AZAMBUJA BLUES
Mais adiante, numa churrasqueira, o sentimento é o mesmo. "É um caso decidido. Agora, vai ser complicado. Para aí um terço dos trabalhadores afectados são aqui da Azambuja. Já imaginou?", pergunta Francisco José Vieira, enquanto abre a grelha onde colocara diversos frangos a assar.
Muita gente na vila tem familiares ou amigos a trabalhar na GM. "Um familiar meu com 26 anos está lá a trabalhar. Comprou uma casa há pouco tempo e está a pagar o carro, é muito complicado", explica Francisco José Vieira.
Nos cafés e lojas da vila, não se fala noutra coisa. Muitos vêem a decisão da empresa como algo de poderoso, que vem de cima, quase impossível de contrariar. "Ninguém pode exigir que eles cá fiquem", desabafa um morador. "O que é que se pode fazer? Se fosse uma empresa nacional...agora assim, as pessoas têm de se limitar às ordens superiores...", comenta outro habitante.
No Café e Pastelaria Favorita, enquanto se abastecem de pão e de pastéis, não há quem não comente. "O fecho da fábrica vai pesar muito na zona e vai fazer muita falta. De certeza que vai afectar o comércio da vila. Quanto? Passe aqui daqui a um ano, que eu depois faço-lhe um balanço. Que vamos ter uma quebra, vamos...", explica o proprietário.
Em frente aos portões da fábrica, o discurso dos elementos da comissão de trabalhadores é de maior combatividade e esperança. Acaba de terminar a sessão da manhã de um plenário que se estenderá pela tarde para abranger os dois turnos e a comissão de trabalhadores explica às televisões os últimos desenvolvimentos. Paulo Vicente, porta-voz da comissão de trabalhadores (CM), recém-regressado de Bruxelas, fala em propostas concretas de viabilização, na vontade da germânica Wagon Automotive de instalar uma prensa junto à GM para produzir componentes.
Ao lado, Luís Figueiredo, outro elemento da CM, exprime o sentimento generalizado dentro dos portões da fábrica. Lá dentro, as situações variam. Há gente que trabalha ali há 29 anos, 30 anos. Há quem ali esteja há três anos. "A indemnização que vão receber não dá nem para os tremoços", desabafa Luís Figueiredo. Há inclusivamente o caso de um casal da Azambuja que, com um filho de três anos, trabalham há vários anos na fábrica.
"As pessoas estão preocupadas, ansiosas mas ao mesmo tempo com esperança. Ao fim de contas são 1.800 pessoas que vão para a rua. Não podemos deixar de lutar. Vamos lutar até ao fim", garante Luís.
Às 14h35, os trabalhadores do primeiro turno saem pelos portões fora com a mesma rapidez e alívio com que vemos os estudantes a sair da escola mal terminam as aulas. Uns precipitam-se de lancheiras e sacolas na mão em direcção aos carros e outros vão entrar, no parque de estacionamento da direita, em autocarros da empresa que os levarão a casa. Há ali quem more no Carregado, Alenquer, Vila Franca de Xira, Aveiras de Cima, Cartaxo. "Oh chefe, escreva aí que o dinheiro dura pouco tempo!", grita um.
Sendo a zona de entrada toda ela alvo de video-vigilância, é natural que a maioria não se queira identificar. "Não está nada decidido", diz um trabalhador", e como não está nada decidido, a minha filosofia é trabalhar o dia-a-dia enquanto o portão estiver aberto. Enquanto a porta não for fechada, vamos trabalhando. É assim..."
Outro operário que trabalha na GM há seis anos fala nas consequências psicológicas do arrastar da situação: "Há tensão lá dentro e as pessoas andam aborrecidas. Era bom que o governo desse uma ajuda ou fosse tomada uma decisão. Mas ouça, quando falo em tensão, não é tensão de as pessoas andarem à porrada, é nervosismo..." Um trabalhador que passa por perto comenta alto e bom som: "Isto aqui não é a GM, é o Júlio de Matos!"
Os operários do turno da manhã saem aos cachos, em bandos. Há ali de tudo, até motards que desaparecem num ápice na voragem da Estrada Nacional 3. Dois operários mais jovens abraçam-se, querem falar, desabafar: "O pessoal está triste, não sabemos o que vai acontecer, é tudo incertezas. Escreva aí que há tristeza, desânimo..."