estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2004-11-05

Jorge's Place

O senhor Jorge limpa umas chávenas, de costas para o balcão onde vive barricado grande parte do dia.
- Jorge, o que é que se passa com o Julinho?
- O Julinho, o que é que aconteceu desta vez com o Julinho?
- Vai ali com um sapato amarelo e outro castanho.
- Coitado do Julinho...
O Julinho usa uns óculos com umas grande e grossas dioptrias. De Verão, anda invariavelmente de fato-treino azul e panama na cabeça. Às vezes, carrega uma toalha ao ombro. No Inverno, o passo trôpego transforma-se em passo de tartaruga. Passa a vestir um casaco castanho quase até aos pés, que arrasta pela calçada portuguesa. Vive sózinho, de uma reforma na marinha, dizem.
Noutro dia, o Julinho entrou no Café do Senhor Jorge a meio do dia. O Senhor Jorge deu-lhe uns conselhos, como a toda a gente:
- Vá até ao centro, não beba, não durma de tarde senão depois não consegue dormir à noite...
O Julinho fez hum...hum...e lá desapareceu porta fora, a pequena tartaruga problemática.
E daquela vez que o Julinho passou à porta do Café do Senhor Jorge surpreendentemente vestido a rigor, fato e gravata, o cabelo penteado para trás, um sorriso nos lábios?
- Faz-lhe bem, fá-lo sentir-se bem, comentou o Andrade, dono da mercearia fronteira ao Café do Jorge, um braço na ponta do balcão e os olhos pespegados ao pouco movimento da Avenida do Mar
- Queres ver que foi desta que o Julinho arranjou uma viúva?