O PRETO (clicar aqui)
"O Preto"
Texto de Carlos Gil no Blog "Xicuembo"
"Naquela camada da população portuguesa que contesta (legitimamente!) a alcunha pejorativa de ‘retornado’, mas que lhe veste pele e consciência pelo repisar e re-repisar de rancores velhos de décadas, mastigando ódios a que dá nomes que invariavelmente não fogem aos de ‘comunas’, ‘o 25 de Abril’, ‘vendilhões’ e ‘traidores’, ‘Vasco Gonçalves’ e os militares, e aqueles de estimação que são ‘Mário Soares’, e ‘Almeida Santos’ e a ‘Frelimo’ – estes dois no caso dos portugueses que viveram em Moçambique, há um que fica esquecido e que é o grande culpado de a descolonização portuguesa ter corrido tão mal para todos eles. É o preto, esse grande esquecido quando os dedos tremem de raiva ao apontar culpados. O 'preto'.O maior culpado pela tragédia social de 1974 e 75, que arrastou quase um milhão de portugueses a viajarem milhares de quilómetros em fuga a uma realidade que se lhes tornou hostil e em muitos tristes casos ameaçadora à sua integridade física, nas ex-colónias, não foi nenhum dos enumerados nem dos outros que também povoam o imaginário da sua câmara de horrores e de vinganças por cumprir. Nessa galeria falta ‘o preto’, o negro que era assim apelidado e tratado, que foi menorizado durante séculos como se dum animal sub-humano se tratasse, que nas últimas décadas do colonialismo, em pleno século XX e quase até à sua recta final ainda era tratado como ‘o preto’ por qualquer besta boçal que, vinda das Beiras ou de nenhures, onde era explorado não com argumento de cor da pele mas sim de extracto social, via nas Africas coloniais a sua oportunidade de vingar-se da exploração a que fora sujeito, aplicando em dobro o mesmo tratamento a todos os negros que com ele se cruzavam – e eram muitos pois ele emigra para a terra dos ‘pretos’. Em dobro porque utiliza a receita de que se queixava, a exploração, acrescida da dose de racismo que a legitima, que lhe dá segurança e – acredita! a justifica filosoficamente: o ‘preto’ é um homem inferior a ele, ‘branco’, e não se coíbe de lho lembrar sempre que pode, começando exactamente na forma como o trata: ‘o preto’. Qualquer negro é um ‘preto’, um ser parecido com ele, ‘branco’, mas geneticamente diminuído intelectualmente e primitivo nos seus costumes.‘O preto’ é o grande culpado da descolonização de ânimos eriçados, dos excessos racistas que levaram à migração em massa, ao ‘retorno’ dum milhão de portugueses das ex-colónias para o finado Portugal Continental. Ei-lo, o primeiro culpado. Fosse o fascismo rude e abjecto – como era, fosse o colonialismo explorador de pessoas e recursos – como foi!, mas não houvesse o tratamento de ‘o preto’ no dia-a-dia que compõe a vidinha das pessoas, e a reacção ‘dos pretos’ não seria tão extremada e também mesclada de ódio racial, como ela foi no período de transição para as independências, radical que se mostrou no erguer de tantos dedos injustos a apontar culpas, com critérios defuntos de mais além que a cor da pele.Foi ele, ‘o preto’, essa humilhação contínua e diária que se ministrava nas ruas e nos empregos, nas conversas que todos os ouvidos sentiam, até nos olhares que se trocavam, arrogantemente superiores quando no espelho deles estava um ‘preto’.Descobri-o, o grande culpado. Foi ‘o preto’."
Texto de Carlos Gil no Blog "Xicuembo"
"Naquela camada da população portuguesa que contesta (legitimamente!) a alcunha pejorativa de ‘retornado’, mas que lhe veste pele e consciência pelo repisar e re-repisar de rancores velhos de décadas, mastigando ódios a que dá nomes que invariavelmente não fogem aos de ‘comunas’, ‘o 25 de Abril’, ‘vendilhões’ e ‘traidores’, ‘Vasco Gonçalves’ e os militares, e aqueles de estimação que são ‘Mário Soares’, e ‘Almeida Santos’ e a ‘Frelimo’ – estes dois no caso dos portugueses que viveram em Moçambique, há um que fica esquecido e que é o grande culpado de a descolonização portuguesa ter corrido tão mal para todos eles. É o preto, esse grande esquecido quando os dedos tremem de raiva ao apontar culpados. O 'preto'.O maior culpado pela tragédia social de 1974 e 75, que arrastou quase um milhão de portugueses a viajarem milhares de quilómetros em fuga a uma realidade que se lhes tornou hostil e em muitos tristes casos ameaçadora à sua integridade física, nas ex-colónias, não foi nenhum dos enumerados nem dos outros que também povoam o imaginário da sua câmara de horrores e de vinganças por cumprir. Nessa galeria falta ‘o preto’, o negro que era assim apelidado e tratado, que foi menorizado durante séculos como se dum animal sub-humano se tratasse, que nas últimas décadas do colonialismo, em pleno século XX e quase até à sua recta final ainda era tratado como ‘o preto’ por qualquer besta boçal que, vinda das Beiras ou de nenhures, onde era explorado não com argumento de cor da pele mas sim de extracto social, via nas Africas coloniais a sua oportunidade de vingar-se da exploração a que fora sujeito, aplicando em dobro o mesmo tratamento a todos os negros que com ele se cruzavam – e eram muitos pois ele emigra para a terra dos ‘pretos’. Em dobro porque utiliza a receita de que se queixava, a exploração, acrescida da dose de racismo que a legitima, que lhe dá segurança e – acredita! a justifica filosoficamente: o ‘preto’ é um homem inferior a ele, ‘branco’, e não se coíbe de lho lembrar sempre que pode, começando exactamente na forma como o trata: ‘o preto’. Qualquer negro é um ‘preto’, um ser parecido com ele, ‘branco’, mas geneticamente diminuído intelectualmente e primitivo nos seus costumes.‘O preto’ é o grande culpado da descolonização de ânimos eriçados, dos excessos racistas que levaram à migração em massa, ao ‘retorno’ dum milhão de portugueses das ex-colónias para o finado Portugal Continental. Ei-lo, o primeiro culpado. Fosse o fascismo rude e abjecto – como era, fosse o colonialismo explorador de pessoas e recursos – como foi!, mas não houvesse o tratamento de ‘o preto’ no dia-a-dia que compõe a vidinha das pessoas, e a reacção ‘dos pretos’ não seria tão extremada e também mesclada de ódio racial, como ela foi no período de transição para as independências, radical que se mostrou no erguer de tantos dedos injustos a apontar culpas, com critérios defuntos de mais além que a cor da pele.Foi ele, ‘o preto’, essa humilhação contínua e diária que se ministrava nas ruas e nos empregos, nas conversas que todos os ouvidos sentiam, até nos olhares que se trocavam, arrogantemente superiores quando no espelho deles estava um ‘preto’.Descobri-o, o grande culpado. Foi ‘o preto’."
3 Comments:
At 1:09 da manhã, Carlos Gil said…
Estou contente. Não por 'o' ter escrito - quem me dura que, nunca..., estou contento por haver quem perceba, quem entenda, quem me dê Abraços assim. Obrigado, Nuno.
At 8:45 da tarde, Anónimo said…
Qualquer negro é um ‘preto’, um ser parecido com ele, ‘branco’, mas geneticamente diminuído intelectualmente e primitivo nos seus costumes
aconselho-o a ler A teoria da evolução de Charles Darwin, cheers
At 8:52 da tarde, NUNO FERREIRA said…
Realmente, a estupidez humana não tem limites. Basta ler mensagens anónimas e covardes.
Carlos Gil, o prazer foi todo meu. Um abraço
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