Na noite de sábado, dia 5 de Março, José Reis, 30 anos, instrutor de windsurf, saíu de casa, no Bairro 1º de Maio, na Meia Praia, em Lagos, para o aniversário de um amigo de longa data no Restaurante “O Caseiro”, na localidade vizinha de Araão.
“Ele saíu todo bem disposto para a festa de anos do amigo”, conta agora a mãe, entre o destroço da perda do filho e a necessidade de não falar à comunicação social, imposta desde a primeira hora pela filha, Paula Reis, advogada em Lisboa.
A casa onde José Reis vivia com os pais é um moradia baixa, pequena, branca, uma chaminé algarvia competindo com uma pequena parabólica. De lá terá saído para o “Caseiro”, um restaurante discreto, imerso no campo, que ninguém diz que alberga uma grande sala de refeição. Ao todo, nessa noite, eram umas 27 pessoas.
“O Zé?”, pergunta o empregado que os serviu. “O Zé esteve aí cinco estrelas, estava todo bem disposto. Estavam todos, era uma festa de anos. Ele nem bebeu grande coisa”. Como é que era o José Reis? “O Zé? Era cinco estrelas, já lhe disse. Ele costumava vir aqui várias vezes com clientes lá da empresa de windsurf onde trabalhava. Alguém acredita que ele se enforcou?”
No jantar, Reis falou animadamente, entre outras coisas, sobre surf. “O meu marido faz pesca submarina e eles passaram o jantar todo a falar. Eu, que tenho sempre alguma reserva em relação a uma pessoa que já teve problemas com drogas no passado, gostei dele”, conta uma das participantes na festa.
No fim do jantar, P., o aniversariante não podia conduzir porque já tinha bebido o seu bocado. Foi José Reis que conduziu a viatura dele até Lagos, onde o grupo iniciou um périplo por vários bares. “Estivemos em dois ou três bares e entretanto, o grupo foi-se dividindo. Estavamos no bar “Taberna Velha” e o Zé disse que queria ir-se deitar porque queria ir fazer surf para a costa norte”, conta um elemento do grupo.
Na rua, antes de se dirigirem ao bar “Grand Café”, José ainda dirigiu um piropo a umas raparigas que íam a passar na rua: “Vocês é que não me estão a ver com os músculos à mostra, a fazer windsurf...”
Nessa noite, o bar Grand Café, no centro de Lagos, estava cheio. “Tinha muita gente. Tinha tanta gente que houve pessoas que não se aperceberam bem do que se passou porque o que aconteceu foi junto à entrada do primeiro andar, junto às escadas”, conta um barmen de Lagos.
Ninguém sabe dizer a hora exacta em que, na entrada do primeiro andar de chão de madeira do “Grand Café”, se iniciou a troca de palavras e agressões entre José Reis e o sub-chefe Domingos das Brigadas Anti-Crime, que ali se encontrava à paisana, como sempre.
“Eu não vi como é que tudo começou”, conta V., proprietário de outro bar na cidade, “só me apercebi da luta, dos vidros partidos no chão, dos polícias a chegarem e a levarem o rapaz. E cheirava a gás, cheirava bastante a gás”.
O facto de ter havido pessoas que não se aperceberam de desacatos tem a ver com o tamanho do bar e o facto de se encontrar apinhado. Sobem-se umas escadas de pedra por entre paredes em túnel que lembram um pouco ambientes medievais e acede-se a duas salas amplas em madeira, decoradas com arcos e colunas, grandes espelhos com grossas molduras e a figura de um anjo a pairar sobre o balcão “retro” de uma das salas. O desacato aconteceu junto à entrada, entre as escadas e a porta que dá acesso ao balcão.
“A maior parte das pessoas não deram por nada”, conta José Francisco, o gerente, “Eram umas 3h30, eu estava aqui de trás do balcão a trabalhar. Só me apercebi da confusão quando chegaram os polícias para o levar. Ele gritava “doem-me os olhos, doem-me os olhos, não vejo nada”, era só o que ele dizia. De resto, foi uma confusão normal e muita gente nem se apercebeu”.
Uma testemunha que se encontrava ao balcão diz ter visto José Reis a desentender-se com o sub-chefe Domingos, das Brigadas Anti-Crime (BAC) da PSP de Lagos. “O sub-chefe Domingos estava à paisana. O Zé disse-lhe qualquer coisa, pegaram-se os dois, o sub-chefe pega num spray e manda com gás ali para dentro. Eu fiquei com o nariz e com a garganta a arder e tive de descer as escadas e vir cá para fora”.
O facto de ter descido as escadas de pedra e ter vindo para a rua, permitiu a esta testemunha ver tudo. “O segurança do bar foi lá para separar os dois e também levou com o spray. O sub-chefe Domingos pediu reforços. Às tantas, estavam cinco ou seis polícias a caír em cima do rapaz, a bater-lhe”.
Foi então que um dos polícias que chegou perguntou ao sub-chefe Domingos porque usou o spray dentro do “Grand Café”: “Eu vi o outro a perguntar a ele: Porque é que usaste o spray aí dentro? E vi o Domingos a pegar no spray e metê-lo num guardanapo ou num pano. Foi mesmo à minha frente”.
José Francisco, o gerente, afirma que não viu spray nenhum: “Spray? Se mandaram ou não mandaram, não sei. Não cheirava a spray”. E é normal um polícia à paisana envolver-se no “Grand Café” à pancada? “Ele vem sempre aqui à paisana. Se estava em serviço ou não, não sei...”
Mesmo para quem acompanhava José Reis e pertencia ao grupo inicial que viera de Araão, as razões porque Domingos e o instrutor de windsurf se desentenderam permanecem confusas. “Há quem diga que foi o Domingos que disse: “estás a olhar para mim?” e há quem diga que o Zé o mandou para o caralho. Não sei”, diz um dos elementos desse grupo.
À porta do “Grand Café” gerou-se uma grande confusão. “Eram sete ou oito polícias. Prenderam o Zé no chão e puseram-lhe os joelhos em cima da cara, em cima da cabeça. O Zé queixava-se muito dos olhos e houve um dos amigos que até lhe foi levar água para limpar-lhe os olhos”, conta o mesmo elemento.
José Reis foi para a esquadra da PSP cerca das 4h00 da manhã do passado domingo. Dois amigos terão ido com ele e terão estado com ele na esquadra. O que se passou no interior está no segredo dos deuses. Pelo menos um dos amigos de José Reis, que esteve na esquadra, já recebeu ameaças para não falar à comunicação social. “Ele diz que já lhe telefonaram a ameaçar e que só fala à Polícia Judiciária e ao IGAI (Inspecção Geral da Administração Interna)”, explica um amigo.
Cerca das 4h00 da manhã, José Reis telefona da esquadra para a irmã, Paula Reis, em Lisboa, a pedir um advogado e ajuda. José, entretanto, é detido numa cela sem cinto e cordões dos sapatos, segundo informações da PSP.
O último turno de vigia às celas terá sido às 5h00. A PSP afirma, num comunicado enviado à comunicação social, que José foi encontrado em perigo de vida cerca das 5h20. Teria, lê-se mais tarde na imprensa, “enrolado o pescoço nas calças de ganga”. O comunicado da PSP afirma ainda que foram feitas todas as tentativas de reanimação possíveis no local, quer por agentes, quer pelo elementos do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM). Nesse mesmo documento, emitido domingo, dia 6, a PSP escusava-se a explicar onde e porquê José tinha sido detido uma vez que “a família tinha pedido descrição”. A Polícia Judiciária e a Inspecção Geral da Administração Interna (IGAI) passavam a investigar o caso.
Segunda-feira, em tempo recorde, é noticiado via Agência Lusa que a autópsia realizada no Hospital do Barlavento Algarvio confirmou suicídio por enforcamento.
Agora, na casinha baixa e branca do Bairro 1º de Maio, na Meia Praia, em Lagos, a mãe, devastada, só sabe dizer, em lágrimas, que quer saber a verdade: “Eu quero saber porque levaram o meu filho para a esquadra. Eu quero saber. Ele saíu daqui tão bem disposto, ele nem queria ir para o Grand Café”.
Ao lado, olhar cabisbaixo, testemunha da angústia da esposa e confrontado com a sua própria inquietude, José dos Reis, pai de José Reis, encolhe os ombros: “Eu só quero o apuramento da verdade. Hoje (quinta-feira, dia 10) ainda não vi a autópsia e a Polícia Judiciária ainda não veio cá. Os jornais noticiaram segunda-feira a autópsia, nós ainda não a vimos...”
Na esquadra da PSP de Lagos, o jovem comandante surge no hall de entrada, entre os olhares circunspectos e sérios dos agentes: “Não lhe posso dizer nada. O caso está sobre investigação e, por respeito para com a família...” Explico que ainda não disse o que estou ali a fazer. “Mas eu é que já sei o que quer, é o assunto do dia...”