estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2004-06-26

A incrível noite de quinta-feira

A rua, de repente, parecia um estádio e aquele bruá arrasador vindo, primeiro de dentro das casas e só depois das varandas, foi qualquer coisa de arrepiante. De onde saíu este povo? São estes os mesmos portugueses que temos visto tristes e deprimidos resignar-se com a classe política-essa sim absolutamente deprimente-, com a economia, com a (in)justiça nacional? Bastou um guarda-redes defender um penalty com as mãos sem luvas e marcar outro com uma coragem desafiadora que nos falta a todos há muito. O resto foi aquele sopro sonoro, aquele bafo ruidoso vindo da rua, do asfalto, das varandas, das panelas, dos tachos. Já assistira ao mesmo num lotado Estádio da Luz mas nunca o vira assim, uma rua, ruas inteiras, bairros inteiros levantarem-se em euforia telúrica, uma onda colectiva de festejo irreprimível.
Quando à 1h30 da manhã fui a pé até à Praça de Espanha à procura de um táxi que me levasse à Caparica, tinha na retina e no cérebro colada a loucura daquela quente noite de Junho. Vi a Avenida da Liberdade cheia de gente pulando de alegria como há muito não via, ouvi o tam tam das mãos negras e brancas a batucar nos caixotes do lixo no Rossio. Estive lá. Eu e a minha bandeirinha portuguesa. É um privilégio. Vi o povo feliz e pulei de alegria juntamente com checos, suecos, franceses, gregos e...ingleses que depois das lágrimas, se juntaram à festa, consolados por raparigas de cabelo escuro que lhes perguntavam: "és inglês?"