banhistas de domingo semelhantes aos da Caparica mas com idiosincrassias locais próprias), um moço de uma barraca me tratou por "meu anjo". Como na espreguiçadeira ao lado estava deitado um dos meus filhos, tentei convencê-lo de que aquele "meu anjo" era para ele. "Não foi nada, ele chamou-te de "meu anjo" e perguntou "meu anjo, que é que cê quer?" No dia seguinte mudei de barraca e continuei a curtir Araçagy, a comer "anchova grelhada", a abrigar-me da chuva sempre que caía mais um daqueles baldes de chuvada tropical e a regressar para dentro da água do mar morna onde ficávamos a conversar horas a fio. Araçagy está lá, 35 quilómetros a leste de São Luís, sem ninguém, só p'ra você...
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