estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2004-05-04

Memórias da Zambujeira I

Bem perto do meu igloo, ouço uma rapariga chorar, um choro nasalado, como se estivesse constipada. “Miguel, tá, eu estava a tripar, Miguel, és o meu único amigo”. Damos uma volta no colchão tentando desesperadamente dormir. “Miguel, preciso de uma coca-cola, eu hoje ainda não bebi uma coca-cola, eu vivo bem com um litro e meio de coca-cola por dia...” Miguel, quem quer que seja, fala baixinho e tenta acalmá-la:“Ouve, tenta esquecer...” A voz da rapariga volta a soar chorosa: “Miguel, vais ter que me deixar dormir na tua tenda...” Miguel pergunta: “E o Ricardo?” Responde a rapariga: “Ouve, esquece, o Ricardo está na nossa tenda com outra chavala. Eu acho que ele já não gosta de mim, estás a ver. Ouve Miguel, arranja-me uma coca-cola. Se eu beber uma coca-cola, fico melhor...”