Aquele posto de gasolina em Fortaleza, Ceará, vive de seres mal amanhados e gordos que saem num pulo dos camiões e de figuras esguias e sedutoras que circulam por ali como abelhas ao mel. São as “meninas do posto”, a maioria muito jovens, sempre rodeadas de três ou quatro homens que conversam sobre tudo, num furor de desejo que seja capaz de as atrair para a sua cabine solitária.
Norberto, o camionista, está desiludido. Ester, a morena, um jovem de silhueta generosa, que um dia ele atraíu para a cabine do camião e com quem não conseguiu “transar” porque cheirava a outros homens, conversa com um japonês. Norberto olha primeiro para Ester, ela sorri e comenta sem esconder o desprezo: “um japonês”.
Norberto, que conhece todas as “meninas do posto” mete conversa com a “baixinha”, uma morena lânguida, de anel no dedo: “Cê é casada? Onde está seu homem? Ele sabe que cê ‘tá aqui?” A “baixinha” deixa Norberto acariciar os seus cabelos encaracolados, sorri, espera que o camionista a queira para essa noite. Afinal, relativamente jovem e charmoso, Norberto é bem diferente desses “caras nojentos” que não quer conversa, só sexo rápido na cabine.
Foi então que surgiu Marluce, a loira Marluce, t-shirt, calça branca, segurando os pelos do peito nú de Norberto como uma salvação naquele posto de almas perdidas e longe de Deus. Norberto lembra-se de Marluce. “Uma noite ela não tinha onde dormir. Bateu na porta do meu camião e perguntou se podia dormir no meu camião. Eu disse: “Lógico, deita aí”. Aí, ela dormiu comigo toda a noite, não fiz nada com ela, apenas dormimos, eu acariciando seus cabelos. Aí, ela nunca mais esqueceu”.
Agora, Marluce senta-se no assento do motorista do camião de Norberto e desenrola a sua história, mãe aos 15 anos, hoje com 25 e cinco filhos, vivendo da prostituição junto dos camionistas para sustentar a prole. “Eu cobro o que quero, entendeu, eu cobro 20, 30, 50 reais, se eu gosto de um cara ou não. Agora, Norberto, eu faço o que ele quiser e não cobro. Norberto é um cara legal. Quando ele me deixou dormir no camião, eu fiquei sempre pensando nele. Você aqui conhece muito cara mas Norberto é diferente, só quer conversar com você, ajuda você”.
Durante quatro dias, Marluce não parou de pensar no camionista Norberto. Nunca mais ouviu falar dele mas nunca lhe perdoou o facto de ele ter levado Ester para o camião e não a ter levado a ela. “Eu quando me apaixono, apaixono mesmo. Norberto, você é diferente”.
A meio da conversa a altas horas na cabine do camião, surge “Baixinha”, após uma rápida “transa” num camião anónimo. “Cê tem papel? Me arruma algum?” Para lá de satisfazerem vários camionistas por noite, as “meninas do posto” não podem limpar-se na casa de banho, quanto mais lavar-se. “O vigilante não deixa, a gente tem de mijar aí, junto aos camiões”
A dado momento, Marluce precisa de urinar. Tem de descer os degraus do camião e fazer ali mesmo. “Vida triste, não é?” Qual? “A de menina de programa, caramba. Estou devendo dinheiro a todo o mundo, ainda não paguei este mês à menina que fica com meus filhos e essa danada vai contar coisa de mim aos vizinhos, sabe? Estou precisando de dinheiro demais”.
Uma amiga de Marluce, uma falsa loira, surge de vestido preto e rastejante, reconhecendo o amigo Norberto, tentando vender umas bonecas e uns pequeninos bonecos para colar no vidro do camião. “Cê não quer, para seus filhos, vá, eu faço tudo por bom preço”.
Marluce está exausta, tomou”rebite” para se poder manter acordada até às três da manhã mas o efeito foi o contrário. Deita a cabeça no volante e deixa-se dormir. Norberto volta. Marluce queria tê-lo para a noite mas Norberto não quer. Então, Marluce pede-lhe dinheiro para regressar de moto-táxi à casa de duas assoalhadas que ocupa com os quatro filhos. Ele recusa. Marluce vai embora. A última imagem que tenho dela é sentada encostada a uma árvore onde, durante toda a noite, circulam camionistas.
“Cê não tem pena dessa vagabunda. Se ela pudesse, pegava seu dinheiro e sumia. Amanhã, ela está se enchendo de cerveja na Praia do Futuro, essas meninas são umas vagabundas”, explica Norberto, “não é para ter pena não”. Mas eu tenho pena. Ainda corro a cortina do camião, Norberto a ressonar e avisto uma última vez Marluce, um camionista rondando, ela provavelmente pensando em Norberto.