estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2004-04-29

COUNTRY TO THE BONE

Nunca vi uma cidade que lidasse tão eficazmente com os seus fantasmas como Nashville. Elvis, que em jovem subiu ao palco do Grand Ole Opry para se ver humilhantemente assobiado por uma plateia de fanáticos da country, deixou por lá um enorme e branquíssimo Cadillac 75 de 1960 que levanta a capota e deixa ver junto ao banco de trás, um televisor, um rádio, um gira-discos, um telefone e um bar revestidos a ouro. Mas tem mais. Quem tiver a curiosidade de olhar para cima, pode ver seis discos de ouro colados ao interior da capota. Mas Elvis não é o único fantasma a ser exorcizado daquela maneira. O Cadillac azul que transportava Hank Williams quando este faleceu, numa tenebrosa noite de fim de ano de 1952, está em exposição um pouco mais abaixo, no Museu do artista. Os turistas e incondicionais do honky-tonker podem passar por lá e imaginar um Hank Williams completamente alcoolizado a agonizar no banco de trás.
Felizmente que o Piper Comanche que se despenhou com Patsi Cline dentro no dia 3 de Março de 1963 ficou feito em pedaços porque senão estaria agora, muito provavelmente a servir de atracção turística num macabro Museu Patsi Cline. Mesmo assim, alguém conseguiu recuperar um relógio que ficou parado precisamente à hora do acidente e que hoje está em exibição no Country Music Hall OF Fame.
Mas em Nashville, há também as lendas imortalizadas naquelas horríveis placas de bronze da Country Music Hall of Fame e há as outras, as lendas vivas. Dolly Parton, a lenda viva. Willie Nelson, a lenda viva. Outros, deixam-se imortalizar em cadeias de restaurantes, como Kenny Rogers, ou em lojas de souvenirs como Randy Travis ou de discos como Ernest Tubb. Quando Dolly Parton morrer, lá ficará para a posteridade o seu parque de diversões Dollyland, como aconteceu com Conway Twitty. Faleceu? Para os seus fãs mais dedicados, Conway estará para sempre presente algures entre o mobiliário kitsch da Twitty City. Nashville lida com os seus mortos com a mesma voracidade comercial com que gere as carreiras dos vivos.