Entrevista a editor dinamarquês
"Há muito tempo que esta é uma crise potencial"
Os dinamarqueses receberam com a crise dos cartoons uma lição sobre globalização: aquilo que se publica num jornal de um pequeno país, que poucos dos envolvidos na violência conseguirão localizar no mapa, pode ter repercussões mundiais.
Claus Clausen é responsável pela editora dinamarquesa Tiderne Skifter ("Os tempos estão a mudar"), que tem publicado vários livros sobre questões culturais que dividem a Dinamarca, ou problemas de integração no país. O diário Jyllands-Posten agiu como um jornal escolar ao publicar os cartoons de Maomé, disse Clausen numa entrevista telefónica , a partir de Copenhaga.
Pergunta - Qual foi a sua primeira reacção à publicação dos cartoons?
CLAUS CLAUSEN - Foi uma ofensa estúpida e desnecessária aos sentimentos religiosos de outras pessoas, mas foi também uma forma de liberdade de expressão.
Apercebeu-se logo que teria este efeito gigantesco?
Não, claro que não. Foi publicado num jornal, temos muitos jornais aqui. Foi um acontecimento político odioso. Mas é algo que há muito faz parte da agenda de certos políticos dinamarqueses, com um discurso muito radical contra o islamismo. Faz parte de um clima, mas não é uma opinião do público dinamarquês, ou dos políticos dinamarqueses em geral. Temos a liberdade de expressão e a única forma de reagir a isto é explicar no debate que está a haver por que é que isto foi feito: foi uma acção estúpida, da qual nos devemos distanciar.
Havia já um ambiente tenso?
Tenso, sim, por causa do clima de direita populista que existe actualmente e que é uma espécie de resultado de anos de falhanços da política de integração dinamarquesa.
Quais são os sinais desse falhanço?
Uma dura lei de imigração, com limitações muito fortes. Há uma espécie de exigência para que se aprenda dinamarquês, quase antes de chegar ao país, ou que se aprenda muito rapidamente depois de se chegar. Há todas estas leis que tornam muito, muito difícil a vinda de outras minorias étnicas.
Diria que há racismo?
Racismo é a palavra errada. Não é uma questão de qual o aspecto que se tem, mas de onde se vem. Uma espécie de culturalismo, nacionalismo, de realçar os valores dinamarqueses, etc. É uma espécie de xenofobia, medo dos estrangeiros, medo que nos tirem o emprego. Uma coisa muito irracional.
Acha que há aqui um choque de culturas?
Não. Vejo-o como um choque entre uma consciência moderna e países onde a religião ainda faz parte da política. Aqui temos um regime secular, não há ligação entre a religião e a política, como nos países onde isto está a criar manifestações de revolta e fúria, onde a secularização não ocorreu. Não acredito num choque de civilizações. Acredito que há aqui diferentes civilizações, sem choque.
O secularismo precisa de ser revisto? Os muçulmanos não o sentem como uma forma de intolerância?
Tem de haver mais cautela na forma como lidamos com os muçulmanos que vivem nas nossas sociedades. Nós não temos apenas a liberdade de expressão, também temos a liberdade de religião, e temos de encontrar uma forma de lidar com este equilíbrio entre política e religião de uma maneira muito mais correcta. Talvez também seja preciso perceber do trata o discurso de ódio que está a ter lugar em todo o mundo ocidental.
Por que é que as vozes dos muçulmanos mais moderados não estão a ser ouvidas?
Os moderados começaram agora a falar. E tem a ver com outra coisa: se os media querem uma opinião muçulmana sobre algum assunto, levam sempre os microfones aos imãs, aos líderes religiosos, muitos deles com um pensamento muito fundamentalista. Vão ter com os muçulmanos e apenas perguntam como se sentem como muçulmanos na Dinamarca, e nunca a sua opinião sobre outros problemas. Não querem encarar estas pessoas que chegam com crenças islâmicas como dinamarqueses, apenas como sendo muçulmanos. Os media dinamarqueses têm uma enorme responsabilidade por irem sempre ter com os que são muito religiosos e que se vêem como pregadores profissionais. Os muçulmanos moderados não são ouvidos por não terem uma organização, uma rede".
Entrevista de Francisca Gorjão Henriques no Público de hoje
Os dinamarqueses receberam com a crise dos cartoons uma lição sobre globalização: aquilo que se publica num jornal de um pequeno país, que poucos dos envolvidos na violência conseguirão localizar no mapa, pode ter repercussões mundiais.
Claus Clausen é responsável pela editora dinamarquesa Tiderne Skifter ("Os tempos estão a mudar"), que tem publicado vários livros sobre questões culturais que dividem a Dinamarca, ou problemas de integração no país. O diário Jyllands-Posten agiu como um jornal escolar ao publicar os cartoons de Maomé, disse Clausen numa entrevista telefónica , a partir de Copenhaga.
Pergunta - Qual foi a sua primeira reacção à publicação dos cartoons?
CLAUS CLAUSEN - Foi uma ofensa estúpida e desnecessária aos sentimentos religiosos de outras pessoas, mas foi também uma forma de liberdade de expressão.
Apercebeu-se logo que teria este efeito gigantesco?
Não, claro que não. Foi publicado num jornal, temos muitos jornais aqui. Foi um acontecimento político odioso. Mas é algo que há muito faz parte da agenda de certos políticos dinamarqueses, com um discurso muito radical contra o islamismo. Faz parte de um clima, mas não é uma opinião do público dinamarquês, ou dos políticos dinamarqueses em geral. Temos a liberdade de expressão e a única forma de reagir a isto é explicar no debate que está a haver por que é que isto foi feito: foi uma acção estúpida, da qual nos devemos distanciar.
Havia já um ambiente tenso?
Tenso, sim, por causa do clima de direita populista que existe actualmente e que é uma espécie de resultado de anos de falhanços da política de integração dinamarquesa.
Quais são os sinais desse falhanço?
Uma dura lei de imigração, com limitações muito fortes. Há uma espécie de exigência para que se aprenda dinamarquês, quase antes de chegar ao país, ou que se aprenda muito rapidamente depois de se chegar. Há todas estas leis que tornam muito, muito difícil a vinda de outras minorias étnicas.
Diria que há racismo?
Racismo é a palavra errada. Não é uma questão de qual o aspecto que se tem, mas de onde se vem. Uma espécie de culturalismo, nacionalismo, de realçar os valores dinamarqueses, etc. É uma espécie de xenofobia, medo dos estrangeiros, medo que nos tirem o emprego. Uma coisa muito irracional.
Acha que há aqui um choque de culturas?
Não. Vejo-o como um choque entre uma consciência moderna e países onde a religião ainda faz parte da política. Aqui temos um regime secular, não há ligação entre a religião e a política, como nos países onde isto está a criar manifestações de revolta e fúria, onde a secularização não ocorreu. Não acredito num choque de civilizações. Acredito que há aqui diferentes civilizações, sem choque.
O secularismo precisa de ser revisto? Os muçulmanos não o sentem como uma forma de intolerância?
Tem de haver mais cautela na forma como lidamos com os muçulmanos que vivem nas nossas sociedades. Nós não temos apenas a liberdade de expressão, também temos a liberdade de religião, e temos de encontrar uma forma de lidar com este equilíbrio entre política e religião de uma maneira muito mais correcta. Talvez também seja preciso perceber do trata o discurso de ódio que está a ter lugar em todo o mundo ocidental.
Por que é que as vozes dos muçulmanos mais moderados não estão a ser ouvidas?
Os moderados começaram agora a falar. E tem a ver com outra coisa: se os media querem uma opinião muçulmana sobre algum assunto, levam sempre os microfones aos imãs, aos líderes religiosos, muitos deles com um pensamento muito fundamentalista. Vão ter com os muçulmanos e apenas perguntam como se sentem como muçulmanos na Dinamarca, e nunca a sua opinião sobre outros problemas. Não querem encarar estas pessoas que chegam com crenças islâmicas como dinamarqueses, apenas como sendo muçulmanos. Os media dinamarqueses têm uma enorme responsabilidade por irem sempre ter com os que são muito religiosos e que se vêem como pregadores profissionais. Os muçulmanos moderados não são ouvidos por não terem uma organização, uma rede".
Entrevista de Francisca Gorjão Henriques no Público de hoje
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