estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2005-02-14

A empregada da limpeza

A empregada da limpeza africana estava a limpar muito discretamente as secretárias da redacção e sorria timidamente. Até que, de tanto ouvir falar na Quinta do Mocho, saíu do seu mundo e saltou para o nosso, ganhando coragem para falar. "Deus me livre, vivi lá quatro anos e tive de saír de lá. Os jovens estão muito agressivos, não há polícia, os taxistas não querem lá ir. Agora eu vivo na Póvoa de Santa Iria, não tem comparação, é um sossego. Na Quinta do Mocho eu tinha medo". Falava baixinho, respeitosamente, como que dizendo "perdoe-me o senhor jornalista..." Saíu da sua bolha, do silêncio de mulher da limpeza e falou com o lado de cá. Fico-lhe muito agradecido. Por saltar o muro e falar comigo.