"SOMOS HUMANOS"
A próxima casa a ser demolida na Azinhaga dos Besouros, na Amadora, é a do senhor Cabral. “Somos humanos”, lê-se no muro branco da casa do senhor Cabral. Do lado esquerdo da parede grafitada, ergue-se um monte de tijolo partido, muito tijolo partido. Por detrás da casa do senhor Cabral, um bloco caótico de habitações clandestinas espera pela demolição. “Eles precisam de demolir a dele para abrir caminho para as outras”, explicam.
“Há dois dias que a máquina está a fazer limpeza. Ele diz que tem ordem para só fazer limpeza até ao fim de semana”, explica uma moradora, “ele diz que o camião para recolher o entulho ainda não chegou. Será que vai demolir no fim de semana?”
O som da máquina escavadora ecoa sobre o mundo parado de casario clandestino, fios eléctricos, ruelas semi-desfeitas e montes de tijolo quebrado que é hoje a Azinhaga dos Besouros.
Numa mesma ruela, existe uma casa habitada, a roupa dependurada, uma bicicleta e uma botija de gás na varanda, sinais de vida. Do outro lado, tudo o que resta é uma parede azul em cima e creme em baixo com restos de colagens na parede, fotos de recortes de revista. Há cimento suspenso e ferros retorcidos caíndo sobre um monte de tijolo quebrado onde pontificam uma cadeira, o que resta de uma mesinha de cabeceira, uma camisola, um gaurad-chuva desfeito.
Uma mulher pára em frente aos destroços: “Você é da câmara?”, pergunta. “Jornalista? Isso aí era a minha casa”. Chama-se Alda Furtado, é são-tomense e tem 31 anos. ‘Tava a trabalhar nas limpezas, na Gare do Oriente, cheguei aqui, ‘tava o homem da câmara a dizer: “Abra a porta para isto ir abaixo”.
Os moradores juntam-se em círculo no páteo da casa do senhor Cabral e falam dos que foram desalojados: “Deixaram na rua uma senhora com quatro filhos”, “uma senhora de 74 anos ficou na rua”, “mães com crianças ficaram na rua”, “uma senhora de São Tomé com uma filha de 12 anos que veio para cá em tratamento de asma através de uma junta médica, ficou sem casa”.
Outros estão em risco de seguir o mesmo caminho. “O meu marido é cego, eu sofro do coração”, diz Maria Domingos Nascimento, “somos seis pessoas, um filho está preso, outro trabalha. Como chegámos em 94 a câmara diz que não tem direito”.
A “avó” Justina Amade chegou à Azinhaga vinda de Angola com um filho que vive em Vialonga mas nasceu em Guadalupe, Ilha de São Tomé, em 1928. “Vivo aqui sózinha desde 1992 mas eu não sabia das coisas, dos papéis. Primeiro vivi numa casa da rua 4, depois a senhora quis que eu saísse. Eu disse: Onde vou ficar? Outra senhora viu-me e perguntou: A avó está a chorar? Para onde vai? Ela arranjou-me outra casa”.
Agora, a “avó” está em risco de ficar na rua. José Tavares Pereira também. Vive no bairro desde 92 mas estava a trabalhar no Algarve quando do PER. “E devia estar lá agora. Sempre trabalhei 15 dias lá e vinha a casa. Agora não saio daqui, já avisei o patrão, não posso saír...”
Maria do Socorro: “Não somos animais”
“Eu nasci aqui na Azinhaga mas na altura do PER estava em Cabo Verde, por isso não tive direito a realojamento. Vivia aqui com a minha madrinha mas fui a Cabo Verde à procura da minha mãe e da minha irmã. Tive cá os meus filhos”, conta Maria do Socorro.
“Eles puseram um papel na porta a dizer que a casa ía abaixo. Eu disse “eu não tenho para onde ir”. Eles deram mais uma semana. Depois, vieram dois dias antes. Cheguei do trabalho, já tinham partido uma parte da casa. Encontrei as minhas coisas todas no carro. As minhas coisas estão todas estragadas, metidas no armazém da câmara.
Eu estava nervosa, meteram-me numa ambulância. Eu disse que não precisava de ir para o hospital mas eles levaram-me na mesma, amarraram-me e levaram com um polícia. Lá no hospital, eu disse “eu ‘tou bem, ‘tou mais calma, não quero tomar nada. O médico disse que eu não precisava de calmante, o polícia me largou lá. Largaram-me no hospital. Cheguei cá, não encontrava a minha filha. Depois, uma senhora trouxe a minha filha. Ficámos aí na rua com a roupa que tinhamos no corpo. Agora, durmo um dia na casa de um, outro dia na casa de outro. Acho uma injustiça. Mesmo não estando inscritos no PER, não se faz assim, nós não somos animais e estamos a ser tratados como animais. Somos todos humanos, todos temos direito de viver. Vamos para onde, com esta crise? As assistentes sociais também já estão cansadas. Propõem eu alugar uma casa durante três meses, 200 euros. Eu trabalho das 6 às 9h00 nas limpezas, não ganho nem sequer 200 euros. Tenho de ter fiador. A Câmara devia arranjar um sítio para a gente viver dentro das nossas possibilidade. Faziam uma tenda, sei lá. Virar-nos as costas feitos animais é que não.
Vânia Gomes: “Quero um futuro”
Vânia, 20 anos, vivia em casa do pai. “Mas ele maltratava-me, fugi”, conta, aos repelões, entre risos. “Vim morar com a minha mãe no 7 D. Era um quarto, uma sala, cozinha e casa de banho. Vivíamos lá eu, a minha mãe, a minha irmã e o meu sobrinho. Só que o meu irmão fugiu também de casa do meu pai, estava farto de porrada. O 7 D ficou pequeno, não tinha condições. A minha mãe começou a beber, não havia condições. Fui com 14 anos para o Colégio de São Domingos de Benfica, depois estive em Coimbra no Colégio de Santo António dos Olivais e ‘pera aí, ainda estive mais uns meses em Viseu”.
Com 16 anos, o Instituto de Reinserção Social mandou-a de volta para casa do pai, em Chelas. “Fugi outra vez, era maltratada, fugi. Cheguei aqui, a minha mãe bebia muito e eu não queria depender de ninguém. Fui para o 16 C, morava lá com outras raparigas”.
Aos 17 anos, Vânia Gomes ficou grávida e foi mãe de um filho agora com três anos. “Arranjei trabalho há três anos, na limpeza, das 6h00 às 9h00. Agora, desde que tive o meu filho, estou a morar na casa de uma senhora. A casa vai abaixo. Fiz um pedido, negaram. Pedi ajuda à comissão de menores, não tenho direito. Propuseram o aluguer de uma casa por três meses. Não tenho possibilidades. Quero um futuro e não estão a ajudar, só estão a piorar”.
“Há dois dias que a máquina está a fazer limpeza. Ele diz que tem ordem para só fazer limpeza até ao fim de semana”, explica uma moradora, “ele diz que o camião para recolher o entulho ainda não chegou. Será que vai demolir no fim de semana?”
O som da máquina escavadora ecoa sobre o mundo parado de casario clandestino, fios eléctricos, ruelas semi-desfeitas e montes de tijolo quebrado que é hoje a Azinhaga dos Besouros.
Numa mesma ruela, existe uma casa habitada, a roupa dependurada, uma bicicleta e uma botija de gás na varanda, sinais de vida. Do outro lado, tudo o que resta é uma parede azul em cima e creme em baixo com restos de colagens na parede, fotos de recortes de revista. Há cimento suspenso e ferros retorcidos caíndo sobre um monte de tijolo quebrado onde pontificam uma cadeira, o que resta de uma mesinha de cabeceira, uma camisola, um gaurad-chuva desfeito.
Uma mulher pára em frente aos destroços: “Você é da câmara?”, pergunta. “Jornalista? Isso aí era a minha casa”. Chama-se Alda Furtado, é são-tomense e tem 31 anos. ‘Tava a trabalhar nas limpezas, na Gare do Oriente, cheguei aqui, ‘tava o homem da câmara a dizer: “Abra a porta para isto ir abaixo”.
Os moradores juntam-se em círculo no páteo da casa do senhor Cabral e falam dos que foram desalojados: “Deixaram na rua uma senhora com quatro filhos”, “uma senhora de 74 anos ficou na rua”, “mães com crianças ficaram na rua”, “uma senhora de São Tomé com uma filha de 12 anos que veio para cá em tratamento de asma através de uma junta médica, ficou sem casa”.
Outros estão em risco de seguir o mesmo caminho. “O meu marido é cego, eu sofro do coração”, diz Maria Domingos Nascimento, “somos seis pessoas, um filho está preso, outro trabalha. Como chegámos em 94 a câmara diz que não tem direito”.
A “avó” Justina Amade chegou à Azinhaga vinda de Angola com um filho que vive em Vialonga mas nasceu em Guadalupe, Ilha de São Tomé, em 1928. “Vivo aqui sózinha desde 1992 mas eu não sabia das coisas, dos papéis. Primeiro vivi numa casa da rua 4, depois a senhora quis que eu saísse. Eu disse: Onde vou ficar? Outra senhora viu-me e perguntou: A avó está a chorar? Para onde vai? Ela arranjou-me outra casa”.
Agora, a “avó” está em risco de ficar na rua. José Tavares Pereira também. Vive no bairro desde 92 mas estava a trabalhar no Algarve quando do PER. “E devia estar lá agora. Sempre trabalhei 15 dias lá e vinha a casa. Agora não saio daqui, já avisei o patrão, não posso saír...”
Maria do Socorro: “Não somos animais”
“Eu nasci aqui na Azinhaga mas na altura do PER estava em Cabo Verde, por isso não tive direito a realojamento. Vivia aqui com a minha madrinha mas fui a Cabo Verde à procura da minha mãe e da minha irmã. Tive cá os meus filhos”, conta Maria do Socorro.
“Eles puseram um papel na porta a dizer que a casa ía abaixo. Eu disse “eu não tenho para onde ir”. Eles deram mais uma semana. Depois, vieram dois dias antes. Cheguei do trabalho, já tinham partido uma parte da casa. Encontrei as minhas coisas todas no carro. As minhas coisas estão todas estragadas, metidas no armazém da câmara.
Eu estava nervosa, meteram-me numa ambulância. Eu disse que não precisava de ir para o hospital mas eles levaram-me na mesma, amarraram-me e levaram com um polícia. Lá no hospital, eu disse “eu ‘tou bem, ‘tou mais calma, não quero tomar nada. O médico disse que eu não precisava de calmante, o polícia me largou lá. Largaram-me no hospital. Cheguei cá, não encontrava a minha filha. Depois, uma senhora trouxe a minha filha. Ficámos aí na rua com a roupa que tinhamos no corpo. Agora, durmo um dia na casa de um, outro dia na casa de outro. Acho uma injustiça. Mesmo não estando inscritos no PER, não se faz assim, nós não somos animais e estamos a ser tratados como animais. Somos todos humanos, todos temos direito de viver. Vamos para onde, com esta crise? As assistentes sociais também já estão cansadas. Propõem eu alugar uma casa durante três meses, 200 euros. Eu trabalho das 6 às 9h00 nas limpezas, não ganho nem sequer 200 euros. Tenho de ter fiador. A Câmara devia arranjar um sítio para a gente viver dentro das nossas possibilidade. Faziam uma tenda, sei lá. Virar-nos as costas feitos animais é que não.
Vânia Gomes: “Quero um futuro”
Vânia, 20 anos, vivia em casa do pai. “Mas ele maltratava-me, fugi”, conta, aos repelões, entre risos. “Vim morar com a minha mãe no 7 D. Era um quarto, uma sala, cozinha e casa de banho. Vivíamos lá eu, a minha mãe, a minha irmã e o meu sobrinho. Só que o meu irmão fugiu também de casa do meu pai, estava farto de porrada. O 7 D ficou pequeno, não tinha condições. A minha mãe começou a beber, não havia condições. Fui com 14 anos para o Colégio de São Domingos de Benfica, depois estive em Coimbra no Colégio de Santo António dos Olivais e ‘pera aí, ainda estive mais uns meses em Viseu”.
Com 16 anos, o Instituto de Reinserção Social mandou-a de volta para casa do pai, em Chelas. “Fugi outra vez, era maltratada, fugi. Cheguei aqui, a minha mãe bebia muito e eu não queria depender de ninguém. Fui para o 16 C, morava lá com outras raparigas”.
Aos 17 anos, Vânia Gomes ficou grávida e foi mãe de um filho agora com três anos. “Arranjei trabalho há três anos, na limpeza, das 6h00 às 9h00. Agora, desde que tive o meu filho, estou a morar na casa de uma senhora. A casa vai abaixo. Fiz um pedido, negaram. Pedi ajuda à comissão de menores, não tenho direito. Propuseram o aluguer de uma casa por três meses. Não tenho possibilidades. Quero um futuro e não estão a ajudar, só estão a piorar”.
1 Comments:
At 8:20 da tarde, Simplesmente 20 =) said…
A sobrinha já não tem publicidade do tio, mas ainda tem o seu espaço e direito á sua opinião =) No http://marryzinha20.blogspot.com/
encontram um espelho em que todos os portugueses se deviam ver nem que fosse por um minuto... talvez para se rirem... talvez para se identificarem... ou talvez para se orgulharem de não serem assim. Os 3 lados da moeda... num blog perto de si =P
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