O Maranhão é uma espécie de uma enorme fazenda do tamanho da França, desarrumada e caótica, onde as estradas asfaltadas se contam pelos dedos e os anos se dividem em duas épocas igualmente quentes: época das chuvas e época seca. Tinhamos a vontade de conhecer Carolina e a Chapada das Mesas, mais as suas cachoeiras (
www.carolina.com.br). Simplesmente, entre São Luís e Carolina ficam entre 800 a 900 quilómetros de mato, em cujas estradas, sobretudo à noite, são frequentes os assaltos a "ónibus" (autocarros). Existe mesmo uma empresa de autocarros maranhense, a Açailândia, que só viaja sob escolta policial. Um casal que conhecemos em Carolina e que viajou toda a noite no autocarro da Açailândia, confirmou-me a história da escolta policial.
"É, eu de vez em quando ía espreitando, no banco de trás e vía o carro da polícia atrás do ónibus. Mas eu acho que pouco adianta. Se tiver que ter assalto, tem mesmo...", contava Léo, um carioca, na Pousada dos Candeeiros, já em Carolina.
Uma manhã, decidimos apanhar em São Luís um dos poucos comboios ainda activos no Brasil, a linha de caminho de ferro aberta pela empresa Vale Rio Doce, para transportar o minério (ferro, ouro) que explora na Serra do Carajás, no Pará. O comboio parte de São Luís do Maranhão às 8h00 mais as suas quase vinte carruagens e arrasta-se, Maranhão adentro, atravessando a fronteira com o Estado do Pará já de noite, continuando a passo de caracol em direcção a Marabá, cidade de fronteira e de garimpo.
O Maranhão que, durante cerca de 10 horas de viagem, vamos observando das poucas janelas abertas ao bafo quente dos trópicos, não é bonito. Dir-se-ia que todo o mato, selva, palmeiras e vegetação original foram sendo impiedosamente desmatadas, cercadas por arame e o que restou para a população foram guetos miseráveis onde a população vive em casas de colmo ou pequenas habitações de tijolo, recortadas por ruas de terra batida que não devem ser bonitas de se ver durante a época das chuvas.
Nas paragens mais remotas, filas de populares acotovelam-se junto às janelas das carruagens da classe económica, procurando vender pratos confeccionados em casa, fruta, tudo o que a maioria dos passageiros que ali viaja não poderá comprar na carruagem lanchonete do comboio, por ser demasiado caro. Em Alto Alegre, um rapaz que traz vestidos apenas uns calções, pede-me 50 centavos. Reviro os bolsos, procuro em todo o lado, só me surgem, estupidamente, pequenas moedas de euro. Funcionários da Vale Rio Doce limitam-se a brincar uns com os outros. O rapaz continua ali, no calor absurdo, de mão espetada, os pés descalços, o tronco nú, a repetir "50 centavos" até o comboio retomar o caminho e o fazer desaparecer de vista.
Sempre que regressamos à climatizada e fria carruagem da primeira classe, com televisores para distraír os viajantes mais endinheirados e refeições transportadas até ao assento de cada um, é como se voltássemos a outro mundo, um universo de bagagens modernas, com rodinhas, onde o som de fundo é quase sempre o mesmo: "você me deixou...naquele momento eu só pensava em você..." A loira alta de unhas pintadas do assento atrás do meu, com umas calças de ganga onde debroaram, na parte traseira, em letras cintilantes a palavra "CANCUN", sabe as letras todas de cor.
Para poder chegar a Carolina no dia seguinte, saímos ao fim da tarde na estação de Açailândia, onde apanhámos um autocarro para a maior cidade da região, Imperatriz, uma cidade com uns 10 mil habitantes no princípio dos anos 80 e que hoje tem quase 300 mil habitantes. Sentíamo-nos a abandonar a segurança do comboio quando, mesmo nos bancos à nossa frente, um homem e uma mulher começaram a conversar precisamente sobre segurança:
"Mas pelo menos o trem é mais seguro, né, sem esse negócio de assalto...", dizia o homem.
"Que nada", ripostou a mulher, "uma vez eu 'tava vindo de São Luís, aí um bando de homem armado assaltou a lanchonete do trem, mandaram todo o mundo deitar no chão, não mexeram com passageiro mas levaram todo o dinheiro da lanchonete..."