estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2005-06-27

O Balde higiénico e o sistema prisional no Portugal europeu de 2005

O ministro da Justiça salientou hoje a erradicação de "situações desumanas" nas cadeias, tais como o uso do chamado "balde higiénico" como uma das prioridades na reabilitação do sistema prisional português do ano de 2005. Balde higiénico, hein, quer dizer...Portugal é Europa, né?

2005-06-23

Sites racistas na net

O PCP exigiu hoje ao Governo explicações sobre a "inacção" em relação à existência e manutenção de sites "difusores de ideias racistas e xenófobas" na Internet, defendendo que "não pode haver tolerância" para com esses valores.
"A acção do Martim Moniz, no passado sábado, estava envolta numa perigosa nuvem de racismo e xenofobia e exigem-se explicações do Governo sobre a inacção que se verifica a que se mantenham sítios na net difusores de ideias e valores que atentam contra a Constituição da República", refere o grupo de trabalho do PCP para a imigração e minorias étnicas em comunicado.
Para os comunistas, "não pode haver tolerância para com ideias racistas e xenófobas". No comunicado, o PCP manifesta-se ainda solidário com todas as vítimas de assaltos, mas rejeita catalogar a criminalidade "em função da cor da pele ou naturalidade".
"Não existem assaltos maus e menos maus conforme seja um negro ou um branco a praticá-lo", sublinham.
Os comunistas consideram ainda que o discurso governamental dos últimos anos tem "atacado os direitos à integração e legalização de muitas dezenas de milhar de imigrantes".
"Atirar para a ilegalidade, para uma vida de fuga e inquietação permanentes, milhares de pessoas, é atirá-los para as situações mais incríveis de sobre-exploração, de uso e abuso do ser humano", refere o grupo de trabalho do PCP para a imigração e minorias étnicas ao condenar essa política.

ALEGRIA

"Niguém consegue imaginar a alegria que se apossa de nós quando nos damos conta de que estamos vivos e podíamos estar mortos"

Eduardo Prado Coelho, hoje no "Público"

2005-06-22

FOTOS DA COVA DA MOURA (clicar)

A não perder, as fotos a preto e branco que o foto-jornalista Miguel Madeira fez na Cova da Moura

2005-06-21

A LINHA DE SINTRA

Estação de Queluz, plataforma das linhas 3 e 4, cerca das 16h de ontem. Os utentes, muitos de origem africana, vão entrando e saindo das carruagens ao ritmo lento e compassado imposto pelos 36 graus sentidos àquela hora. Não se vê um polícia nem qualquer segurança privado. A atmosfera é de aparente calma.
“Se tenho medo? Tenho. Já me tentaram roubar umas duas ou três vezes mas fugi sempre”, explica Filipe Gama, estudante, 20 anos. As horas mais perigosas são as do final da tarde. “Ao fim do dia tenho sempre algum receio.”
O facto de já ter sido vítima de tentativa de assalto não desenvolveu nenhum sentimento de raiva ou revolta em Filipe. “Acho que não deve existir racismo. Numa das vezes em que me tentaram assaltar, fui ajudado por pessoas de cor.”
E a segurança? “Não há segurança. Há o revisor, mas ele não pode fazer grande coisa”, explica Filipe Gama, “e é raro o dia em que vejo aqui algum polícia”.
Muitas das pessoas que acedem à plataforma são negras. “Ontem [segunda-feira] houve aí qualquer coisa e há quem tenha receio. Realmente, o comboio está inseguro, mas o que podemos fazer?”, pergunta um guineense que pede o anonimato.
“Tenho receio, apesar de nunca me ter acontecido nada, mas vejo na televisão e fico um bocado apreensivo”, diz um utente, que também pede para não ser identificado. “Eu acho que devíamos dar o mesmo tratamento a toda a gente independentemente da cor da pele e o que se passa actualmente é que se permite a algumas pessoa de cor fazer tudo.”
Moisés Andrade, um jovem de origem africana a trabalhar no Centro Comercial Vasco da Gama, também sente insegurança. “Eu viajo todos os dias aqui, das Mercês à Gare do Oriente, e noto que há pouco policiamento. Devia haver mais.”
Adelina Barros, 25 anos, uma cabo-verdiana que trabalha na Misericórdia de Sintra, não tem medo. “Sinto-me segura, acho que ninguém me vai mexer, não tenho nada para levar. Estou sossegada, no meu canto, não falo mal de ninguém. Há pessoas que provocam. Ainda há dias, uma mulher disse ‘parece que estão em África’. Eu respondi logo, claro”.
A cabo-verdiana tem uma teoria para o que se tem passado: “O problema com esses miúdos que roubam é um problema de educação. Esses miúdos andam por aí sem ocupação. Os pais deles estão a trabalhar e deixam-nos por aí. Eu também tenho um filho, deixo-o na creche às 7h30 e só o vejo à noite. A gente passa o dia a trabalhar, fica sem tempo para os filhos”.
No interior das carruagens, sentido Queluz-Lisboa, cerca das 17h. A primeira sensação quando se entra nas carruagens semi-vazias é a de que, exceptuando o funcionário da CP que vem fiscalizar os bilhetes, os passageiros estão entregues a si próprios e à vídeo-vigilância. É dentro do comboio, no abrir e fechar de portas, que sobressai alguma tensão e ansiedade por parte de passageiros que viram a cabeça para trás mal se ouve o bater das portas metálicas que separam as carruagens.
“Tenho um bocadinho de receio. Ultimamente isto está inseguro”, confessa um jovem estudante carregado de dossiers. Um casal de negros, ela com um recém-nascido ao colo, viaja à nossa frente. “Medo? Se vai ter medo tem de ficar em casa, não é?”, pergunta o homem. A esposa sorri e faz que sim com a cabeça. “A culpa é desses miúdos. Se houvesse aqui mais polícia eles iam ter mais respeito.”

2005-06-20

Branco de cabelo preto

Exº Srs:
Eu sou português e branco, enfim, morenito, queria ser completamente branco mas o sol dá-me cabo da cor. Há muito que desejo saír de Portugal. É pequenino e está cheio de pret...e de criminalidade. Falaram-me nos Estados Unidos e na Alemanha também e até na Inglaterra mas já me explicaram que nos Estados Unidos só como ilegal e vocessemês não gostaide de ilegais nem aconselhaides tal coisa. Pensei na Alemanha mas já me disseram que na Baviera, mesmo com aquela cruz suástica no braço, até o Mário Machado da Frente Nacional passa por turco. É verdade? Não quero represálias. Pensei finalmente na Inglaterra mas em Town Bridge não gostam de portugueses e se em Town Brigdge as coisas estão assim...Na minha ingenuidade, pensava cá para comigo, sou de raça branca, ninguém se vai meter comigo. Ajudem-me, sou branco e nunca pensei ser marginalizado só por ter cabelo preto e pertencer ao sul da Europa.

IT'S COUNTRY TIME AGAIN



Ryan Adams está de volta com a música que melhor sabe fazer, aquele misto de Neil Young/Gram Parsons country/folk/rock que cimentou a reputação dos Whiskeytown e que se estendeu até “Heartbreaker”, o primeiro álbum a solo.
O duplo cd “Cold Roses”, muito apoiado numa banda muito country/rock, os Cardinals (J.P Bowersock na guitarra eléctrica, Cindy Cashdollar na steel guitar, lap steel, resonator guitar e nos vocais), Brad Pemberton na bateria e vocais), Catherine Popper no baixo, piano e vocais) vem impregnado de uma atmosfera relaxada e country que se perdera nos últimos trabalhos de Ryan.
Como é habitual em Ryan Adams, provavelmente, dispensar-se-iam tantos temas (19) e reteríamos os melhores, os mais bonitos, temas simples como “When will you come back home”, a muito Neil Young “Magnolia Mountain”, a mais rocker “Cold Roses” ou a country/rock de “Dance all night”, a lembrar os Creedence Clearwater Revival.

Cold Roses (cd duplo)
Ryan Adams & The Cardinals
Lost Highway, distri. Universal
Posted by Hello

ANGOLA PERTO DO MUNDIAL 2006


Posted by Hello

Posted by Hello Depois do empate em Kano, na Nigéria (1-1) , Angola está a um passo do Mundial 2006 na Alemanha. Okocha marcou primeiro para a Nigéria mas Paulo Figueiredo empatou na segunda-parte.
O resultado deixou Angola e Nigéria empatadas com 15 pontos a duas jornadas do fim. Angola vai jogar com os dois últimos do grupo: Gabão, em casa, e Ruanda, fora. A Nigéria vai ter de jogar com a Argélia fora de casa e depois recebe o Zimbabwe, que está em terceiro lugar. Como só o primeiro colocado se classifica para o Mundial 2006, é caso para dizer. Força Angola!

Artigo 46 da Constituição, ponto quatro

"4. Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista".

FASCISMO NUNCA MAIS

Hão-de me dizer em que buraco escondido na Constituição Portuguesa é que existe base legal para uma manifestação como a de sábado, no Martim Moniz. Afinal, andaram pessoas a morrer e a ser torturadas para obter uma democracia e depois a democracia autoriza que lhe cuspam em cima , é isso? Ah, tá bom...

Posted by Hello "Ya, curto bué a cena nacionalista, é bué da louco"

MÁRIO MACHADO, O SKINHEAD


Posted by Hello Condenado em 1997 a uma pena de prisão de quatro anos e meio por envolvimento na morte do cabo-verdiano Alcindo Monteiro, Mário Machado, 28 anos, está preocupado com a crescente criminalidade em Portugal que atribui à imigração. O Governo Civil de Lisboa permitiu-lhe, em nome da tolerância, da democracia e dos brandos costumes, organizar uma manifestação fascista. Em entrevista à Revista "Pública", Mário explica que até é tolerante: "Hoje estou vestido com umas calças Levi's, cujos criadores são judeus mas têm o corte de calças que eu mais gosto, mas, por exemplo, Benetton, que tem uma campanha muito virada para o multiculturalismo, já não consigo comprar".
Fala também no seu ídolo "humanista": "Hitler era um humanista no melhor sentido da palavra, porque defendia naturalmente as regras e as leis da natureza e encarava a nossa raça como algo de belo e não algo para ser destruído ou apropriado".

2005-06-19

IDEIAS DIFERENTES MAS TODOS IGUAIS (Clicar)


Ideias diferentes, mas todos iguais I

O lado “cor-de-rosa”

- Ó sócio tem calma pá! Eles naquele dia estavam desinibidos, e também ia haver à noite um festão na Kadoc, e eles precisavam de fornecimento. Pensa lá bem, até foi bom o arrastão, tu é que não soubeste aproveitar. Ias nessas noite ao festão e tinhas um paraíso para os brancos, oferecido pelos negros. Olha pastilhas, eram tantas, tantas, que não tinha de te ficar só por uma... podias tirar a barriga de misérias, punhas logo umas 10. Depois também havia os cigarrinhos traçados, vê lá! Já “feitinhos” e tudo... o trabalho que eles tiveram para os fazer, tão queridos.- Epá mas drogas não é bem a minha onda...
- Ó sócio na boa! Tinhas o outro paraíso... tinhas os telemóveis e máquinas fotográficas digitais vindos directamente de Carcavelos, com garantia, essa arranjada lá no bairro deles, que não é no município de Cascais... confirmou-nos o presidente da câmara. E depois os relógios e colares à maneira. E olha que eram de ouro e prata... que isto sei eu, porque vi, que os coitados dos negritos, deram-se ao trabalho de andar a morder os colares, para verificar se eram mesmo de ouro e prata. Achas que roubar é fácil? Levaram uma porrada dos policias, e mesmo assim foram até ao Algarve e tiveram este trabalho todo, só para nos vender bom material. E ainda melhor, no dia a seguir, cansadíssimos de tudo isso, ainda foram à Quarteira, arranjar material para trazer para cima, para vender ao people de Lisboa. Assim ninguém ficava chateado, agradavam a todos. Mas o pessoal da Quarteira é sovina.

Ideias diferentes, mas todos iguais II

Lado “cabeça branca, roupa preta”

- Epá pegava-se naquela escumalha toda metia-se num contentor e íamos brincar ao Kursk ali pá beirinha do Tejo.
- Kursk? Que jogo novo é esse?
- Tas a ver o submarino russo que afundou com montes de tripulantes lá dentro, e morreram todos, porque ninguém se preocupou muito, porque iam perder montes de dinheiro a salvá-los?
- Tou!
- O submarino chamava-se Kursk
- Fogo! Não sejas assim.-
Um preto esfaqueado, é menos um telemóvel roubado. Já dizia a minha tetra-avó de quem eu gosto muito. Cada vez que lá vou a casa, ela dá-me festinhas na cabeça sem cabelo algum (nem um, porque eu verifico todos os dias), tira-me as botinhas de couro, e diz-me muito serena “Ò netinho gosto tanto que andes por aí pelo País a lutar pelos nossos direitos, és muito corajoso e lutador. É pena é que tenhas de ter rapado o cabelo, tinhas um cabelo loiro tão lindo.” Sabes é que eu sou muito sensível, e muito caseiro também. Só saio de casa à noite, para ir para as raves dar encontrões, beber cerveja, e gritar “morte aos pretos”. De vez em quando lá vai um cigarrinho traçado, mas é só para motivar.-
Sabias que essa droga, na maioria das vezes é fornecida pelos pretos que tanto odeias?

Ideias diferentes, mas todos iguais III

O Lado “cabeça preta, roupa branca (para dar style man)”

- “Ma man”! Então com é? Se bem? Pá ouvi dizer que querias falar comigo lá por causa da cena do arrastão... Para já que fique bem esclarecido, e tu sabes bem disso (se não levas uma facada no rim, porque eu sei muito bem onde fica o rim... e só não é nos estômagos porque tenho medo de falhar e dar no cérebro) que eu estudo de dia lá para os lados de Lisboa
- Eu sei, é no Casa Pia não é?
- Não interessa agora o nome. Pronto, estudo de dia e trabalho de noite.
- No Mac Donalds?
- Epá! Tu e os nomes... o que é que isso interessa? São pormenores. O que interessa é que estudo e trabalho, e dou dinheiro à minha mãe.
- É verdade, sempre lhe deste o dinheiro da arma que me vendeste?
- Qual arma man?
- Aquela que me vendeste bué cara, mas disseste que tinha de ser, porque a tua mãe estava doente, e precisavas de lhe comprar remédios.
- Achas man? Para já não te vendi nenhuma arma. Que fique bem esclarecido, porque senão já sabes que o teu rim... A minha estava doente sim, por isso fanei os comprimidos ali na farmácia na esquina. E nesse mesmo dia o Estado mandou dinheiro, e eu aproveitei e fui logo comprar uma Televisão Plasma, para a coitada da cota se entreter com alguma coisa.
- Epá está bem, mas conta-me lá a história do arrastão.
- Então foi assim: Eu cheguei à praia com 30 amigos, e atrás vinham mais uns 4 grupos, cada um com cerca de 30 a 40 pessoas. Eram todas pessoas que costumam ir muito à praia, porque estavam todos muito morenos.
- Morenos? Não seriam pretos como nós?
- Mas quais pretos? Aqui ninguém é preto, só nos deixaram tempo de mais ao Sol, e é por isso que o Estado agora nos dá tanto dinheiro... porque se desleixaram com o tempo de cozedura. Continuando... cheguei à praia e reparei que tavam lá bué primos e irmãos e amigos meus, juntei-me logo a eles, naquela do convívio. Havia um deles que traziam música e começámos todos a dançar. Sabes como é, a policia começa a ver-nos todos no roça, roça lá com as damas, e não gostou. Vieram logo 300 policias
- 300? Nas noticias estavam a dizer que na altura do acontecimento, na praia estavam 12 policias. Só depois é que chegaram mais... mas nunca chegaram a ser 300...
- Fogo! Tu e os pormenores... cala-te lá com isso e deixa-me acabar. Chegaram os policias, e começaram a correr atrás de nós... Desatámos logo todos a correr, para fugir deles, e como estava muita gente na praia e com montes de coisas, (porque os brancos levam a tralha toda para a praia) essas tais coisas foram saltando e agarrando-se a nós. Olha a mim saltou-me uma mala de mulher e encaixou-se mesmo no meu braço. Achas que eu queria uma mala de mulher para alguma coisa? Ah! E só quando cheguei a casa é que reparei que caíram 4 telemóveis em cada bolso. Queres um cigarrinho traçado?

Texto de Marryzinha
Blog As Minhas Coisas

"SOMOS HUMANOS"

A próxima casa a ser demolida na Azinhaga dos Besouros, na Amadora, é a do senhor Cabral. “Somos humanos”, lê-se no muro branco da casa do senhor Cabral. Do lado esquerdo da parede grafitada, ergue-se um monte de tijolo partido, muito tijolo partido. Por detrás da casa do senhor Cabral, um bloco caótico de habitações clandestinas espera pela demolição. “Eles precisam de demolir a dele para abrir caminho para as outras”, explicam.
“Há dois dias que a máquina está a fazer limpeza. Ele diz que tem ordem para só fazer limpeza até ao fim de semana”, explica uma moradora, “ele diz que o camião para recolher o entulho ainda não chegou. Será que vai demolir no fim de semana?”
O som da máquina escavadora ecoa sobre o mundo parado de casario clandestino, fios eléctricos, ruelas semi-desfeitas e montes de tijolo quebrado que é hoje a Azinhaga dos Besouros.
Numa mesma ruela, existe uma casa habitada, a roupa dependurada, uma bicicleta e uma botija de gás na varanda, sinais de vida. Do outro lado, tudo o que resta é uma parede azul em cima e creme em baixo com restos de colagens na parede, fotos de recortes de revista. Há cimento suspenso e ferros retorcidos caíndo sobre um monte de tijolo quebrado onde pontificam uma cadeira, o que resta de uma mesinha de cabeceira, uma camisola, um gaurad-chuva desfeito.
Uma mulher pára em frente aos destroços: “Você é da câmara?”, pergunta. “Jornalista? Isso aí era a minha casa”. Chama-se Alda Furtado, é são-tomense e tem 31 anos. ‘Tava a trabalhar nas limpezas, na Gare do Oriente, cheguei aqui, ‘tava o homem da câmara a dizer: “Abra a porta para isto ir abaixo”.
Os moradores juntam-se em círculo no páteo da casa do senhor Cabral e falam dos que foram desalojados: “Deixaram na rua uma senhora com quatro filhos”, “uma senhora de 74 anos ficou na rua”, “mães com crianças ficaram na rua”, “uma senhora de São Tomé com uma filha de 12 anos que veio para cá em tratamento de asma através de uma junta médica, ficou sem casa”.
Outros estão em risco de seguir o mesmo caminho. “O meu marido é cego, eu sofro do coração”, diz Maria Domingos Nascimento, “somos seis pessoas, um filho está preso, outro trabalha. Como chegámos em 94 a câmara diz que não tem direito”.
A “avó” Justina Amade chegou à Azinhaga vinda de Angola com um filho que vive em Vialonga mas nasceu em Guadalupe, Ilha de São Tomé, em 1928. “Vivo aqui sózinha desde 1992 mas eu não sabia das coisas, dos papéis. Primeiro vivi numa casa da rua 4, depois a senhora quis que eu saísse. Eu disse: Onde vou ficar? Outra senhora viu-me e perguntou: A avó está a chorar? Para onde vai? Ela arranjou-me outra casa”.
Agora, a “avó” está em risco de ficar na rua. José Tavares Pereira também. Vive no bairro desde 92 mas estava a trabalhar no Algarve quando do PER. “E devia estar lá agora. Sempre trabalhei 15 dias lá e vinha a casa. Agora não saio daqui, já avisei o patrão, não posso saír...”


Maria do Socorro: “Não somos animais”


“Eu nasci aqui na Azinhaga mas na altura do PER estava em Cabo Verde, por isso não tive direito a realojamento. Vivia aqui com a minha madrinha mas fui a Cabo Verde à procura da minha mãe e da minha irmã. Tive cá os meus filhos”, conta Maria do Socorro.
“Eles puseram um papel na porta a dizer que a casa ía abaixo. Eu disse “eu não tenho para onde ir”. Eles deram mais uma semana. Depois, vieram dois dias antes. Cheguei do trabalho, já tinham partido uma parte da casa. Encontrei as minhas coisas todas no carro. As minhas coisas estão todas estragadas, metidas no armazém da câmara.
Eu estava nervosa, meteram-me numa ambulância. Eu disse que não precisava de ir para o hospital mas eles levaram-me na mesma, amarraram-me e levaram com um polícia. Lá no hospital, eu disse “eu ‘tou bem, ‘tou mais calma, não quero tomar nada. O médico disse que eu não precisava de calmante, o polícia me largou lá. Largaram-me no hospital. Cheguei cá, não encontrava a minha filha. Depois, uma senhora trouxe a minha filha. Ficámos aí na rua com a roupa que tinhamos no corpo. Agora, durmo um dia na casa de um, outro dia na casa de outro. Acho uma injustiça. Mesmo não estando inscritos no PER, não se faz assim, nós não somos animais e estamos a ser tratados como animais. Somos todos humanos, todos temos direito de viver. Vamos para onde, com esta crise? As assistentes sociais também já estão cansadas. Propõem eu alugar uma casa durante três meses, 200 euros. Eu trabalho das 6 às 9h00 nas limpezas, não ganho nem sequer 200 euros. Tenho de ter fiador. A Câmara devia arranjar um sítio para a gente viver dentro das nossas possibilidade. Faziam uma tenda, sei lá. Virar-nos as costas feitos animais é que não.


Vânia Gomes: “Quero um futuro”

Vânia, 20 anos, vivia em casa do pai. “Mas ele maltratava-me, fugi”, conta, aos repelões, entre risos. “Vim morar com a minha mãe no 7 D. Era um quarto, uma sala, cozinha e casa de banho. Vivíamos lá eu, a minha mãe, a minha irmã e o meu sobrinho. Só que o meu irmão fugiu também de casa do meu pai, estava farto de porrada. O 7 D ficou pequeno, não tinha condições. A minha mãe começou a beber, não havia condições. Fui com 14 anos para o Colégio de São Domingos de Benfica, depois estive em Coimbra no Colégio de Santo António dos Olivais e ‘pera aí, ainda estive mais uns meses em Viseu”.
Com 16 anos, o Instituto de Reinserção Social mandou-a de volta para casa do pai, em Chelas. “Fugi outra vez, era maltratada, fugi. Cheguei aqui, a minha mãe bebia muito e eu não queria depender de ninguém. Fui para o 16 C, morava lá com outras raparigas”.
Aos 17 anos, Vânia Gomes ficou grávida e foi mãe de um filho agora com três anos. “Arranjei trabalho há três anos, na limpeza, das 6h00 às 9h00. Agora, desde que tive o meu filho, estou a morar na casa de uma senhora. A casa vai abaixo. Fiz um pedido, negaram. Pedi ajuda à comissão de menores, não tenho direito. Propuseram o aluguer de uma casa por três meses. Não tenho possibilidades. Quero um futuro e não estão a ajudar, só estão a piorar”.

2005-06-18

BRANCOS ATACAM BRANCOS!

A polícia inglesa colocou alarmes nas residências de portugueses da localidade de Towbridge, para os proteger de ataques xenófobos, que já se registaram, após o assassínio de Hayley Richards, cujo principal suspeito é um português.
Hugo Quintas foi formalmente acusado do homicídio Hayley Richards, ex-namorada de 23 anos, tendo a polícia britânica divulgado a fotografia do suspeito e emitido um mandado de captura europeu contra o emigrante.
"O ambiente aqui está muito pesado e perigoso e eles sabem perfeitamente que já houve muita gente a sofrer isso na pele", disse um português à Agência Lusa.
A "verdade", disse Helena Lourenço, outra emigrante residente na área, é que o facto de o português Hugo Quintas ser o principal suspeito desta morte brutal "tem provocado imensa raiva entre os ingleses, sobretudo os vizinhos e amigos da rapariga, que agora ameaçam vingar-se em todos nós que não temos culpa nenhuma".
Helena tem quatro filhos e são eles a sua grande preocupação.
"Já ouvimos muitas histórias de pessoas que foram ofendidas e atacadas na rua e é claro que isso nos assusta e nos faz estar sempre a olhar por cima do ombro. Mas o que mais nos aflige são as crianças, porque são mais indefesas", disse.
Os colegas destas crianças "sabem que eles são portugueses e também os insultam".
Agência Lusa

E ESTA HEIN?

Cerca de 200 fascistas liderados por Mário Machado, dirigente da Frente Nacional que esteve preso 4 anos pela morte do cabo-verdiano Alcino Monteiro em 95, desfilaram hoje à tarde entre o Martim Moniz e o Rossio, em Lisboa.
Slogans e argumentos: "isto é nosso", “ Imigrantes igual a crime" ou "Não existem direitos iguais quando és um alvo por seres branco".
Populares lisboetas, brancos e negros, daqueles sobre os quais já escrevia o Fernão Lopes e que sempre fizeram de Lisboa o que ela é, mandaram-nos à merda e chamaram-lhes fascistas, que era exactamente o que eu faria se lá estivesse.
O que é que aconteceu? Os fascistas dispersaram a gritar “imigrantes igual a crime” e os populares é que levaram porrada da polícia.
E esta hein?

UM BLOG TOLERANTE

"Portugal orgulha-se de ser um país tolerante. Tal como no passado outros países acolheram os nossos emigrantes, nós recebemos outros povos e outras culturas ao longo de 30 anos de democracia (...) Não vamos dar guarida a demagogias, xenofobias, ao racismo"

Jorge Sampaio, Cova da Moura, 18/6/2005

O Estradas Perdidas orgulha-se de ser um blog tolerante. Tal como no passado outros países acolheram os nossos emigrantes, nós recebemos outros povos e outras culturas ao longo de 30 anos de democracia. Não vamos dar guarida a demagogias, xenofobias e ao racismo.

Estradas Perdidas, 18/6/2005

2005-06-17

COVA DA MOURA BLUES

“Cova da Moura, Cova da Moura, só falam da Cova da Moura. Tem muito bairro problemático em Lisboa mas sempre falam na Cova da Moura”. Circular no bairro degradado mais mediatizado da Grande Lisboa é um exercício normal. Sobe-se a ladeira, desce-se a ladeira, percorre-se a Rua do Moinho, para-se num café, cumprimenta-se as vendedeiras de sempre. O carteiro faz a distribuição do correio, carrinhas de distribuição circulam normalmente.
O próprio tráfico e consumo de droga quando se desemboca na Rua Principal é uma anormalidade já normal. Ao virar da primeira esquina e ao cruzarmo-nos com o primeiro “dealer”, por sinal branco, sabemos que entramos em território de compra e venda. Um de dois homens brancos emagrecidos e olheirentos que vemos dentro de um carro está demasiado absorvido a queimar uma prata com um isqueiro. “Bacano, bacano”, grita um negro sorridente, de olhar simpático, um vendedor aplicado, “o que é que queres? Queres comprar?” Basta dizer “não obrigado” para o vendedor nos deixar em paz e se continuar o périplo, por entre toxicodependentes negros e brancos. Todos diferentes, todos iguais.
O jovem de 21 anos que segura um pitbulll que não pára de ladrar e parece precisar de beber água, mostra a tatuagem com as iniciais. “Estas são as iniciais com que toda a gente me conhece aqui no bairro, é a minha alcunha. O que é que eu acho do presidente vir ao bairro? Acho bem, acho bem ele vir cá com uma vista positiva. A gente que não é do bairro pensa que aqui só há bandido. O pessoal tem medo de vir cá. O pessoal da TV Cabo, por exemplo, já não quer vir cá”.
O jovem estudante de molhe de chaves ao pescoço e camisa a imitar a dos jogadores de basquete da NBA quer acabar a conversa depressa porque o pitbull está inquieto. “Tem mais bairros problemáticos, há mais bairros mas só falam na Cova da Moura, só ouves falar na Cova da Moura. Nessa cena da praia de Carcavelos, seis ou sete eram daqui, 20 ou 30 era da Damaia…”.
Aproximam-se as 12h00, há cada vez mais jovens a surgir como abelhas das colmeias. A Cova da Moura é um bairro muito jovem. Cerca de metade da população tem menos de 20 anos. “Agora o bairro está sossegado. Agora é só trabalhadores e estudantes Os cabeça dura, os cabeça de bandido ainda estão a dormir”.

TODOS BRANCOS, TODOS, SEM VERRUGAS...

" Hoje é pela segurança, tudo bem, amanhã é contra os homossexuais, depois contra as lésbicas, depois contra os ciganos, depois contra os morenos, depois contra os aleijados, depois contra os narizes grandes, depois contra quem anda de saia curta e barriga à mostra, e por aí fora. Até só ficarem os arianos, tementes a Deus e ao III Reich".

Comentário de um leitor publicado hoje na edição online do Jornal Público

Eu fico em casa

O Governo Civil de Lisboa autorizou a manifestação de amanhã no Martim Moniz, em Lisboa, da grande e poderosa Frente Nacional contra os imigrantes. Por mim, ainda bem.
É na rua, a levar com o Sol inclemente destes quentes dias de Junho nas carecas luzidias que os "nacionalistas" tipo OMO lava mais branco, ficam melhor.
A arder as patas dentro daquelas botas Doc Marten, quais incineradores, a estufar nos blusões, a limpar as gotas de suor das carecas arianas e a perguntar: "Onde é que ficou o resto do pessoal?"

P.S. É nestes momentos que eu gosto do Corpo de Intervenção da PSP

2005-06-16

OS BLUES SEGUNDO SCORSESE


Posted by Hello
MARTIN SCORSESE APRESENTA OS BLUES (7 DVD's)

Já estava disponível na versão americana desde Outubro de 2003. Um ano mais tarde, passara a estar disponível na edição inglesa. Agora, esse monumento aos blues que são os sete DVDs, num total de 780 minutos, de “Martin Scorsese Apresenta Os Blues” foi lançado finalmente em versão nacional com legendas e texto em português.

Ao todo, “Martin Scorsese Apresenta os Blues”, produzido pelo realizador no contexto da celebração nos Estados Unidos de “2003 Ano dos Blues”, é constituído por sete filmes de sete realizadores diferentes: “De Regresso A Casa”, do próprio Scorsese; “A Alma de Um Homem”, de Wim Wenders; “A Caminho de Memphis”, de Richard Pearce; “Aquecido Pelo Fogo do Diabo”, de Charles Burnett; “Padrinhos e Filhos”, de Marc Levin; “Red, White & Blues”, de Mike Figgis; “Piano Blues”, de Clint Eastwwod.
Além dos filmes, há três horas de extras, que incluem entrevistas com os realizadores, biografias e filmografias mas também prestações ao vivo – num total de 27. A série não tem qualquer cariz enciclopédico nem preocupações históricas. Cada realizador foi convidado a expressar num filme documental a sua paixão pela música.
Clint Eastwood, por exemplo, deu asas ao amor pelo blues e jazz ao piano. Scorsese acompanhou o tradicionalista e cultor do blues acústico Corey Harris numa viagem até ao Mali e às raízes dos blues. Marc Levin mergulhou no mundo vivificante do blues de Chicago e da herança da lendária editora Chess Records. Charles Burnett ficcionou o ambiente do blues do Mississipi dos anos 50. Mike Figgis documentou os blues britânicos. Wenders prestou homenagem a três nomes dos blues: Blind Willie Johnson (1902-1947), mestre em misturar gospel e blues e em tocar a slide guitar, o melancólico bluesmen do Mississipi Skip James (1902-1969) e J. B. Lenoir (1929-1969), famoso pelos blues politizados da época do Civil Rights Movement . Richard Pearce acompanhou o regresso à famosa Beale Street, em Memphis, Tenessee, de alguns dos seus pioneiros: Rufus Thomas, B. B. King, Rosco Holcomb, Ike Turner.

DVD "Aquecido Pelo Fogo Do Diabo"

Dos sete, talvez o menos interessante seja “Aquecido Pelo Fogo Do Diabo”, que conta a história ficcionada de um rapaz de Los Angeles que visita, nos anos 50,no Mississipi, um tio boémio e amante dos blues.
A ficção gira em torno dos estereótipos do Delta Blues, o blues rural e acústico do Mississipi: mulheres, álcool, “juke joints” (bares de blues locais), o peso da religião, as inundações do Mississipi, a lenda do cruzamento onde um dos mais influentes, senão o mais influente nome dos blues de sempre, Robert Johnson, terá vendido a alma ao diabo.
Burnett cruza a história com imagens antigas de artistas da época, de Big Bill Broonzy a Sister Rosetta Tharpe, Mississipi John Hurt, a Willie Dixon, entre muitos outros – os trechos são inestimáveis mas curtos, quase sempre.

DVD "A Alma de Um Homem"

“A Alma de Um Homem”, de Wenders, também utiliza ficcção mas de forma diferente. O autor pretende homenagear Blind Willie Johnson, Skip James e J. B. Lenoir. Recorre à ficção nos trechos biográficos sobre os dois primeiros, mas ainda assim a ficção é enriquecida com os temas originais. A estes segue-se quase sempre a interpretação dos mesmos por músicos actuais. Grande parte da riqueza de “A Alma de Um Homem” está nas interpretações que estes autores actuais, como Lucinda Williams, Alvin Youngblood Hart, Bonnie Raitt, Jon Spencer Blues Explosion, Beck ou Lou Reed fazem de temas de Skip James, tais como “Devil got my woman” ou “I’m so glad”.
Mas o melhor momento é a homenagem que Wenders presta a um herói da sua juventude, o bluesman J. B. Lenoir. Para tal, recorre a imagens restauradas e a cores do cantor mas sobretudo a fantásticas filmagens inéditas feitas em 16 milímetros nos anos 60 pelo casal Steve Seaberg e Ronnog Seaberg. Temas como “I want to go”, “Round and round” ou “Vietnam Blues” são também interpretadas em estúdio por outros autores actuais: Nick Cave, Bonnie Raitt, Los Lobos, T-Bone Burnett, Cassandra Wilson e Garland Jeffreys.
Se tivermos em conta que ao filme se juntam cinco prestações extras e integrais de Lou Reed, Cassandra Wilson, Alvin Youngblood Hart, Marc Ribot e Chris Thomas King, pode dizer-se que do ponto de vista do amante dos blues é um festim.


DVD "Red, White & Blues"

“Red, White & Blues” de Mike Figgis é o documentário televisivo por excelência. Um rol de entrevistados notável – que inclui John Mayall, Eric Burdon, Mike Fleetwood, Steve Winwood, Van Morrison, Eric Clapton, Tom Jones – aborda de forma cronológica a influência do jazz e dos blues em Inglaterra para terminar com a influência que o blues britânico e bandas rock como os Rolling Stones exerceram nos EUA anos mais tarde.
John Mayall lembra que o primeiro bluesman a aparecer em Inglaterra foi Big Bill Broonzy, em 1950. Eric Clapton recorda quando tocou com o mago da harmónica Sonny Boy Williamson e fala da colecção brutal de discos de blues de Mayall. Chris Farlowe recorda quando, no tempo em que cantava no “Flamingo” em Londres um negro se aproximou para lhe falar e Chris descobriu que se tratava de Otis Reding.
Os músicos ingleses evocam o impacto das guitarras, dos discos importados, da roupa. E falam do reverso da medalha, quando passaram a ser eles a invadir os EUA. B.B. King, sem papas na língua, diz que foram os ingleses (Stones, Cream, Bluesbreakers) a tirar os blues do gueto nos Estados Unidos.
No âmbito do documentário, o autor gravou, em Março de 2002, várias actuações nos estúdios de Abbey Road. Destaque para Lulu (a Dusty Springfield escocesa) a cantar “Drown in my own tears” ou “Cry me a river”, Van Morrison a interpretar “Rambler Blues” e Tom Jones acompanhado por Jeff Beck em “Love letters” ou “Hard times”.


DVD "A Caminho de Memphis"


Em “A Caminho de Memphis”, Richard Pearce retrata o regresso à actual, turística e plastificada Beale Street de vários músicos que lhe deram vida no tempo em que a rua era uma ilha de música negra onde brancos como Elvis Presley foram beber influências.
Pearce aproveita a realização em Memphis dos anuais W.C. Handy Awards, os grammies dos blues, para juntar nomes que deram vida à Beale Street nos bons velhos tempos: B.B. King, Rosco Gordon, Rufus Thomas, Ike Turner, Little Milton, Hubert Sumlin, entre outros.
A maioria lamenta o facto de a Beale Street já não ser mais do que uma rua turística, B.B. King regressa à rádio onde um dia entrou a pedir trabalho pela primeira vez e Ike Turner visita Sam Phillips nos famosos Sun Studios, onde Elvis gravou pela primeira vez.
Pelo meio, em contraponto à história de sucesso de B.B. King, o realizador acompanha na estrada Bobby Rush,um “bluesman” excêntrico que nunca teve tanto sucesso e continua a ter de fazer uma média de 200 espectáculos por ano, viajando num velho autocarro.


DVD "Padrinhos e Filhos"

Em “Padrinhos e Filhos”, Marc Levin navega também por uma rua, hoje abandonada, que foi plena de significado para a história dos blues – a Maxwell Street – mas num meio completamente diferente, o dos blues de Chicago.
Levin mergulha no meio musical inovador da cidade pela mão de Marshall Chess, filho de Leonard Chess, o fundador da lendária editora Chess Records, que lançou Howlin Wolf, Muddy Waters, Willie Dixon. Marshall recebeu em tempos um e-mail de Chuck D, dos Public Enemy, que lhe afiançou que o seu disco preferido de Muddy Waters era “Electric Mud”, álbum psicadélico que Marshall convencera o “bluesman” a gravar em 1968. Resultado: Marshall junta em Chicago os músicos das sessões de “Electric Mud” para gravar em estúdio com Chuck D e com o rapper local Common.
A reunião é o pretexto para Marshall nos contar o passado fascinante da Chess Records através de múltiplas histórias: como Muddy Waters lhe dava conselhos acerca das mulheres, como os Rolling Stones lhe telefonaram a pedir para gravar no estúdio da Chess ou como perguntou ao pai em que consistia o seu trabalho na editora: “Your job? Your job is watching me, you stupid motherfucker!”
Enquanto Marshall mostra Chicago a Chuck D, vamos vendo os lugares míticos dos blues da “windy city”, observando artistas de blues da cidade como Koko Taylor, Magic Slim, Lonnie Brooks ou Sam Lay a tocar ao vivo.
O documentário apresenta também um naipe de fotografias a preto e branco notáveis que pertencem ao arquivo da Chess. A não perder o extra do grande, em toda a acepção da palavra, Howlin’ Wolf a cantar “Evil (is going on “.

DVD "De Regresso A Casa"

Em “De Regresso A Casa”, Scorsese investe no blues do Delta do Mississipi e nas suas ligações a África. Utiliza, para tal, muitas imagens de arquivo e acompanha a viagem do músico Corey Harris às raízes do seu blues acústico.
Depois de entrevistar, no Mississipi, músicos locais como Sam Carr, Willie King ou Taj Mahal, Corey viaja até ao Mali, onde encontra Salif Keita, Habib Koité e Ali Farka Touré, com quem troca ideias e partilha a universalidade da música de raiz africana.
Alguns dos melhores momentos estão nos extras, onde podemos ver, sem interrupções, prestações de Taj Mahal, Corey Harris, Willie King, Keb’ Mo, Otha Turner e Salif Keita.

A não perder: Imagens de arquivo da investigação de Alan Lomax no Sul nos anos 4O
Entrevista de arquivo de Son House
Encontro em Niafunké, às margens do Rio Níger, no Mali, entre Corey Harris e Ali Farka Touré. Scorsese junta o som da guitarra de John Lee Hooker e a de Ali Farka Touré com imagens do rio.
Jam session de Ali Farka Touré e Corey Harris debaixo de uma árvore

DVD "Piano Blues"


“Piano Blues” de Eastwood, é provavelmente o melhor de todos os sete documentários. A fórmula é simples e didáctica: Clint senta-se com Ray Charles, o pianista de New Orleans Dr John ou cantora de blues de Austin, Texas, Marcia Ball ao piano ou junto a ele e discorre sobre as suas influências ou limita-se a ouvi-los tocar.
O conhecimento e o fascínio do realizador pelo instrumento e pela música são evidentes. O encadeamento com que usa imagens de arquivo – seja da geração do boogie woogie (Meade Lux Lewis, Pete Johnson), seja do rythm and blues de Big Joe Turner ou do jazz de Art Tatum – é perfeito.
“Piano Blues” é como a melhor das aulas sobre um tema apaixonante, daquelas onde todos estão felizes. Ray Charles toca com paixão o blues que mais o influenciou e os olhos de Marcia Ball brilham ao tocar um dos seus temas preferidos. No final, Clint Eastwood deixa os artistas tocar e junta pedaços enebriantes, como se de uma gigantesca jam session de piano blues se tratasse. Presenteia também os espectadores com uma montagem magnífica de imagens de arquivo e imagens actuais juntando pianistas falecidos com pianistas vivos.

Martin Scorsese Apresenta os Blues
7 DVDs, 780 minutos
distri. Lusomundo
Preço: 70 euros

O LIVRO "PÃO NOSSO DE CADA NOITE" DE RICARDO RANGEL


Clube nocturno Topázio, Lourenço Marques, 1971

Posted by Hello O livro "Pão Nosso de Cada Noite" foi editado em Maputo pela Marimbique de Nelson Saúte e inclui, além das fotos a preto e branco da noite da Rua Araújo nos anos 60 e 70 captadas pela objectiva do mestre Rangel, textos de Calane da Silva, José Craveirinha, José Luís Cabaço, Luís Bernardo Honwana, Nelson Saúte e Rui Nogar

Posted by Hello Noite de marinheiros na Rua Araújo, 1969

RICARDO RANGEL

"Ricardo Rangel nasceu em Lourenço Marques (actual Maputo) em 15 de Fevereiro de 1924. De origem euro-afro-asiática, grande parte da sua juventude passou-a na casa da sua avó negra e em várias províncias de Moçambique, acompanhando os seus pais que eram enfermeiros.
A imagem fascina-o desde criança, tendo então dedicado ao teatro de sombra. Na adolescência, emprega-se num laboratório de fotografia como ajudante de câmara escura.
Ao entrar para os quadros do jornal "Notícias da Tarde" em 1952, tornou-se o primeiro foto-repórter não branco da colónia.
Será a partir de 1960, já no jornal "A Tribuna", como chefe de reportagem fotográfica, que irá pôr em prática a sua concepção de jornalismo, revolucionando a configuração gráfica dos jornais da época. Em 1970, juntamente com outros quatro jornalistas progressistas, funda a revista "Tempo", a primeira revista a cores a ser editada em Moçambique.
Já depois da independência, em 1977, voltou a dirigir e a formar uma nova geração de foto-repórteres. Em 1981, é nomeado director do semanário "Domingo" e, em 1983, funda o Centro de Formação Fotográfica"

extraído do livro "Pão Nosso de Cada Noite", Ricardo Rangel, ediç. Marimbique

Posted by Hello Café-Bar Palace, Lourenço Marques, 1959

Posted by Hello O Grego, Boss do Café-Bar Palace, 1970

Posted by Hello Bar Mundo, 1962

Posted by Hello Bar Ritz, 1970

Posted by Hello Bar Texas, 1960

DISCOS FAVORITOS 2005

O ano ainda vai a meio e a lista dos favoritos de 2005 aqui no Estradas Perdidas já está cheia de cds. Abrimos a excepção para incluir o DVD ao vivo da Lucinda Williams:

Bruce Springsteen-"Devils and Dust"
Lucinda Williams- "Live From Austin Texas" (DVD)
Lucinda Williams- "Live At The Fillmore"
Kelly Joe Phelps- "Tap The Red Cane Whirlwind"
Willy Mason- "Where The Humans Eat"
Mary Gauthier- "Mercy Now"
Ray Willie Hubbard- "Delirium Tremolos"
John Prine- "Fair and Square"
Kathleen Edwards- "Back To Me"
William Elliott Whitmore-"Ashes To Dust"
Blind Boys of Alabama- "Atom Bomb"
Leen Ann Womack- "There's More Where That Came From"
Ryan Adams- "Cold Roses"
Jimmy LaFave- "Blue Nightfall"
Sarah Lee Guthrie & Johnny Irion- "Exploration"
Jack Johnson- "In Between Dreams"

2005-06-14

LIVE AT THE FILLMORE


Ela nunca gravara um album ao vivo. A dúvida residia em saber se conseguiria transmitir numa sala de concertos e perante uma audiência a mesma ambiência romântica, carente e quase desesperada que imprime aos discos em estúdio. A resposta é um simples sim. A autenticidade é total, Lucinda reproduz ao vivo a mesma matriz solidão/tristeza/ desolação, bem apoiada pela pedal steel e a descrição da bateria de Jim Christie. Ao contrário do DVD "Live From Austin Texas", em "Live At The Fillmore" não canta os clássicos ("Passionates Kisses", "Something that happens when we talk") mas deixa-nos com uma maioria de temas recentes, todos eles magníficos. Ouçam "Blue", "Overtime" ou "Reason to cry". Tal como em estúdio, Lucinda Williams deixa em palco o que lhe vai na alma. Magnífico. Um disco para ouvir repetidas vezes, de preferência à noite.


Lucinda Williams
"Live At The Fillmore"
Posted by Hello

2005-06-13

EUGÉNIO DE ANDRADE (1923-2005)

TENHO O NOME DE UMA FLOR

Tenho o nome de uma flor
quando me chamas.
Quando me tocas, nem eu sei
se sou água, rapariga, ou algum pomar que atravessei.

in «As Mãos e os Frutos», 1948

2005-06-10

DIA DE PORTUGAL ASSINALADO NA PRAIA DE CARCAVELOS


Posted by Hello Foto Lusa

Cerca de 500 elementos de gangs da subúrbia de Lisboa celebraram hoje o Dia de Portugal na Praia de Carcavelos. Na imagem, em cima, um momento particularmente animado das celebrações.

2005-06-09

COMO EU FALEI COM BRUCE SPRINGSTEEN

POR RUI LAUREANO (texto)

(fotos de Cris, Sónia e Marcos)

Depois de um concerto extasiante da Devils and Dust Tour em Madrid, um fã incondicional do cantor conta como passou horas a fio em busca de um autógrafo, de uma fotografia, de como ao fim de mais de 13 horas depois falou com ele e de como perdeu a foto desejada com o Boss


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Bruce Springsteen, na madrugada de dia 3 de Junho, a dar autógrafos à porta do Hotel Palace, em Madrid

Madrid, Hotel Palace 3h30 de 3 de Junho

Saímos do concerto extasiados. Uns, como eu, ainda de queixo caído com a dose concentrada de espiritualidade contida em Dream Baby Dream, outros... não… Após as despedidas, vi-me sozinho em Madrid, a desejar uma cama, confortado por saber exactamente onde estava uma à minha espera - Calle Cervantes- e convencidíssimo que sabia exactamente como lá chegar. Tinha feito o percurso a pé e memorizado cada ponto de referência. Peguei no carro e…perdi-me logo. Mas Deus existe. Ou seriam restícios da espiritualidade de “Dream Baby Dream” que me deixou temporariamente mais próximo do meu anjinho da guarda? O que é certo é que o meu sexto sentido levou-me a dar umas tantas curvas instintivamente na direcção certa de modo a ver-me numa avenida com as letras iluminadas de Hotel Palace lá bem ao fundo, sobre umas árvores altas. Coisas da Vida, não se explicam, agradecem-se.
Deixei o carro no parque do próprio hotel porque parquear no bairro é só para residentes e "há câmaras espalhadas". E só o tornarei a fazer se da próxima vez passar quatro noites em Madrid e não duas - porque custa a mesma fortuna!
Estava em pulgas e não resisti a ir espreitar primeiro, com as malas às costas e tudo, se estaria algum fã do Boss à porta do Hotel... Só para confirmar se o Boss estaria mesmo ali hospedado. Não estavam uns fãs mas uma pequena multidão que ia crescendo e crescendo. E eu, com medo de perder o evento, fiquei sem saber se devia arriscar ir ao quarto largar as malas ou esperar... E fiquei.
Enquanto esperava, ía pensando no que diria a Bruce se tivesse a chance de falar com ele. Não sabia. Que o seu concerto tinha sido "a very emotional experience"..? Estaria interessado em saber isso? Percebi que não fazia a mínima ideia do que dizer. O que normalmente é o que acontece quando se trata de alguém que não conhecemos. Bem, seria prático: Perguntaria quando viria a Portugal.
Uma hora ou hora e meia depois, dezenas de falsos alarmes e crescendos de excitação seguidos de vales de ressaca emocional, o momento esperado concretizou-se. A multidão correu para as escadas, de máquinas em riste, num frenesim de "dry lightnings", chamando por Bruce, mãos levantadas, tentanto tocar-lhe, todos a tentar chegar o mais perto possível. E ele, Bruce Sprinsteen, era a antítese dessa emoção.

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A entrada do Hotel Palace horas depois do concerto da "Devils and Dust" Tour

Como “un padre que entiende la ansiedad de sus hijos e la aceita”. Com o sorriso meio desenhado, expressão aberta, calma e habituada mas parecendo ligeiramente deslocado no meio de tamanha atenção quase descontrolada, foi recebendo beijos e assinando sobre bilhetes, fotos, capas de CDs, capas de vinis, livros e posters.. Até uma viola vi passar.
Fiquei hipnotizado no meio daquela cena frenética. Quando despertei, ainda me lembrei de pegar na máquina para tirar uma foto e sem querer acabei filmando. Então, de malas às costas e cansado, lá me meti no meio da fila mas nunca chegou a minha vez. De repente o Boss disse adeus, deu meia volta e a porta do hotel fechou-se para nós. Talvez o Boss tivesse partido aliviado por ter terminado. Muitos ficaram tristes por nem terem chegado perto. Que injustiça…

Hotel Palace 11h00 da manhã de dia 3 de Junho

Ainda desiludido por não ter conseguido um autógrafo do Bruce, quanto mais perguntar-lhe quando vinha a Portugal, decidi fazer o que tinha planeado: Turismo em Madrid. E, claro, o caminho tinha de passar em frente ao Hotel. Não vi ninguém que parecesse fã. Reparei num jovem, sentado à sombra, com um saco na mão e sem qualquer referência ao Boss na sua indumentária. Devia estar à espera de alguém. Já teria saído o Boss? Bolas... Sentei-me num canteiro em frente à atarefada entrada do Hotel, a fingir que olhava para o mapa de Madrid mas a pensar no que fazer: Perguntar se o Boss já tinha saído? Um funcionário do hotel, a lembrar Hitchcock, viu-me ali sentado e veio ter comigo. Sem introduções apontou para o mapa e disse "Here museum, very nice. Here garden, good too. Here large plaza, with tables, no cars, very pretty."
“Thank you very much", respondi. Bem, agora ficava mal continuar ali sentado.
Meti-me ao caminho, segui a sugestão do António em ir à livraria do Corte Inglês- Quantas lojas Corte inglês há em Madrid? Já alguém as terá conseguido contar todas?- para logo me desiludir. Parece que em Madrid nunca ouviram falar em livros em inglês. Consta que os Comics até deixaram de ser publicados em inglês…
Desiludido, fiquei sem saber o que fazer e a sentir o peso da solidão - 600 km longe de qualquer conhecido. Decidi voltar para o hostal e passei pelo hotel. Eis que reconheço caras da noitada anterior! Eh pá, algo se prepara!
Dois italianos que seguem o Boss avidamente, um casal com duas crianças, uma delas de colo, um casal de namorados apaixonadíssimo que viria a conhecer como Mónica “e su nobio”, um fã alto e que tinha um avião para apanhar (não chegaria a ver o Boss), o rapaz de saco na mão que tinha visto antes, “Tante”, abreviatura de Constantino, motoqueiro das Astúrias, com a sua mota parqueada em frente à porta do Hotel. O pessoal continuou a chegar: Marcos, um fã que, viria a saber, tinha comprado entradas para vários concertos mas que tinham sido confiscadas pela polícia como prova ao ser apanhado a vender uma entrada... ao preço oficial. Uma jovem muito vivaça, a Cris; outras duas jovens, curiosamente uma mais alta, a Sónia, e outra mais baixa e com um nome melodioso mas incompreensível para mim, ambas muito conversadoras. E Karen, a basca, uma sósia quase perfeita de Kate Winslet ( “Titanic”, “Finding Neverland” ), na realidade mais atraente porque tinha olhos de um verde intenso. Todas “muy guapas”.
A ocasião e a espera foi-nos juntando. Em pouco tempo, estavamos todos numa amena cavaqueira. Melhor, eles falavam que se desunhavam e eu tentava em vão perceber alguma coisa. Fui perdendo a vergonha de pedir para repetir, dando à fala a entoação "à espanhola", cheia de hs soprados (mau para quem não lavou os dentes!) e fui conhecendo aos poucos o pessoal.
A Karen era a que falava menos, o que me dava tempo de lhe fazer perguntas. Tinha consigo um presente para o Bruce: Um CD da sua autoria, em que tocava temas do Boss em acordeão: “Nothing Man”, “Devils and Dust”, “Should I Fall Behind”, “My Hometown”, “The Rising”, 15 no total… espantoso! E assim passámos horas, felizes, ansiosos, divertidos, e na companhia do porteiro que reclamava connosco por estarmos a impedi-lo de trabalhar.
Lá para as duas da tarde, sai Jon Landau, “el manager, con su família”. Sem seguranças, sem ser importunado- excepto pelos dois italianos que tinhamos visto com uma faixa à entrada do Palácio de Deportes. Ainda os ouvi dizer a Landau: "Diga-lhe que ele nos conheceu em Bolonha, ele lembra-se de nós". Landau diz que sim com a cabeça e continua em frente.
A saída de Landau fazia adivinhar o grande momento. Havia, contudo, um problema: Existiam duas portas, a principal e a lateral (as lendas falam de mais 6 portas secretas mas decidimos não contar com essas!). Fãs perguntavam aos funcionários: "Ele va a Salir?” Uns diziam que sim, outros que não. Até que um diz: “Façam uma fila em frente à porta principal, e aguardem". Chamamos os que estavam na porta lateral. Reparo que os dois italianos, que sempre lá estiveram, não arredaram pé, e penso cá para mim que eles deviam estar a agir por experiência. Saberão algo que não sabemos?
Fizémos fila para Bruce poder passar e assinar à vez. Eu estava logo à frente. O desejado autógrafo parecia estar mais perto que nunca Era desta! Duas e meia da tarde, todos alinhados em frente ao portão principal quando ele sai, sim mas pela porta lateral. Enganados! Corre tudo para ele, que fica rodeado pela mesma multidão que momentos antes estava dedicada a ser uma multidão ordeira e respeitadora. Chuva de pedidos de autógrafos, fotos, até uma entrevista de jornalista e suspeito que alguns paparazzi também. E logo se esconde na furgoneta e arranca. Um dos italianos bate no vidro da furgoneta enquanto grita lá para dentro "Bruce, see you in Bologna! See You in Bologna!"
Alguns ainda correram atrás da furgoneta. Eu nem uma foto tirei - todo aquele ambiente e finalmente ver Bruce à luz do dia e a menos de 5 metros, deixou-me anestesiado. O meu estado de espírito contrastava com o da multidão. O Boss estava “gone” mais uma vez. Alguns fãs do grupo a que me tinha juntado também tinham desaparecido na confusão. Eu continuava sem o tal autógrafo que tinha passado a manhã a desejar e que parecia ter estado tão perto. Não tinha almoçado e pensava se artista algum acharia piada àquela fixação colectiva por um autógrafo, uma palavra, uma foto…

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Marcos fala com o Boss

Restaurante Lucio, tarde de 3 de Junho

Logo após o Boss ter arrancado numa furgoneta do serviço de limpeza da câmara de Madrid- um facto que foi interpretado por alguns fãs ofendidos como um exemplo de baixeza, já que nenhum de nós, sempre atentos ao movimento das carrinhas, tinha desconfiado daquela - começaram logo a soar rumores acerca de onde o Bruce teria ido almoçar. Constava que um restaurante muito famoso de Madrid, o Lucio, estava encerrado, levando a suspeitar que tinha sido reservado para o Boss. Ora não foi preciso mais. Sem grande alarido, o grupo de que agora fazia parte estava em movimento em direcção ao Lucio. Pelo caminho, ía pensando no poder que a ânsia de estar com o Boss estava a exercer sobre nós. Já me estava a sentir um "stalker", eu que valorizo tanto a minha privacidade... Mas decididamente, não ia abandonar aquele grupo que exalava alegria e excitação de um modo quase inocente. Embora, ao mesmo tempo, a intenção de saltar à frente do Bruce onde quer que ele pudesse aparecer não me parecesse assim tão inocente.
A caminhada não foi muito longa e lá estava eu afinal a fazer turismo em Madrid. Chegámos ao restaurante e afinal, pelo som do pessoal que vinha de dentro, não parecia estar encerrado. As portas, pressionadas por uma espanhola para espreitar, não cederam. Continuámos na dúvida, e na dúvida fomos nós almoçar. De vez em quando alguém vinha espreitar à porta da taberna de onde se avistava o Lúcio para ver se havia movimento. Incrivelmente, outros fãs foram chegando. Os rumores correm depressa.
Após o almoço, fomos posicionar-nos em frente às portas do Lucio, do outro lado da rua, e alguns foram falar com o que pareciam ser dois seguranças, aspecto de homens-macaco, à porta do restaurante. Quem quer que fosse, estava alguém importante lá dentro. No primeiro andar, um empregado de mesa vestido a preceito espreitava-nos entre as portadas. Eu começava a sentir-me como um suspeito de crime! Ainda pensariam que trazia uma bomba na mochila. Os dois seguranças riam-se da situação e diziam "não temos aqui nenhum Bruce Springsteen, podem confiar", com um sorriso trocista que só atiçava mais a dúvida de todos.

Bem, de repente, percebi que não estava a gostar do meu papel no meio daquilo tudo. Estava a ficar claramente incomodado e o mais provavel seria pôr-me ao caminho para Lisboa. Despedi-me do pessoal todo e ala para o Hostal. Claro que passei primeiro pelo Hotel Palace, não fosse o (in)esperado acontecer.


Hotel Palace, 17h00 de 3 de Junho

A mini conversa com Bruce!

Aconteceu!


Ao passar pelo hotel, vejo quatro fãs apenas, encostados contra a parede do outro lado da rua. Meto conversa com eles, mostramos fotos para autografar, um tinha um quadro com uma foto de Bruce de 73, onde aparece tal como na foto da contracapa de “The Wild, The Innocent & The E Street Shuffle”. Não estava ali há mais de cinco minutos quando aparece uma carrinha e de lá sai o Boss!!
Nem queríamos acreditar! Desatámos os cinco a correr. O Boss pára em frente à porta lateral, vira-se para nós a sorrir e a ceder aos pedidos insistentes "una foto!", "una firma". Tira fotos com as três fãs ali presentes, com o braço sobre o ombro, enquanto diz "okaaay, okaaay, let's do it". Antes que se metesse porta a dentro, entrego-lhe a minha foto pedindo-lhe que a assine. E enquanto ele a assina pergunto:
"Well Bruce, when will portuguese fans be so lucky to see you perform in Portugal again?" Pareceu-me que, de repente, o facto de eu falar em inglês lhe captou a atenção. A maioria dos fãs apenas dizia frases chave em inglês.
"Well, it's hard to say, there's always so many places we want to go...", respondeu o Boss. "But it's only one more night and it's very close to Madrid", insisti. "Yeah I know, I remember well my concert in Lisbon during the Human Touch tour, it was nice. And in New Jersey, there's a small portuguese community that I know well, very nice people". Respondo eu: "Well think about it, we've heard from Sony Portugal that they want you there too." O Boss: "Yeah?"
The end. Nisto, outro espanhol aparece com o seu quadro do Bruce 1973 para autografar. O Boss distrai-se com um pedido de um marcador porque a caneta que estava a usar não iria agarrar no vidro do quadro (tal como não agarrou bem na minha foto) . Um macaco-segurança sacou de um marcador, o Bruce assinou, com dedicatória e tudo e logo em seguida despediu-se e desapareceu no interior do hotel. O meu pedido por uma foto perdeu-se no ar.
Ficámos à espera que o nosso ritmo cardíaco acalmasse, sorriso de orelha a orelha, excitados, a comentar os autógrafos e dedicatórias dos mesmos, quando passados cinco minutos regressa o meu grupo. Quando souberam que perderam o Boss por cinco minutos, bradaram aos céus de desespero divertido, porque se há coisa que nunca deixaram de fazer foi de se divertirem com todas as situações em que nos vimos. Entretanto, também eles traziam notícias. Constava que afinal o Boss tinha ido almoçar a Toledo. O Lucio tinha sido falso alarme.

Madrid, Hotel Palace, 19h00


"O Boss entrou, agora tem de sair"


Depois de ter ido guardar religiosamente a minha foto autografada, para que a tinta, que não agarrou, não saísse toda, reencontrei em frente ao Planet Holywood a Karen / Kate Winslet, que tinha desparecido durante a confusão antes do almoço. Ainda não tinha conseguido oferecer o seu cd de versões em acordeão ao Boss.
A conversa com a Karen era complicada mas muito divertida: Eu mal a percebia em castelhano e ela não me percebia em português. Eu entendia-a em inglês mas ela tinha dificuldade em se expressar... As nossas conversas podiam começar em espanhol, passar para o inglês e meter um pouco de português pelo meio. Víamo-nos obrigados a repetir duas ou três vezes qualquer coisa. E ainda aprendi a dizer “obrigado” em basco!
Disse-lhe que estava sem dormida (já tinha desistido de partir para Lisboa nessa tarde) e ela ofereceu-se para ir comigo ao hotel dela para ver se tinham um quarto para mim. Ela ficou no hotel enquanto eu fui à procura noutro sítio- a maioria dos hoteis estava lotada. Quando já estava com um quarto reservado noutra hostal perto das Puertas Del Sol voltei para o Palace. Novo plantão de espera se formava. O Boss haveria de sair para jantar e os fãs faziam questão de estar presentes. Desta vez, já ninguém tinha fé na porta principal, que o Boss nunca parecia usar.
Cerca das 19h00, depois do manager Jon Landau ter sido visto a abandonar o hotel, uma carrinha cinza pára em frente à porta lateral. Um homem de barbicha, de cara de muitos poucos amigos que e que parecia tratar os fãs como um mal difícil de suportar e que já tinhamos visto sempre que o Boss estava para sair, sai cá para fora e ordena que todos se mantenham bem longe da porta e da carrinha.
Do meu grupo, um fã amigo de Marcos coloca-nos todos em fila, alinhadinhos e promete que ninguém passará daquela linha. O guarda-costas responde: "That's good! Stay there. If Bruce wants to go to you, he will. If not, he will just enter the van directly and you'll stay there".
No meio da confusão, duas senhoras nos seus cinquenta perguntam em inglês o que se passa ali. Eu explico-lhes: “ Bruce Springsteen is coming out of this door”. Não queriam acreditar: “You're kidding?!? THE Bruce Springsteen?? No way!! He's staying in our hotel?? Oh my gawd!" Eram duas escocesas, com um sotaque delicioso, uma delas fã, e que se juntaram a nós para ver o Boss.
O Bruce apareceu, mas não parou. Acenou e entrou na carrinha. Os fãs bem estenderam os braços a segurar capas, fotos, livros, mas desta vez nada. A carrinha arranca e Tante, o motoqueiro, arranca na sua mota atrás.
Parece que desta vez introduzimos um espião!
Eu estava boquiaberto com as coisas que o pessoal fazia!

6
Bruce Springsteen e o famigerado homem da barbicha

5
Aí vai ele, nada a fazer...

7
"Bruce, por favor..."


Madrid, ao caír da noite, dia 3 de Junho


Um bilhete para Bruce Springsteen

O nosso fã infiltrado seguiu a carrinha até à zona do Lucio, antes de a perder de vista. O pessoal meteu-se novamente a caminho. Quando chegávamos à rua do restaurante, as nossas suspeitas pareciam confirmar-se: Avistámos a carrinha cinza estacionada. Instalámo-nos descontraídamente num bar com vista para o Lucio e preocupámo-nos em beber e comer, embora sempre falando do Boss. Eu conseguia perceber muito pouco do que diziam mas não tardei a perceber que um "cunning plan" se formava nas mentes do pessoal. A Sónia tinha ido ao restaurante confirmar se o Boss estava mesmo lá. Falou com uma funcionária que... simplesmente não fazia ideia quem era Bruce Springsteen. Em desespero, perguntou a uma mais nova que respondeu: "Ah, eu bem me parecia ser ele mas um senhor de barbicha disse que não, que era só alguém que se parecia com ele...". O homem estava sempre em serviço!
O plano era este: escrever um bilhete ao Boss a pedir que no final do jantar ele nos permitisse tirar uma foto com ele, dentro do restaurante (longe dos olhares indiscretos), e pedir à empregada que o entregasse em mão a Bruce. Descobrimos, entretanto, que o motorista do Boss estava na nossa taberna! Poderíamos pedir-lhe que levasse o bilhete.
Naturalmente, não fiquei muito optimista quanto à viabilidade do plano. Obviamente, o barbicha iria fazer tudo para enxotar os fãs, quem quer que fossem. Mas também não se perdia nada em tentar. Ofereci-me para escrever o bilhete, enquanto todos íamos sugerindo o que dizer. O bilhete ficou mais ou menos assim:

"Dear Bruce,

We have been following you all day. We're sorry for that.
We don't want to disturb you but we really want to take a picture with you.
There are 9 of us (which means 9 flashes - we are doubly sorry!).

We would like to propose that we go and meet you in the restaurant in pairs,
so that it will be the least of an harassment for you.

As a proof of our good will we are returning you your driver in exchange for our
9 pictures! Thank you!

Your blood brothers"
E se querem um final anticlimático: Apenas entendi que o bilhete foi interceptado pelo barbicha e que nunca terá chegado ao Bruce, claro…

8
O grupo que seguiu Bruce Springsteen, da esquerda para a direita: Desconhecido, Mikel, Nayara, Marcos, Rui Laureano (autor do texto), Karen, Cris, Mónica, Sónia e Carlos

Run to Bruce

À saída do restaurante, Bruce encontrou-nos, claro, à sua espera. Disse que seguia para o Hotel, para o esperarmos lá. A carrinha arrancou e arrancaram também os fãs todos!
Desatámos a correr na direcção do Palace, uma corrida de 10 minutos sem parar. Os meus pulmões pareciam rebentar, mas se parasse provavelmente ficaria sem saber como voltar para o Hotel. Uma fã, a Sónia, corria em sandálias, e nem olhava para os sinais de trânsito. Atravessava de qualquer forma. Mais tarde, comentou: "Uma coisa é divertir-me à procura do Boss, outra é arriscar a minha vida por isso. Hoje fui longe demais!".
Eu e outro fã, Mikel, irmão de Marcos, fomos ficando para trás. Quando chegámos ao Hotel já lá estava a carrinha, o Boss à porta, e só quatro fãs do nosso grupo que, cá para mim, se tinham teletransportado para ali! Karen, a basca, estava entre eles. Quando eu chegava, Karen conseguia o seu poster “Devils & Dust” autografado (para juntar à sua colecção) e oferecia a Bruce o cd, gravado a tocar temas em acordeão. "Yeah? wow - thanks!", respondeu o Boss. No fim, a cereja no topo do bolo: A foto com o Bruce, que um segurança se ofereceu para tirar.... Claro que ninguém, nem mesmo Karen, foi capaz de jurar que o Boss alguma vez viesse a ouvir aquele cd.
De repente, estava a outra fã, Sónia, a tirar uma foto com o Bruce quando saltam caídos do céu paparazzi de jornais madrilenos munidos de câmaras fotográficas com tele-objectivas a desatar às flashadas e a gritar “Bruce aqui!” Sem hesitar, o Boss desaparece. “Thanks a lot for ruining our moment...”, dizíamos nós, de várias maneiras. Eu voltei a ficar sem a minha foto com o Boss. Os paparazzi desapareceram, tal como tinham aparecido, sem darmos por eles...

Outro curioso mistério ainda estava para surgir.


O fantasma na foto

Com o Boss "arrumado" na sua suíte, fomos beber um copo a um bar de jazz e flamengo. A conversa continuou tão animada como nesse mesmo longo dia, às 11h00 da manhã, sempre acerca do mesmo tema: Bruce Springsteen. Era impossível ficar-se sem assunto porque quando se esgotava um, tornava-se a repetir outro qualquer. Curioso e impressionado com a dinâmica e a paixão deste grupo de fãs, perguntei onde se tinham todos conhecido. A resposta ainda me conseguiu espantar: Tinham-se conhecido há mais de 11 anos num concerto do Boss, e já faziam estas "perseguições" há anos...
Fomos passando as máquinas digitais e mostrando uns aos outros as fotos tiradas. De repente, houve uma que despertou a atenção e a diversão de todos: "Quem é esta? Alguém viu esta mulher no meio de nós?”
Numa das fotos tiradas no momento em que Karen entregava a Bruce o cd, via-se uma velhota, de cabelo branco apanhado formando uma bola sobre a cabeça, vestida de preto, a olhar para o Boss. "Certamente alguém que passava en la calle", disse Marcos. Ninguém se lembrava de ter visto a mulher! Eu tinha estado exactamente em frente a ela, a minha câmara fotográfica apontada para a Karen e para o Boss, pronto a disparar se eles ficassem a jeito. Tinha na objectiva a parede do hotel. Não me recordo de lá ver alguém. Agora, na foto, estava aquela velhinha! Bem, este mistério ficará sempre assim, um mistério.


Madrid, manhã de 4 de Junho de 05

A despedida


Já na madrugada de sábado, quatro de Junho, separámo-nos todos e fui dormir. Dormi mal, vá-se lá saber porquê. Acordei com a disposição de ir embora durante a manhã. Já tinha visto muito. Apesar da diversão e do sentimento de grupo, continuava a questionar, para mim, esta "vida de perseguição". Às 10:30, em frente ao Hotel Palace, o grupo já estava reunido para se despedir do Bruce quando ele o abandonasse para partir para Bolonha. Quando ele partiu, no entanto, eu já não estava com eles. Pelas fotos tiradas e que eu vi mais tarde, o Boss parou, ficou com eles uns minutos, tirou fotos com todos, assinou todos os autógrafos, recebeu prendas (colares e pulseiras) dos fãs e recebeu de Marcos uma carta a explicar a sua situação com as entradas confiscadas. Eu, se tivesse ficado, teria obtido a minha foto com o Bruce. Assim, guardo esse objectivo para a próxima, se ainda o desejar.
No entanto, depois desta experiência fantástica, deixei de sentir aquele autógrafo, ou aquela foto, como tão importantes. Vi, do meu lado, no meio daqueles fãs todos, a ânsia que parecia cega em estar com o Boss, idolatrá-lo, acarinhá-lo, sentir que ele repara em nós, querer ficar com essa prova escrita numa assinatura ou numa foto com ele... Mas vi também um homem a ser constantemente relembrado que não é uma pessoa comum, que não pode esquecer que para onde vá tem sempre uma mão cheia de desconhecidos a implorarem por atenção, a sacrificar-lhe a paz, numa relação estranha e frenética, onde se torna difícil o diálogo ponderado e de coração para coração.
Não era isso que eu desejava ter com o Boss. O ideal seria sentar numa mesa com o Bruce e outros fãs, calmamente, uma bebida à frente de cada um, deixando a conversa ganhar vida. Falar do que Bruce Springsteen é para cada um de nós e do que ele é realmente para o próprio Bruce Springsteen. Falar de onde vem aquela Magia que se forma num palco onde Bruce Springsteen-o-Homem entra. Falar do quanto Bruce-o-Músico nos dá e saber se Bruce-o-Homem recebe tanto ou mais quando nós recebemos. Eu certamente espero que sim.





Epílogo

A luta de Marcos por recuperar as suas entradas obteve resultados inesperados. Bruce respondeu à carta que Marcos lhe escreveu telefonando-lhe pessoalmente a convidá-lo a todos os concertos que restam na Tour. O caso de Marcos teve tal impacto que já foi intrevistado pela TV3 Televisão Catalã, para além de um artigo no jornal El Mundo.

Quero terminar fazendo minhas as palavras do El Mundo de 8 de Junho:

“El cantante Bruce Springsteen ha dado muestras de su buen corazón con el que seguramente desde hoy sea su más ferviente seguidor español.”

Neste dia fantástico, no meio de um batalhão de fãs empenhados em seguir o Boss para onde ele fosse, questionei as nossas acções. Será que não fariam mais mal que bem à relação que Bruce tem com os seus fãs? Mas talvez seja uma questão desnecessária, depois de conhecer a reacção de Bruce à carta de Marcos, apenas mais um fã seu.

Quando se está à frente de Bruce, rodeado de outros fãs, é difícil, senão impossível, comunicar a Bruce-o-Músico o quanto ele significa para mim. Pela sua música que me acompanha há anos, pelas emoções puras que as suas actuações despertam e por algo simplesmente indefinível. Mas será que ele já não sabe?

2005-06-06

NOVO COLDPLAY FAIXA A FAIXA

Finalmente, “X & Y” está pronto. Ouvi-lo é uma experiência para ser feita em grandes espaços ou em movimento, seja de automóvel ou avião. Coloquem os cintos e aí vamos nós.
“Square One” abre com um som atmosférico produzido pelos sintetizadores que surgem por detrás da voz de Chris Martin. Depois, vem uma batida muito anos 80, a lembrar a new wave e a seguir, a guitarra, o ritmo candenciado da guitarra e o falseto do vocalista e líder da banda. Mais tarde, o baixo, tudo remetendo para os U2. O facto de se assemelhar à banda de Dublin não deixa, no entanto, de fazer de “Square One” um grande tema pop/rock para estádios e palcos com uma grandiosa parafernália de iluminação. Termina com uma toada de balada suportada por uma viola acústica
“What If”, uma canção romântica para acender isqueiros, regressa ao bom e velho piano a que os Coldplays nos habituaram. A letra, a toada melosa, o piano, fazem dela um “must” para as rádios e para encontros de namorados. Há nela, contudo, um pouco mais do que uma simples balada pop. O falseto de Chris Martin e os sintetizadores finais transmitem-lhe uma grandiosidade “retro” própria de bandas dos anos 80.
“White Shadows” bate forte, uma batida pop irresistível, de novo com referências à guitarra dos U2 e à fórmula vocal do Bono dos anos 80. Isso faz dela uma má canção? Claro que não. O refrão, então, é feito para grandes celebrações, estádios iluminados e a fervilhar de gente por esse mundo fora. O final triunfal só com teclados é o exemplo do que é hoje em dia música de estádio, música feita para jogar com iluminação feérica.
“Fix You” representa os Coldplay na sua face mais melódica, como se a um tema mais acelerado a banda sentisse necessidade de acalmar as coisas. O piano é mais uma vez uma arma hiper romântica juntamente com o falseto do vocalista. Em quase cinco minutos de duração, há tempo ainda para juntar a viola acústica, acelerar de novo com a tal guitarra que soa muito à dos U2, juntar-lhe a batida da bateria e conjugar tudo com um refrão em coro. Quando se pensa que a canção terminou, surge de novo Chris Martin só, com a viola acústica.
“Talk” e a sua guitarra inicial soa a U2 da fase “New Year’s Day” ou “Sunday Bloody Sunday”. É uma celebração pop à qual, com a ajuda de sintetizadores, se junta uma sonoridade atmosférica, sonhadora. A meio, as coisas abrandam para dar espaço e lugar ao êxtase da plateia e depois a banda volta à carga. A pop de estádio no seu melhor.
“X& Y” dá o nome ao álbum e é uma das mais melódicas canções do álbum. É uma espécie de mistura de Lennon/McCartney e o som dos Genesis de Phil Collins, o piano combinando com a orquestração em fundo. Como grande parte do som do álbum, “X& Y” permite sonhar, abre espaços, pode servir de banda sonora aos mais diversos planos de escape do quotidiano.
“Speed Of Sound” abre com uma linha melódica de piano que é imediatamente memorizável e remete novamente para alguma pop dos anos 80. Foi provavelmente o facto de ter uma linha melódica e um refrão tão acessíveis que fizeram com que fosse escolhida para single. Não é, de longe, o mais conseguido tema do álbum.
O começo de “A Message” é um bafo de ar fresco no meio de tantos sintetizadores. Chris Martin sabe como entreter uma grande plateia e esta balada cria um espaço acústico e mais lento próprio dos grandes concertos. A orquestração e os sintetizadores, no entanto, vão estar lá e acrescentar a “A Message” a grandiosidade sinfónica que lhe faltava.
“Low” corre em ritmo acelerado, o tal que traz a marca dos U2 dos anos 80 e confude-nos: Onde começam os Coldplay e onde acabam as semelhanças com a super banda de Dublin?
“The Hardest Part” é a pop britânica no seu melhor. Contrasta com os outros temas por ser tão simples, apenas Chris Martin e o piano. É um dos temas mais próximos do som habitual dos Coldplay.
“Swallowed in the sea” é especial, diferente de todas as outras canções. Um misto de canção de embalar e hino para cantar em multidão. A letra será concerteza cantada nas primeiras filas, nas arquibancadas dos estádios e dos pavilhões.
“Twisted logic” é estranha ou pelo menos soa estranha inserida num pacote de som tão festivo. É uma canção de raiva e de tristeza num festival de temas alegres. A mais sombria do álbum.
E, finalmente, “Till Kingdom come”, a faixa escondida do álbum, a tal que soa a Pogues e foi composta por Chris Martin para Johnny Cash mas este faleceu antes de a poder gravar. Uma balada entre a folk irlandesa e a country. Magnífica.

2005-06-05

THE BIG COMEBACK


Posted by Hello A selecção portuguesa teve ontem momentos de grande futebol, sobretudo no final da primeira parte e no começo da segunda. Figo, o regressado, foi sobretudo um grande esforçado à procura de melhor forma, Cristiano Ronaldo foi soberbo, Deco impecável e uma salva de palmas para uma defesa pouco ou nunca utilizada: Alex, Jorge Andrade, Fernando Meira, Caneira e esse monstro de luta e esforço que foi o Petit. Assim sim!


P.S. Pena que a selecção continue a não ter com ela todos os portugueses. O homem que disse noutro dia que se calhar o "brasileiro que está a mais no futebol português é o que coloca Ricardo a jogar na selecção", fez questão de aparecer em directo, à hora do jogo, na Sport TV, a assistir a uma partida de hoquei em patins em Fânzeres, Gondomar, no seu Portugal pequenino e delimitado. Estava em boa companhia: Carolina Salgado, Reinaldo Teles e a claque dos "Super Dragões".

O CONTO DE FADAS DESFEZ-SE


Posted by Hello Estádio da Várzea, Cidade da Praia, Sábado dia 4 de Junho

Posted by Hello A Selecção Nacional de Cabo Verde a apenas dois ponto da poderosa África do Sul, havia já quem sonhasse com um apuramento de sonho para o Campeonato do Mundo. Ontem, no Estádio da Várzea, na Cidade da Praia, as coisas ficaram bem piores depois da derrota caseira de 1-2 para África do sul, que marcou logo aos 11 minutos por Benny McCarthy. O golo de honra da equipa treinada por Alexandre Alinho foi apontado por Cafú, jogador do Boavista.

2005-06-04

Our Beatiful Reward


Foto Site Badlands
Posted by Hello

Madrid, 2 de Junho. Sózinho, num palco algo gótico entre o azul e o vermelho, Bruce Springsteen senta-se ao orgão celestial que escolheu para a primeira de muitas das suas reinvenções da noite. Ao longo do espectáculo, num Palácio de Deportes com uma acústica perfeita e sete mil incondicionais vindos de toda a Espanha e do estrangeiro, o Boss vai entreter-se a rescrever, rearranjar, cada tema, cada canção. A primeira, “My Beatiful Reward” soa evangélica, espiritual, plana sobre a sala como se de uma igreja se tratasse.
Se alguém esperava um mero e simplista espectáculo acústico, rapidamente se apercebeu que, nesta fase amadurecida da carreira, Bruce Springsteen está cada vez mais próximos das raízes da música popular americana. Não foi por acaso que o som de fundo antes do espectáculo começar era o do bom e velho bluegrass de Bill Monroe ou Ralph Stanley. Não foi por acaso que um dos hinos de mais significado carreira de Springsteen, tenha sido tocado em registo Delta Blues. Mississipi Fred Mcdowell, Muddy Waters, teriam-na cantado assim, repetindo à exaustão o refrão “reason to believe”.
A amplificação da viola acústica e a voz cada vez mais profética de Bruce Springsteen, tornaram temas como “Long Time Coming” em celebrações e ninguém leva a mal que alguém se levante para dançar “Maria’s Bed. Afinal, que diabo, estamos num concerto do Boss e não num recital. Com o Bruce Springsteen de 2005, como já vem acontecendo de há uns anos para cá, a carga profética e espiritual é cada vez maior e a energia emocional libertada na sala por um homem só com a sua viola é quase, semelhante, a de um pregador.
Nunca o víramos, também, tantas vezes sentado ao piano. Muitos temas foram tocados ao piano como se tivessem sido acabados de compor. São clássicos como “The River” ou “My Hometown” que ele sabe que pode interpretar de várias formas. “The River” pode ser um hino rock, pode transformar-se numa melancólica balada folk e o mesmo se passa com “My Hometown”, transformada desta vez num tema ainda mais intimista, enriquecido pelo rendilhado do piano.
“The Rising”, que na anterior tournée abria os concertos com a atmosfera sonora dos teclados, transformou-se numa poderosa versão acústica. Podia ser cantada assim na tenda de um pregador dos anos 30 algures no Missouri ou nos Apalaches. O Boss despe a canção até ao esqueleto e torna-a bravia, violenta, a guitarra acústica a ecoar na sala com a força de uma banda.
“Further Up On The Road”, em toada folk/blues/ country, é aquele abraço amigo, a fraternidade “blood brother” que há muito prega nos palcos:”Where the road is dark and the seed is sowed, where the gun is cocked and the bullet’s cold, where the miles are marked in the blood and gold, I’ll meet you further on up the road”.
Bruce Springsteen deixou no Palacio de Deportes a sua marca de pregador e falou bastante, em espanhol, como na introdução de “Jesus was the only son”: “Todos los padres quieren proteger su hijos mas cada hijo tiene su destino”.
Em “The Hitter”, regressou ao registo Woody Guthrie e emociona no falseto final. A história do velho pugilista exausto que pede um último abrigo à mão rivaliza em beleza com a lindíssima “Matamoros Banks”. O Boss regressa a um dos seus temas preferidos, o dos ilegais mexicanos que atravessam a salto a fronteira sudoeste. O tema já fora cantado em “Across the border” mas em “Matamoros Banks” Bruce Springsteen presta homenagem aos que morrem a atravessá-la e a personagem deste tema forte afogou-se a atravessar o prometido Rio Grande.
Admirável foi a forma como o Boss tranformou mais tarde o rockn’roll “Ramrod” numa festa chicana. Nem precisou de acordeon porque a harmónica fez de acordeon. O ambiente no Palácio de Deportes com as primeira filas em festa, lembrou por momentos uma festa de “tejano”.
Voltou a reinventar o reportório com “The land of hope and dreams” e com o folk/ blues marcado por uma percussão ritmada em fundo. A surpresa viria no final, a romântica “My baby dream” a lembrar Roy Orbinson tocada tal como início em orgão.
No final, ficou a sensação de termos presenciado, privilegiados, um misto de pregação e de recital de um homem que salvou o rock’nroll mas está, à medida que vai envelhecendo, cada vez mais próximos das raízes da música popular americana: Blues, bluegrass, tejano, cajun, folk, country.
Bruce Springsteen possui hoje um reportório/património/ legado que o coloca no mesmo patamar de figuras lendárias como Hank Williams ou Leadbelly. As suas músicas ficam para a posteridade, disponíveis para serem reinterpretadas em diferentes registos e versões diversas.

Foto António Matos Posted by Hello
O concerto da "Devils and Dust Tour" terminou, está tudo contente. As conversas versam a música que acabámos de ouvir


Eu
Foto Nuno Miguel

Such a night...

Foto António Matos Posted by Hello

Um entrevistador da Tele Madrid juntou fãs do Boss vindos de lugares diferentes (Málaga, Logrono, Huelva). Os portugueses eram os da ponta esquerda