Medo de voar
Houve um tempo em que pura e simplesmente tinha pavor de andar de avião, o que me impedia de ver com bons olhos o que quer que de interessante se passasse à minha frente nos aeroportos ou dentro do avião. As aerogares eram para mim lugares inóspitos e frios cheias de gente angustiada e nervosa sempre que esperava por um voo e tornavam-se em maravilhosas casas-abrigo sempre que aterrava.
Como toda a gente, a minha visão da realidade mudou com o tempo e com as horas de voo. Passei a coleccionar bares de aeroporto, a observar com minúncia as hordas de passageiros em trânsito e comparo a qualidade do catering das companhias com a minúncia de um maitre de hotel.
Se há um território magnífico para testar a nossa capacidade de paciência e resistência a todas as possíveis agruras e angústias de andar de avião, esse é o arquipélago dos Açores. Uma vez vinhamos a levantar voo da Base das Lajes, na Ilha Terceira, num pequeno avião a hélice, quando o meu companheiro de avião, depois de olhar demoradamente pela janela, comentou: “é pá, esta hélice deste lado não está nada bem. Ouve, ouve, não sentes que a pá está a rodar mais devagar que a outra?”
Outra vez, cerca de uma hora depois de saírmos de Ponta Delgada, estavam as hospedeiras a distribuir os tabuleiros do jantar quando o avião começou a estremecer como se com um ataque de epilepsia e pareceu querer caír no vácuo perante os olhares vítreos de passageiros esbranquiçados de medo.
Nos Açores, nem precisamos de reviver as nossas proprias experiências. Há sempre um ilhéu desconhecido pronto a contar-nos as desventuras de ir às Flores e voltar para trás porque o vento atravessava a pista ou daquela vez em que tentou poisar em São Jorge, o avião fugiu para a relva e voltou a levantar voo com toda a gente aos gritos: “Vamos embora, vamos embora daqui!” No avião, consta, seguia Mota Amaral.
Outro passatempo preferido dos ilhéus, sobretudo nas ilhas mais pequenas, onde os aviões aterram duas vezes por semana, é olhar para a pista desoladoramente vazia, abanar a cabeça e dizer: “oh, não me parece que o avião venha amanhã. Acho que ainda não é amanhã que você vai saír daqui”. Nessa altura, já o forasteiro desesperado pergunta como e porquê o açoriano consegue ter tanta certeza do cancelamento do voo. “Tá vendo aquele vento cruzado? Tá vendo a manga a voar? Ê senhô, ninguém aterra com vento tão ruim...”
Ninguém consegue, no entanto, bater os voos da SATA (as linhas aéreas açorianas) em aconchego e intimidade. Passei grande parte de um voo entre a Ilha do Corvo e o Faial a observar, juntamente com uma criança que não parava quieta no assento, o radar no painel dos instrumentos. Depois, como separação entre a cabine e o cockpit é coisa que não existe no pequeno Dornier, divertimo-nos a assistir pelo vidro da frente do avião a aproximação ao Faial.
Uma vez que viajei para a Terceira, até tive a possibilidade de assistir a animação a bordo com acordeonista e turistas idosos estilo Inatel a dançar o vira a alta altitude. Convenhamos: não há nada como uma boa chegada aos Açores: "Senhores passageiros, como vamos atravessar alguma turbulência na aproximação à ilha, pedimo-vos que se mantenham sentados e de cinto apertado”.
Último susto: Fevereiro de 2002, aproximação às Lajes, na Ilha Terceira. O avião contorna lentamente a pista envolta em neblina, sempre pelo mar, a asa esquerda a querer tocar as águas azul escuro do mar. Vira à esquerda, coloca-se na posição de aterragem pelo lado norte da enorme e larga pista das Lajes. Desligam as luzes para a aterragem. O avião vai aterrar e…ahhh, caímos como numa diversão da Feira Popular, as crianças de uma equipa do Sporting gritam todas ao mesmo tempo, saltamos no assento, merda, foi um poço de ar mesmo na altura em que nos fazíamos à pista. Comentário lento e pousado do meu filho mais novo, momentos mais tarde: “Pensei que fossemos morrer”.
Como toda a gente, a minha visão da realidade mudou com o tempo e com as horas de voo. Passei a coleccionar bares de aeroporto, a observar com minúncia as hordas de passageiros em trânsito e comparo a qualidade do catering das companhias com a minúncia de um maitre de hotel.
Se há um território magnífico para testar a nossa capacidade de paciência e resistência a todas as possíveis agruras e angústias de andar de avião, esse é o arquipélago dos Açores. Uma vez vinhamos a levantar voo da Base das Lajes, na Ilha Terceira, num pequeno avião a hélice, quando o meu companheiro de avião, depois de olhar demoradamente pela janela, comentou: “é pá, esta hélice deste lado não está nada bem. Ouve, ouve, não sentes que a pá está a rodar mais devagar que a outra?”
Outra vez, cerca de uma hora depois de saírmos de Ponta Delgada, estavam as hospedeiras a distribuir os tabuleiros do jantar quando o avião começou a estremecer como se com um ataque de epilepsia e pareceu querer caír no vácuo perante os olhares vítreos de passageiros esbranquiçados de medo.
Nos Açores, nem precisamos de reviver as nossas proprias experiências. Há sempre um ilhéu desconhecido pronto a contar-nos as desventuras de ir às Flores e voltar para trás porque o vento atravessava a pista ou daquela vez em que tentou poisar em São Jorge, o avião fugiu para a relva e voltou a levantar voo com toda a gente aos gritos: “Vamos embora, vamos embora daqui!” No avião, consta, seguia Mota Amaral.
Outro passatempo preferido dos ilhéus, sobretudo nas ilhas mais pequenas, onde os aviões aterram duas vezes por semana, é olhar para a pista desoladoramente vazia, abanar a cabeça e dizer: “oh, não me parece que o avião venha amanhã. Acho que ainda não é amanhã que você vai saír daqui”. Nessa altura, já o forasteiro desesperado pergunta como e porquê o açoriano consegue ter tanta certeza do cancelamento do voo. “Tá vendo aquele vento cruzado? Tá vendo a manga a voar? Ê senhô, ninguém aterra com vento tão ruim...”
Ninguém consegue, no entanto, bater os voos da SATA (as linhas aéreas açorianas) em aconchego e intimidade. Passei grande parte de um voo entre a Ilha do Corvo e o Faial a observar, juntamente com uma criança que não parava quieta no assento, o radar no painel dos instrumentos. Depois, como separação entre a cabine e o cockpit é coisa que não existe no pequeno Dornier, divertimo-nos a assistir pelo vidro da frente do avião a aproximação ao Faial.
Uma vez que viajei para a Terceira, até tive a possibilidade de assistir a animação a bordo com acordeonista e turistas idosos estilo Inatel a dançar o vira a alta altitude. Convenhamos: não há nada como uma boa chegada aos Açores: "Senhores passageiros, como vamos atravessar alguma turbulência na aproximação à ilha, pedimo-vos que se mantenham sentados e de cinto apertado”.
Último susto: Fevereiro de 2002, aproximação às Lajes, na Ilha Terceira. O avião contorna lentamente a pista envolta em neblina, sempre pelo mar, a asa esquerda a querer tocar as águas azul escuro do mar. Vira à esquerda, coloca-se na posição de aterragem pelo lado norte da enorme e larga pista das Lajes. Desligam as luzes para a aterragem. O avião vai aterrar e…ahhh, caímos como numa diversão da Feira Popular, as crianças de uma equipa do Sporting gritam todas ao mesmo tempo, saltamos no assento, merda, foi um poço de ar mesmo na altura em que nos fazíamos à pista. Comentário lento e pousado do meu filho mais novo, momentos mais tarde: “Pensei que fossemos morrer”.
1 Comments:
At 12:03 da manhã, Agnelo Figueiredo said…
Eu penso SEMPRE que vou morrer quando entro num avião.
Pavor paroxístico. Uma das minhas fraquezas.
Azurara
Enviar um comentário
<< Home