estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2005-02-28

Habitua-te tu, oh Vitó!

O jornalista Luciano Alvarez deu hoje a resposta certa, nas páginas do "Público", ao muito neo-cavaquista "habituem-se" de António Vitorino. Não, não se trata de um resposta do corporativismo jornalístico mas sim uma resposta de quem preza a liberdade de imprensa e não pactua com hipocrisias.

"Habituem-se a quê? A que os jornalistas não façam perguntas quando as há para fazer? A um mundo maravilhoso em que os jornalistas obedientes só aparecem quando os políticos querem fazer propaganda? Habituem-se a quê? A que a informação só passe através do cada vez mais ridículo "off-the record", muitas vezes transmitido pela arraia-miúda dos assessores de imprensa, para que, no dia sequinte, feitos os estragos ou dados os recados, o "peixe graúdo" possa gerir o assunto de acordo com os seus interesses?
Há nas redacções uma minoria que aceita fazer "jornalismo" assim, mas a grande maioria não. E vai ter sempre perguntas para fazer: porque os cidadãos têm direito a explicações de quem os governa, e muitas vezes os jornalistas são o único veículo para os obterem"
Luciano Alvarez, Público, 28/2/2005

Totalmente de acordo.

Mourinho contra o mundo

José Mourinho ganhou a Carling Cup e não pára de coleccionar inimigos. Depois da turbulência da sua passagem por Barcelona na quarta-feira, só faltava mandar calar os adeptos do Liverpool, quer dizer, os jornalistas, diz ele. A táctica do guerreiro mor do futebol na sua plenitude.

2005-02-26

ESTÁ ALGUÉM LÁ EM CIMA?


Foto João Cortesão

Os bombeiros ainda não tinham chegado. O vizinho do quarto andar encostava-se à porta displicente como quem diz: "Aquilo é tudo gente maluca..." Foi quando vi o homem gordo e de olhos esbugalhados, o rosto todo inchado, o cabelo a fumegar, em cuecas, a roupa em desalinho. De onde vinha ele? Estava mais gente lá em cima? Sentou-se, no frio, uma das pernas em ferida, ninguém por perto para lhe trazer um cobertor. Falava um pouco em português e outro pouco em francês. Você não pode ficar aí ao frio, disse-lhe. O vizinho do quarto andar fez que não era nada com ele. Chegaram os bombeiros, a grossa mangueira preta escada acima. Nisto abre-se a porta do elevador. Quem é que vai utilizar um elevador numa ocasião destas? Era a filha, uma adolescente, piercing no lábio inferior, cachecol esverdeado de lã ao pescoço: "Voltaste a fumar no quarto, não foi, voltaste a acender cigarros no quarto", disse rispidamente para o homem aterrorizado de olhos esbugalhados. Estava no apartamento, estava no quinto andar? " Eu estava, vi tudo a arder, pirei-me. Onde é que está a minha avó?" A avó já estava em segurança na casa da vizinha do quarto andar. Quem terá ateado o fogo, afinal? "Oh, foi ele, estava na cama, deve ter deixado cair um cigarro, foi à sala, quando voltou para o quarto deve ter dado com as chamas". Os bombeiros embrulharam o homem de olhos grandes de peixe numa enorme capa isotérmica, uma coisa assim prateada. Depois pegaram nele e na mãe, que entretanto desceu atarantada pelas mãos dos bombeiros- "onde é que me vão levar?"- e meteram-nos na ambulância. "O meu pai e a minha mãe foram para a ambulância?", perguntou a jovem, impaciente. Disse-lhe que ía espreitar. Sim, lá estavam eles a ser socorridos. Voltei ao prédio a tempo de ver a rapariga a desaparecer avenida acima e a vizinha do quarto andar a perguntar: "A nossa casa está cheia de fumo. Como é que vamos lá dormir com a casa cheia de fumo?"
Posted by Hello

TELEVISION BLUES

A televisão arrasta tudo casa adentro, numa torrente lamacenta de imagens que se colam ao cérebro como pastilhas elásticas no cabelo. Por vezes, vezes demais, teimo em só reter as deprimentes. Retenho a menina peruana a quem chamam de sereia porque nasceu com as duas pernas juntas e terá de ser operada. Retenho o funeral da Irmã Lúcia mais o seu acenar infindável de lenços e aquele ritual fúnebre e lusitano-deprimente prolongado por horas. Da noite da vitória esmagadora de Sócrates, a única imagem que retenho é a daquele homem a estacionar uma carrinha branca em frente ao Hotel Altis e a despejar e distribuir à pressa bandeiras de Portugal e do Partido Socialista a um punhado de gente. Retenho aquela imagem vinda em directo de Itália de um hospital igual a qualquer outro, com umas janelas iluminadas na noite e eu a perguntar-me atrás de qual delas se esconde um frágil e solitário Santo Padre. Retenho os jovens e menos jovens deitados na madrugada fria às portas da FNAC para comprar um bilhete de 54 euros que muitos já sabem que não conseguirão comprar. E finalmente, última pastilha, retenho aqueles lenços brancos e doentios quinta-feira à noite no Estádio da Luz a despedirem-se do Sport Lisboa e Benfica como se a equipa e o seu treinador fossem a Irmã Lúcia. Por mais que tente, não consigo arrancar as pastilhas elásticas deprimentes que se me colaram no cabelo. Culpa da televisão.

2005-02-25

"Foi agressão que eu bi"

"O jogador saltou contra o outro e jogou com o braço para trás. Quando o outro vem dizer que não se passou nada, deve ser punido porque as imagens mostram que depois de ser atingido ficou no chão a contorcer-se com dores. Se fosse verdade que não se passou nada, ele tinha de ser sancionado porque esteve a fazer uma farsa"

Pinto da Costa, 25/2/2005 à Rádio TSF, sobre a suposta agressão de Simão Sabrosa a Alex no Benfica-Guimarães da semana passada

Um bilhete por amor de Deus

À frente de uma pint de guiness, num bar irlandês:
- Cresci a ouvi-los. Ainda me lembro do primeiro lp com aquele rapazinho na capa. Deve ser um homem agora. E o Bono quando cantava o "Sunday Bloody Sunday"? Tenhos os discos todos, os dvd's todos, canto o "When The Streets Have No Name" sempre que os amigos me pedem. É o The Edge a malhar e eu a curtir. Um esquema quase de telepatia, percebem? Até fui a Joshua Tree por causa deles. Um calor do caraças para ver uma árvore raquítica no meio do nada! Estive na mesma rua onde o Bono beijou aquela loira no video de Las Vegas. Vocês estão-se a rir por que não viveram uma vida com os U2. Vinte e tal anos...E quando andei feito maluco a correr pela relva do Slane Castle só para imaginar a atmosfera do concerto do DVD? Merda! Quero um bilhete! Foda-se! John, oh bartender do caralho, arranja-me um bilhete!
- Júlio, bebe o que quiseres, conversa o que quiseres mas comporta-te como um homem, senão sou obrigado a pôr-te na rua. Se ficares mais calmo sirvo-te um Jameson...
- Uuuuuuuuhhhh...não percebes que o que eu preciso é de um bilhete, homem de Deus, um bilhete..."With or without youuuuuuuuuuuuuu..."

Fãs dos U2 tratados abaixo de cão

Ou sou eu que sou do contra ou os promotores do concerto dos U2 estão a tratar os fãs da banda abaixo de cão? Em vez de terem os bilhetes à venda todos à mesma hora do mesmo dia, como aconteceu, por exemplo, quando os Rolling Stones tocaram em Coimbra, os fãs dos U2 estão entregues à bicharada.
Tantos bilhetes vão para a FNAC e para quem tiver cartão...uns poucos vão para a iol.pt, outros vão para o Sporting...mas só para quem for sócio do Sporting, outros ainda vão para o multibanco mas a horas incertas e para alguns sortudos. Agora, na terça-feira vão colocar mais bilhetes à venda em estações da BP para quem tiver cartão da BP e mil e tal pontos... O pessoal que leve cobertor e se aguente à bronca porque aqui na Ritmos & Boas já temos todos convite!

O Português (definição de um taxista)

"O português é ingovernável, insuportável e do contra"

(Definição do taxista que me levou há dias à Quinta da Fonte, na Apelação)

TRISTE E LAMENTÁVEL

Também não gosto das tácticas muito pouco à Benfica de Trapattoni, também não me agrada o joguinho covarde de contenção que o italiano tenta implementar sem qualquer sucesso. Mas...o comportamento dos adeptos que ontem vaiaram os jogadores durante grande parte do Benfica-CSKA e acenaram lenços brancos é vergonhoso. Preferível que não fossem lá. A maioria dos jogadores foi inexcedível em entrega ao jogo. Com que direito é que um jogador como o João Pereira, que ontem deu tudo o que podia e devia, é vaiado daquela maneira no fim do jogo? E o Mantorras, porventura andou lá a dormir? Não gostam do treinador, vaiem-no a ele mas poupem os jogadores!

2005-02-23

MARAJÓ DREAMING


Ilha do Marajó, Soure, 2001 Posted by Hello
"Oh, isso aqui é bom demais..."
Seu António, do Angela's Bar (Praia Grande, Salvaterra, Marajó) servindo mais peixe frito e cerveja Cerpa numa noite daquelas de ficar na praia, uma fogueira e um violão

A voz do agredido

«Penso que não se passou nada. São lances perfeitamente normais do futebol, onde dois jogadores disputam a bola no ar. Tanto ele como eu queríamos ganhar essa mesma bola e, na tentativa de se elevar o mais alto possível, é natural que o Simão Sabrosa me tenha tocado», contou ontem Alex, do Vitória de Guimarães à Rádio Renascença. «Mas penso que não houve intenção alguma de me agredir, nem sequer qualquer maldade», acrescentou.

2005-02-22

Habituem-se, sua cambada!

"Com Fócrates o governo não se faz na comunicação social nem para a comunicação social! Habituem-se, sua cambada de ranhosos, porta-microfones, escribas ignorantes do caralho, sempre atrás de um passo em falso, uma escritura mal redigida, uma siza por pagar. Com Fócrates, o governo é feito por mim!"
(anónimo à porta do Hotel Altivo na noite das eleições)

Vai tudo pelos ares!

O Governo seguiu a recomendação da Autoridade da Concorrência e decidiu permitir a instalação de postos de combustíveis junto a hipermercados e supermercados para promover a concorrência, anunciou hoje o Ministério das Actividades Económicas. Não há dúvida que não somos apenas uma nação de pirómanos de Verão, queremos ser também um país quente, explosivo! Bum! Bum! Bum! Os Hipemercados Contente e os Feira Velha passam a ter bombas de gasolina por perto a ver se vai tudo pelos ares...

Eh pá, abram já o processo! O homem tem de jogar!

O benfiquista Simão Sabrosa pode falhar o "clássico" de segunda-feira com o FC Porto, da 23ª jornada da Superliga, depois de hoje sido alvo de um Processo Sumaríssimo da Comissão Disciplinar (CD) da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP).
O jogador, que terá alegadamente agredido Alex, ao minuto 83 do encontro de segunda-feira passada com o Vitória de Guimarães, arrisca- se a ser suspenso por dois jogos, a punição indicada pela CD da LFPF, falhando assim o confronto de líderes agendado para o Estádio do Dragão.
Simão Sabrosa, peça mais influente da equipa de Giovanni Trappatoni, único totalista da formação e o melhor marcador dos "encarnados", tem, no entanto, a possibilidade de solicitar "abertura do processo" no espaço de 48 horas, o que permitirá suspender a pena até à conclusão do processo.

2005-02-21

Curiosidades

Resultados na Costa da Caparica, onde vivo há 13 anos

Inscritos
10265
Votantes
6495
PS
2502
38,52%
PPD/PSD
1795
27,64%
PCP-PEV
693
10,67%
B.E.
652
10,04%
CDS-PP
530
8,16%
PCTP/MRPP
60
0,92%
PND
31
0,48%
PH
23
0,35%
PNR
11
0,17%
POUS
7
0,11%

Curiosidades

Resultados na freguesia da Glória, Aveiro, onde nasci e onde votei

Inscritos
9551

Votantes
6110

PS
2447
40,05%
PPD/PSD
1727
28,27%
CDS-PP
842
13,78%
B.E.
535
8,76%
PCP-PEV
257
4,21%
PND
32
0,52%
PCTP/MRPP
23
0,38%
Partido Humanista
9
0,15%
Partido Nacional Renovador
7
0,11%

Curiosidades

Capital Bloco de Esquerda Legislativas 2005: Entroncamento, com 12,8 por cento
Capital Partido Comunista: Avis, com 42,3 por cento
Capital Partido Socialista: Covilhã, com 64,7 por cento
Capital PSD: Alvaiázere, com 64,5 por cento
Capital CDS/PP: Ponte de Lima com 21, 6
Prémio Daqui Não Saio, Daqui Ninguém Me Tira: Pedro Santana Lopes
Prémio Amélia Rey Colaço: Paulo Portas
Prémio Sorriso Postiço: José Sócrates
Prémio Seguros Confiança: José Sócrates
Prémio Operário Porreiro: Jerónimo de Sousa
Prémio Melhor Ponta de Lança: Marques Mendes
Prémio Vontade De Aparecer: Edite Estrela (PS), Isaltino Morais (PSD), José Raul dos Santos, presidente da Câmara de Ourique (PSD), José Lello (PS)
Prémio Lágrimazinha Ao Canto: Telmo Correia (PP)
Prémio Não Me Comprometam: Marcelo Rebelo de Sousa (PSD)
Prémio O Fantasma da Ópera: Cavaco Silva (PSD)

Sem entusiasmo

Uma imagem marcante da noite das eleições foi, sem dúvida, a daquele homem que estacionou uma camioneta branca em frente ao Hotel Altis, cerca das 21h00 e começou a distribuir bandeiras portuguesas e do Partido Socialista às poucas pessoas que ali se tinham aglomerado.
Exceptuando aquela horda de militantes e simpatizantes aglomerados no Hotel Altis e mais tarde no Largo do Rato, Lisboa práticamente não festejou aquela que foi uma vitória esmagadora de José Sócrates.
Que falta de entusiasmo...porque será?

2005-02-20

Ficções do País Obscuro

Lisboa, ex-capital do império e do país obtuso, perdão, obscuro mais divertido do mundo, está a atrair um novo tipo de turistas. “Este é o tipo de pessoas que estão definitivamente cansados e enjoados com o perfeccionismo da nova arquitectura de cidades como Toronto ou Osaka, só para dar dois exemplos. Os que as compele a vir aqui é isto”, afirma Robert Newman, co-fundador da UP agency ( “Unbelievable Places”), exibindo a sola do sapato com uma estampa de felicidade no rosto. “Está a ver? Onde é que você tem este pedaço ressequido de merda de cão em Estocolmo, em Oslo, em Vancouver? É este o nosso mercado!”
Fomos encontrar Newman liderando um grupo de entusiasmados turistas alternativos observando extasiados a muito lisboeta Feira Popular: “Aqui, o mundo está em suspenso. Parou e avança quando e se vocês quiserem. Ninguém sabe quem é responsável por ou quem se responsabilizará por…é admirável, o conceito português da suspensão, é admirável. Nunca a irresponsabilidade foi levada tão longe…Simplesmente magnífico”.
O grupo de uma trintena de turistas vindos de cidades tão díspares como Tokio, Sidney, Montreal e Helsínquia cirandou pelo labirinto metálico da Feira Popular com a paixão dos coleccionadores. “Você não pode imaginar”, explicava o japonês Shiori Fujisaki, “ esta é a minha primeira feira de diversões que não funciona e esta é a primeira capital que eu conheço onde a principal feira não funciona!” Ao lado, a esposa, Yuri Kimuri, cujo testemunho não pudemos recolher uma vez que só falava a língua materna, fazia que sim com a cabeça enquanto ria muito, mesmo muito, até demais.
“Olhem para isto”, dizia Ken Garfield, de Vancouver, “está tudo parado. Curtam-me esta suspensão. Eu abro as narinas e tudo o que sinto é esta sensação maravilhosa, uma mistura enebriante de irresponsabilidade, decadência e doce fare niente. Aqui, sim, aqui sinto-me bem”. A seu lado, Newman não quis deixar de explicar: “Ken já está connosco há algum tempo, já integrou bem a nossa noção de suspensão, cidade suspensa. Vai dar um bom guia se continuar connosco”.
O grupo viajou depois até ao túnel do Marquês onde Robert Newman se empoleirou numa máquina das obras e falou ao grupo antes da visita. “O que vocês vão ver aqui é uma obra em total suspensão”, explicou, um sorriso deliciado nos lábios.” Pode parar, pode acabar, pode não terminar, pode arrancar rápida e subitamente porque um político assim quis ou precisa de vencer eleições. Ninguém sabe…” Um casal de Helsínquia, muito branco, muito loiro e muito simpático, Miko Heinamaki e Liisa Siltanen, não parou de fotografar uma tarja toda suja e encardida onde se lia: “Lisboa vai ficar mais bonita”.
O grupo de turistas da “UP” não pôde esconder o desapontamento quando foi informado que não seria possível visitar o túnel do metro em frente à Praça do Comércio. “Oh, dizem que já foi possível ver lá peixes e moluscos, é verdade?”, perguntava Pierre Montaigne, de Montreal, desiludido por não poder usar o escafandro que trouxe do Canadá. “Está seco, está sem utilização mas está seco, ok? Não vamos também deixar-nos contaminar pela euforia. Sabemos que esta é uma cidade suspensa e irresponsável mas vamos com calma”, sublinhou Newman, algo irritado.
Os turistas tiveram ainda a possibilidade de visitar o local onde poderá existir ou não a ponte Trafaria-Belém e apreciaram, já no Jardim do Tabaco, a doca de atracamento de cruzeiros. “Foi anunciada, não existe, está suspensa!”, gritou Newman eufórico. O anúncio foi recebido com palmas e gritos de “uau” por parte do grupo.
Ao longo da tarde soalheira, o grupo pôde ainda deliciar-se com mais pormenores magníficos. “Quem é responsável por esta obra?”, perguntava o cicerone aos turistas, em frente a uma obra ilegal na zona do Príncipe Real, “ninguém sabe…sim-ples-men-te ninguém sabe! Eis a suspensão em toda a sua plenitude!”
Quem não pareceu apreciar a visita foi um homem forte, atarracado e cimento pintalgado nas calças, a pegar num pedaço de madeira com pregos enferrujados: “Eu digo-te quem é o responsável por esta obra. Mas que é esta merda? Toca a basar daqui!”

2005-02-17

Vota meu amor

- Jorge, vais votar em quem?
- Vou votar em ti.
- Vá lá, a sério, votas em quem?
- Voto no que tu quiseres se me deixares fazer aquela coisa hoje à noite.
- Parvo, estou farta de tentar ter uma conversa a séria contigo
- O que é queres que eu te diga? Soam-me todos a falso. Bom, talvez vote Sócrates, pela mudança...
- Mas ele é de plástico, vazio, sem ideias...
- Então voto...sei lá...passa-me a tabulete de chocolate...por ti voto no Santana.
- Odeio o Santana. Ainda hoje estou convencida que foi ele que destruiu o casamento da Paula.
- Que parvoíce, estamos a falar de política. A vida dos candidatos não é para aqui chamada.
- Mas é a da Paula. Fartou-se de sofrer.
- A Paula imagina coisas, a Paula toma comprimidos. Quando foi a última vez que ela se declarou a ti?
- Jorge...estás proibido de contar essa história a quem quer que seja!
- Ok. Vamos voltar à política. Aprecio um bocado a honestidade do Jerónimo de Sousa
- E a rouquidão?
- Chupa rebuçados Dr Baiard ou Banard ou que raio era aquilo que o meu avô tomava
- E o comunismo? E Cuba e a Coreia do Norte?
- Pára! Pára! Pára! Então em quem voto eu?
- O Louçã?
- O Louça é um beato, é a esquerdazinha das virtudes...
- Andas a ler o Pulido Valente
- Sei lá o que te diga, eu não percebo nada de política, quero é que o Benfica ganhe o campeonato e...
- A minha mãe vai votar Paulo Portas
- A tua mãe votava na Irmã Lúcia se ela ainda estivesse viva e concorresse.
- Vê lá como é que tu falas da minha mãe!
- Falo com a mesma liberdade com que tu falas na minha
- A minha mãe não aspira o chão da nossa casa, da nossa casa, repito, às duas da manhã...por falar nisso, bem podia pagar a conta da electricidade deste mês
- O quê? Que conversa é essa?
- Não é conversa, é esse papel que está aí na tua mesinha da cabeceira. São 48 euros até ao dia 25 senão cortam-nos a luz.
- Merda, perdi a vontade de votar.

2005-02-16

NOVO ÁLBUM DO BOSS EM ABRIL !


Chama-se "Devils & Dust" e sai a 26 de Abril, o novo álbum do velho "Boss", um cd acústico, gravado em 12 pistas e com a companhia da guitarra, de uma pedal steel e de um violino. Venha ele!

Posted by Hello

CHUVA


O país está precisado de chuva para lavar as ruas e as almas e regar as plantas e levar na enxurrada os políticos fala-baratos. Se eu mandasse, a temperatura subia neste momento aos 30 graus e a humidade aos 80 por cento e chovia uma daquelas chuvas tropicais que no fim deixam tudo verdinho e contente e as pessoas a saltitar alegremente nas poças de lama. Posted by Hello

Debatem-se

ADEUS ATÉ AO MEU REGRESSO

"Perdi a voz, mas não perdi a esperança. No dia 20, votem na CDU e obrigado pela vossa compreensão"

Jerónimo de Sousa

OH MY GOD! OH MY GOD! NÃO DÁ PARA ACREDITAR...

Santana Lopes compareceu no debate de gravata preta em sinal de luto pela morte da irmã Lúcia.

INTO THE GREAT WIDE OPEN


Cadillac Ranch, 1995 Posted by Hello

Eddie waited till he finished high school
He went to hollywood, got a tattoo
He met a girl out there with a tattoo too
The future was wide open
They moved into a place they both could afford
He found a nightclub he could work at the door
She had a guitar and she taught him some chords
The sky was the limit

Posted by Hello Route 66, 1995

Into the great wide open
Under the skies of blue
Out in the great wide open
A rebel without a clue
The papers said ed always played from the heart
He got an agent and a roadie named bart
They made a record and it went in the charts
The sky was the limit

Posted by Hello Route 66, 1995

The future was wide open
Into the great wide open
Under them skies of blue
Out in the great wide open
A rebel without a clue
Into the great wide open
Under them skies of blue
Into the great wide open
A rebel without a clue

(Tom Petty)

2005-02-15

Bem hajas João Santos!

O nosso João Santos morreu hoje, aos 90 anos de idade. Com ele na direcção, estivemos nas finais da Taça dos Clubes Campeões Europeus de 1988, contra o PSV Eindhoven, em Estugarda, e em 1990, em Viena, contra o AC Milan. A bandeira do Benfica vai estar a meia-haste durante três dias. O Estradas Perdidas presta aqui a sua homenagem ao homem que guiava os destinos do Sport Lisboa e Benfica quando estivemos presentes na nossa última final europeia.

Portugal a preto e branco

Os lenços brancos agitados por mulheres de rosto fechado e pesaroso, o branco dos lenços e o negro das roupas contrastado com o azulado do largo da Sé Nova. Apesar da cor no ecrã dos televisores, o adeus à Irmã Lúcia tem muito de preto e branco, o Portugal profundo que emergia a preto e branco sempre que Oliveira Salazar falava ao país aos microfones da Emissora Nacional, o preto e branco dos rostos dos nossos soldados no Ultramar, o Portugal a preto e branco em que eu cresci.

Good News For Blues Lovers

O terceiro "Coimbra Em Blues" vai mesmo realizar-se, contra ventos e marés. Estão de parabéns o Paulo Furtado, "Legendary Tiger", o Teatro Gil Vicente e quem substituiu a Câmara Municipal de Coimbra no financiamento do evento. O festival, esse, promete: Big Jack Johnson, T-Model Ford, Robert Belfour! Uau! Unbelieavable!

2005-02-14

A empregada da limpeza

A empregada da limpeza africana estava a limpar muito discretamente as secretárias da redacção e sorria timidamente. Até que, de tanto ouvir falar na Quinta do Mocho, saíu do seu mundo e saltou para o nosso, ganhando coragem para falar. "Deus me livre, vivi lá quatro anos e tive de saír de lá. Os jovens estão muito agressivos, não há polícia, os taxistas não querem lá ir. Agora eu vivo na Póvoa de Santa Iria, não tem comparação, é um sossego. Na Quinta do Mocho eu tinha medo". Falava baixinho, respeitosamente, como que dizendo "perdoe-me o senhor jornalista..." Saíu da sua bolha, do silêncio de mulher da limpeza e falou com o lado de cá. Fico-lhe muito agradecido. Por saltar o muro e falar comigo.

Esquecidos por Deus

Quinta do Mocho, dia 14 de Fevereiro de 2005. "Somos emigrantes, somos angolanos, quem se preocupa connosco?", diz-me um homem cujo bafo cheira a Macieira, à porta do Lote 13. A porta de alumínio perdeu um vidro e tem outro rachado à volta de uma circunferência de bala. O alumínio está cravado de pequenos buracos. "Apareceram aqui ontem aquela hora como podiam aparecer agora. Aparecem e disparam para quem está nos passeios e às portas. Aqui, estavam quatro ou cinco crianças". A Sacavém branca está lá em baixo, separada do bairro por avenidas e rotundas. "Este meu amigo ainda pensa que o governo português deve fazer alguma coisa por nós. Eu já nem me ralo. Somos angolanos, não existimos para eles. Neste carnaval, Sacavém esteve cheia de decorações. Aqui, você vê alguma coisa?" Desço do lote 13, onde um rapaz e uma criança foram baleadas ontem por tiros de caçadeira disparados de um carro em movimento. Falo com uma mulher que traz uma criança pela mão. "Não vá por ali, aqueles rapazes podem roubá-lo", avisa. Onde está a polícia? Lá em baixo? Na Sacavém dos brancos?

2005-02-13

Sweet Memories


Posted by Hello Suécia, 1967 (foto Adelino Pedro Ferreira), o gorro, o anorak, o Opel Kadett azul. Há uma felicidade indesmentível no meu rosto. Era a primeira grande viagem, sózinho com os pais enquanto os irmãos haviam ficado em Portugal. Aquelas mãos no banco traseiro são ou da minha mãe ou da amiga sueca Dorrit. Completei cinco anos em Norsundett, a 7 de Abril de 67. What a back in time!

2005-02-11

"Queres lá ficar?"

Há uns anos largos, 97, 98, fui a Leiria fazer uma reportagem sobre as eleições autárquicas no concelho. Nessa altura, o presidente da câmara cessante, um velho dinossauro, tinha sido abandonado pelo PSD e candidatava-se pelo PP ou pelo PPM, perdoem-me a falta de memória. Fui a um sábado de manhã aos paços do concelho para falar com ele e encontrei dois indivíduos. Um deles, era presidente do clube de futebol da terra. Perguntou-me a que jornal eu pertencia e como íam as coisas no jornal. Eu disse-lhe a verdade. As coisas íam mal e estavam a reduzir o número de jornalistas. O indivíduo puxa da carteira, tira um cartão e diz-me: "Queres lá ficar? Queres lá ficar? Dá-me o teu nome que eu escrevo-o aqui num cartão e ligo a um engenheiro que eu conheço muito bem lá na administração". Recusei a amabilidade e fui entrevistar o velho dinossauro. Neste preciso momento, o indivíduo está a ser ouvido pela Polícia Judiciária no âmbito do Caso "Apito Dourado". Gostava que lhe fizessem só uma pergunta: "Queres cá ficar? Queres cá ficar?"

2005-02-10


Hoje, cheguei a casa com este disco na sacola. Resultado: It's gonna be a smooth, soul, gentle evening. "You send me..." Posted by Hello

2005-02-09

Mourinho, o senhor Pressão

Estive uma hora a ver a mega-entrevista da jornalista Clara de Sousa a José Mourinho. Como é que foi? Pressão, pressão, muita pressão. Acho que o mundo não vai lá sem pressão.

2005-02-08

CARNAVAL FLASHES

SOL, RUELAS EMPEDRADAS, TURISTAS E MÁQUINAS FOTOGRÁFICAS
Bairros do Castelo e de Alfama, banhados por um magnífico sol de Inverno. O cortejo carnavalesco serpenteia por um território cinematográfico de ruelas empedradas a paralelepípedos, casas de varandins em ferro forjado, azulejos, eléctricos pejados de turistas encantados e sorridentes que não perdem a oportunidade para tirar mais uma foto.
"TOM TOM TOM TOM TOM TOM TOM, OEH EOH!"
À frente, sempre à frente, abrindo caminho pelas ruas adormecidas do Castelo, vão os tambores ritmados e quase hipnóticos dos Tocándar (www.tocandar.com), uma espécie de Olodum da Marinha Grande que já vão no quinto ano de existência com os seus 50 bombos e 50 caixas de rufe. As ruas pouco povoadas parecem acordar à medida que se ouve o "tom tom tom, tom, tom tom tom" dos tambores batidos furiosamente pelos braços jovens de rapazes e raparigas. De vez, em quando- inevitável-dispara um alarme de automóvel. Marcando o ritmo, os jovens oscilam sempre para a direita e para a esquerda e acompanham a batida com gritos simultâneos de "oeh, eoh".
"OLHA TANTOS BOMBOS!"
Por alturas da Rua do Chão da Feira, a expressão no rosto dos organizadores é de felicidade. Afinal, não é todos os dias que se pode ter a percussão dos Tócandar a descer de forma imperial as ruas estreitas do bairro. À porta do Chapitô, até o cozinheiro vem ver o desfile e numas águas furtadas, dois homens de leste acorrem a fotografar o grupo da Marinha Grande.
"OH MY GOD!"
Os passageiros do eléctrico 28, a maioria estrangeiros, não se importam mesmo nada de esperar pela passagem do corso e divertem-se quando um mascarado lhes enfia um mar de papelinhos e serpentinas pela janela.
ALFAMA PURA E DURA
"Oh bichona, anda cá oh bichona, oh Manuela, olha o teu filho", grita uma mulher desdentada em frente a uma taberna da Rua do Vigário ao ver um rapaz de Alfama vestido de mulher, saia curta, botas altas, perna branca insinuante. "Sua bichona!"

2005-02-07

Neve em Lisboa já!

Está a nevar em força na Guarda desde ontem à noite. A queda de neve cobriu com um lençol branco monumentos, jardins, ruas, praças, telhados das casas e zonas agrícolas. Tudo para divertimento dos turistas. Agora, eu pergunto: E Lisboa? Desde quando a Guarda é melhor que Lisboa? Não é Lisboa a capital do país? Não foi já a capital do império? Chegámos a um ponto em que vale tudo. Uma cidade minúscula e insgnificante como a Guarda acaba por beneficiar de um espectáculo visual que a capital não tem. Apelo aos nossos políticos, já que estão em campanha eleitoral, para que façam alguma coisa. Neve em Lisboa já!

2005-02-06

Vá ao comício de camioneta, não paga nada

Quando o comício do PSD em Castelo Branco terminou, às 19h15, muitas das pessoas precipitaram-se para a saída do pavilhão. Para entrarem para os autocarros? Para irem ver a bola? Que estavam todos com pressa, estavam.

Rir É O Melhor Remédio

"José Sócrates é um homem de confiança"
António Guterres, Castelo Branco, 6 de Fevereiro de 2005

"Pedro Santana Lopes faz-nos sorrir"
Morais Sarmento, Castelo Branco, 6/2/2005

Sede da PIDE vai ser condomínio de luxo!

A antiga sede da PIDE/DGS, na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, vai ser transformada em condomínio de luxo. Daqui a uns anos, pergunta-se a um condónimo anónimo, aí dos seus 20 e pouco anos, se sabe o que se passou ali. "Era? Não sabia? Mas faziam torturas aqui? Em que apartamento? Ah, era um prédio que existia aqui antes deste. Ah, estou a ver...eu em História tive sempre más notas..."

2005-02-05

TERCEIRA ou o nosso melhor carnaval

No exterior da Sociedade Recreativa da freguesia de São Mateus vive-se o ambiente dos grandes dias de festa. Apesar de estarmos em Fevereiro, a temperatura é amena e grupos de rapazes conversam animadamente à porta enquanto outros se sentam com as namoradas nos muros das casas defronte. Hoje, quatro de Fevereiro, realiza-se o ansiado ensaio geral da dança de carnaval da freguesia.
O salão da Sociedade Recreativa, decorado com enfiadas de lâmpadas coloridas e palmas nas paredes, está cheio como um ovo. Na primeira fila senta-se um grupo de filarmonistas que tocará a música que o grupo dançará. Por detrás, está o público, a maioria pescadores e respectivas famílias, ansiosos por verem pela primeira vez a dança da freguesia. Há mães com as filhas ao colo, hordas de populares encostados à parede e junto á porta.
O ensaio geral destina-se em princípio a que a dança seja aprovada pela freguesia mas há que contar com o envolvimento de toda aquele gente. É que na plateia estão os familiares, as costureiras dos fatos, os autores da música e do enredo. A expectativa não pode ser maior.
Um pouco mais tarde, em frente à Sociedade União Católica da Serra da Ribeirinha, rapazes atravessam excitadamente a rua em frente para entrarem numa garagem. Aí, duas senhoras visívelmente extenuadas terminam os últimos fatos carnavalescos. Apesar de já serem 23h00, continuam a costurar rodeadas por elementos da dança da Ribeirinha. “Não temos feito outra coisa”, contam as mulheres, que recebem 7 mil escudos por cada fato, “ontem foi até às 3 h00 da manhã e hoje às 8h00 já estavamos aqui outra vez”.
A azáfama nestas duas freguesias da Terceira era perfeitamente justificada. Nos três dias seguintes, mais de 30 danças carnavalescas de outras tantas freguesias percorrem cerca de 31 salões da ilha. Ao todo, mais de mil músicos, figurantes e dançarinos estão envolvidos. O público acorre em massa às Sociedades Recreativas, calculando-se a capacidade total das salas em cerca de 20 mil lugares.
As danças carnavalescas dividem-se sobretudo em danças de espada, bailinhos e comédias. As danças de espada são as mais dispendiosas, envolvem grande número de dançarinos e figurantes e têem como enredo dramas históricos ou amorosos. Figuras fundamentais da dança de espada são o mestre e o ratão. Ao mestre, empunhando uma espada e um apito, compete saudar a assistência e apresentar, em quadras, o enredo. O ratão, empunhando uma velha bengala, é quem introduz de uma forma jocosa o elemento humorístico.
Os bailinhos, são danças mais ligeiras cujos assuntos recaiem sobre temas sociais. envolvem sátiras às Câmaras da ilha, aos emigrantes, a tudo o que pertença ao universo dos muitos autores de enredos. Por fim, as comédias são pequenas rábulas com no máximo 5 ou 6 figurantes.
Hoje, as danças desenrolam-se nos salões das Sociedades Recreativas mas dantes o seu espaço privilegiado eram os adros das Igrejas e a rua em frente às casas das pessoas mais importantes. Daí chamar-se dança de rua ou de dia. O grupo saudava a povoação, criava um espaço quadrangular entre a multidão onde apresentava o enredo e no final, agradecia às pessoas presentes fazendo inclusivamente uma colecta para pagamento das despesas. Os figurantes eram sempre homens que representavam também os papéis femininos, uma vez que às mulheres não era permitido entrar.
Com a passagem para os palcos, as danças foram evoluindo. A dança mais tradicional, a dança de espada, está a ser superada em quantidade pelos bailinhos e pelas comédias. As mulheres passaram a integrar os figurantes e este ano houve pelo menos uma mestre feminina.
Ao contrário dos corsos carnavalescos que se centram num cortejo envolvendo sobretudo adereços, disfarces e quadras satíricas, as danças carnavalescas terceirenses implicam a criação todos os anos de novas dezenas de enredos e dezenas de músicas diferentes. Grupos de criação quase institucionalizados, existem em cada freguesia. Aquele que escreveu enredos no ano anterior, é procurado para escrever enredos no ano seguinte, o mesmo se passando com os autores das músicas e os ensaiadores.
Hélio Costa, um habitante das Lajes que guia habitualmente um táxi na Praia da Vitória, escreveu onze enredos este ano. Fez um inclusivamente para o Canadá. “Já venho em Danças há 24 anos mas só comecei a fazer enredos há cinco quando não havia ninguém que me fizesse um enredo a mim”, explica. Hélio só faz enredos cómicos. Põe lá um pouco de crítica social mas, como explica, “as críticas que se ouvem nesta época a deputados, partidos e Câmaras não os afecta em nada”.
Além de escrever enredos, também participa como figurante. foi 5 anos seguidos vestido de velha. Este ano fez de lavrador e de astronauta. mas a sua especialidade são agora os enredos. “Quantas vezes vou sózinho no táxi, vem-me uma ideia, paro o carro e escrevo à pressa para a ideia não fugir”, conta.
Alguns dos enredos, sobretudo nas danças de espada, são dramas intermináveis que levam o público á lágrimas. Embora durem habitualmente no máximo 45 minutos, há deles que se estendem por quase duas horas. Uma dança de Porto Judeu, “Maria Vieira”, contando a história de uma criança vítima de tentativa de violação e assassinato por um lavrador, teve particular sucesso: mulheres, homens, novos e velhso eram vistos a enxugar lágrimas teimosas. mas muitos enredos levam a assistência à gargalhada. Desde “Um casal americano vem à Terceira” até “Uma inspecção para a tropa”.
A ilha é envolvida quase inteiramente na celebração. Algumas empresas fecham mesmo as portas e a maioria dos participantes trabalha no Sábado ou pede dispensa para poder estar livre na segunda feira”. É a melhor festa do ano. A gente até se esquece de dormir e de comer”, comentava Hélio Costa. “A segunda feira é o dia mais bonito que temos na nossa terra”, explicava emocionado Elias Ferreira, autor das músicas da Dança de Espada da Freguesia da Ribeirinha.
“A freguesia inteira vibra com o Carnaval”, comenta Maduro dias, do Gabinete da Cidade de Angra do Heroísmo, “ e gera-se uma grande quantidade de actores populares. Depois de ao fim de dois ou três anos se andar à volta da ilha a apresentar durante 3 dias um tema num palco e a receber palmas, é como um veneno que se toma e que no ano seguinte se tem de tomar outra vez.”
O fenómeno está tão enraizado que até as crianças das escolas estão a organizar as suas danças. nalgumas freguesias, sa danças partem das Sociedades Recreativas mas noutras organizam-se fora delas, em casas particulares ou em garagens e há freguesias que apresentam várias danças. A tradição começa também a extravasar os limites da própria ilha. enquanto danças de freguesias da ilha foram actuar ao Canadá e à América, danças de emigrantes do Canadá e da Califórnia vieram até à Terceira.
Para satisfazer a curiosidade do público citadino, a Câmara de Angra abre o Teatro Angrense para que as danças possam passar também por ali. Resultado: durante três dias seguidos é quase impossível arranjar um lugar sentado. No primeiro ano tiveram de fechar o Teatro à 1h00 da manhã. O público não gostou, queria continuar a ver as danças. “Quase que ia havendo tareia”, explicam-nos.
Durante todo esse tempo, ninguém arreda pé e as pessoas têem o costume de levar farnel para não perderem o lugar. O panorama dentro do velho teatro é de pasmar. Com uma lotação de 700 pessoas sentadas, terá nesses dias cerca de mil pessoas. Como não há lugares marcados nem camarotes reservados, o público acotovela-se em magotes o mais democraticamente que é possível imaginar. Apesar do espectáculo se prolongar horas e horas a fio, ninguém parece perder o interesse.
Nos caóticos bastidores do teatro, cruzam-se travestis, astronautas, cartolas e familiares dos dançarinos. À medida que vão chegando, os grupos são informados de quantos têem à frente. Quando vêem que vão ter de esperar muito, preferem partir para outra freguesia.
A primeira dança a actuar no teatro é a da Ribeirinha, cujos dançarinos, vestidos de azul e com chapéus de dois bicos, representavam o “Sacrifício do Amor”, um enredo adaptado de um romance francês. “Aquele ali é o Conde, um traiçoeiro”, vai-me sussurrando ao ouvido Henrique Cardoso, o responsável pelos ensaios das danças. “Isto agora é muito triste, ela vai chorar”, explica, “é que o Conde traiçoeiro quer casar com a rapariga”.
Cada dançarino da Ribeirinha gastou cerca de 40 contos na roupa e nos gastos com o transporte. Ao longo da ilha, dezenas de camionetas e automóveis circulam pelas estreitas estradas transportando os grupos de freguesia em freguesia. Os músicos, dançarinos, figurantes, actuam dez, onze, doze vezes no mesmo dia em pequenos palcos de madeira e perante plateias invariavelmente apinhadas. Como não há um programa previamente estabelecido para toda esta movimentação, é usual os grupos esperarem por vezes uma hora ou mais atrás de outros dois ou três grupos que chegam à mesma freguesia para actuar. Ao fim dos três dias do Carnaval, nunca se consegue completar o circuito das freguesias da ilha. “Faz-se uma média de vinte a trinta, é difícil chegar às trinta”, explicavam elementos de um bailinho das Lajes.
O estrondo de um foguete assinala a chegada de mais uma dança a cada freguesia e há delas que colocam dísticos saudando os visitantes. “Bem vindos”, lia-se nos Biscoitos. Em frente a cada Sociedade está sempre um mar de viaturas estacionadas. Todos os Salões onde passamos estão completamente cheios, seja no Cabo da Praia,em Porto Judeu, S. Sebastião ou Ribeirinha. A cena é sempre a mesma: um pequeno palco de madeira, por vezes um cenário e a sala cheia.
Percorrendo as freguesias, passa-se por camionetas de carga de onde saiem rapazes de chapéus emplumados e fatiotas listadas. Na beira da estrada, passam populares carregados com sacos cheios. São farneis para comer durante a noite passada na Sociedade. Aí, o carnaval é ocasião para um forte convívio social. Rapazes e raparigas têem ocasião para mais livremente do que o habitual, se encontrarem nos Salões Recreativos.
Para os músicos, dançarinos e figurantes, o esforço é enorme. Ao fim de oito freguesias, de oito Sociedades diferentes, estão visívelmente extenuados. “Começámos às duas da tarde”, explicava um músico que por volta das 0h30 acabara de actuar em S.Sebastião. “Especialmente para quem está a tocar instrumentos de sopro ou a cantar”, explicava Manuel Bernardo, que tocava saxofone na dança de S. Bartolomeu, “ é muito cansativo”. Na noite anterior tinham acabado de actuar às 4h00 da manhã na Sociedade Velha das Lajes. “E estava tudo cheio”, conta.
Quem canta tem tendência a enrouquecer. Há quem tome pastilhas, quem se proteja de cachecol ao pescoço ou quem muito simplesmente beba aguardente. Aliás, a única compensação para os dançarinos , figurantes e músicos,é a comida e as bebidas que cada freguesia reserva para eles no fim de cada dança. “Hoje”, diziam-nos em S. Sebastião, “já por aqui passaram umas quinhentas pessoas a comer”.
Na segunda Feira à tarde, encontramos o grupo de S. Bartolomeu prestes a partir para percorrer mais uma parte da ilha. No dia anterior percorreram doze freguesias. “Sai tudo das costas dos rapazes”, explica José Ângelo, que ajudou a ensaiar a dança. Naquele momento, os dançarinos começam a entrar para a caixa aberta de uma pequena camioneta. “Vamos à conta de Deus e dos seus Santos”, ironiza Ângelo, “ e a polícia ainda chateia por irmos assim”.
A dança de S. Bartolomeu passou por algumas dificuldades nos ensaios. Há o costume na Terceira de dizer que “a porca comeu a dança” quando os dançarinos não se entendem e não conseguem levar ao fim os ensaios. “Não chegou a comer mas esteve quase”, comentava sorridente Manuel Bernardo, o saxofonista.
Mais adiante, na Sociedade Recreativa Nossa Senhora do Pilar, em Cinco Ribeiras, o director da Sociedade fecha o pano e espera que um grupo de rapazes novos de S. Mateus se prepare. O enredo da sua comédia versa o juramento da bandeira e todos estão vestidos à tropa. “É a melhor maneira de nos divertirmos, se não houver isto torna-se chato para a gente e para as outras pessoas”, explica José Agnelo. Em S. Mateus, está habituado a viver intensamente o carnaval. “É água, farinha, garraiadas, mascaradas”.
Na Serreta, uma freguesia ventosa implantada num declive do qual se avista ao longe a Graciosa, homens jogam dominó enquanto outros se juntam no bar com os seus bonés americanos. Lá dentro, na sala, mulheres , crianças e idosos esperam mais uma dança de espada. A ilha, como um todo, não parece viver para outra coisa durante aqueles três dias.
“Quem quiser saber qual o sentimento do povo, as perspectivas para as eleições, o que está mal ou bem, é ouvir durante três dias as danças de Carnaval”, comentava Maduro Dias. “O que é bom, o que é mau, o que está chocando o povo ou o que o está alegrando, aparece nestas danças. São um perfeito inventário”.

2005-02-04

PROJECTO VAMOS ESQUECER


Posted by HelloEsqueça aquele horrendo não debate de promessas a não cumprir ou cumprir assim assim. No Oeste de Sam Shepard, Santana e Sócrates estariam os dois no chão, envoltos em poeira, depois de um ou dois socos violentos ou de um coice de um cavalo selvagem. Leia pelo menos um conto e verá que vai dormir melhor.

FORGET ABOUT IT


Posted by Hello Nada como o velho som das montanhas para esquecer um debate cinzento, vazio e urbano. Se quiser, vá um ou dois minutos à rua pegar o frio, volte a casa e coloque este DVD imperdível sobre a grande música dos Apalaches no seu leitor. Bill Monroe, "Blue Moon of Kentucky", hein? É bom ou não é? Vai dormir melhor, claro que vai! Hee haw!

WHO CARES? I AM IN SWAMPLAND!


Posted by Hello Que forma mais relaxante de esquecer Sócrates e Santana do que ouvir o blues/soul/ funk feito nos pântanos do norte da Flórida? Ponha o aquecimento no máximo, descubra uma forma de produzir humidade na sala e imagine-se na swampland, mosquitos, casas em madeira, crocodilos, homens em overalls...Que tal? Vai dormir melhor, claro que vai!

2005-02-03

Alto e pára o baile que a carruagem parou no Arizona

Esperto Madail «convidou» hoje o ministro Balão Félix a «tomar as medidas coercivas que entender» em relação aos clubes em dívida para com o Estado português: «O ministro não nos mete medo». Oh yeah, viva o velho Oeste! O ministro mete-se com o futebol, entra no saloon e leva dois tiros dos jagunços do pessoal que manda no futebol. "Ninguém mete medo à classe operária! Onde é que já se viu isto, hein...Mas quem é que esse Bagão pensa que é? Oh Careca, traz mais dois copos dessa mistela que compraste ontem ao Zé dos Alambiques! Onde é que nós íamos? Ah, é verdade...então a gaja chega-me lá ao escritório..."

Debate? Qual debate?

Fico estarrecido ao ver os comentadores de sempre a discutirem na SIC Notícias com alguma pompa um debate entre Dupont e Dupond cujo modelo importado dos Estados Unidos ajudou a esvaziar ainda mais do que já seria de esperar. Entre a demagogia barata, pose artificial e sorriso plastificado de Sócrates e o paleio de vendedor de edredons de Santana Lopes, venha o diabo e escolha. O país teve o debate que merece. Um país político curto teve um debate político curto. Um país político pobre teve um debate político pobre. Valha-nos o Lobo Antunes, o Saramago, a Paula Rego, o Jorge Palma, o Figo e o Cristiano Ronaldo, o Mourinho...os nossos políticos, decididamente não estão à altura.

P.S. Melhor momento da noite: Quando o jornalista Luís Delgado defendeu que Santana Lopes tinha ganho o debate.

Importa-se de repetir? Ihihih...

O cabeça de lista do CDS/PP por Coimbra e ministro do Ambiente, Luís Nobre Guedes, apelou hoje a um levantamento dos cidadãos locais para impedir a entrada na cidade do líder do PS, José Sócrates, devido à sua posição favorável à co-incineração.
Em declarações à Rádio Boa Nova, de Oliveira do Hospital, Nobre Guedes afirmou: "Acho que isso devia ser sancionado, ele não devia entrar em Coimbra. Coimbra devia levantar à rua e esse senhor não devia cá entrar".
Aplausos, gargalhadas, gritos de "bravo", "bravo", "queremos mais"!

P.S. E o debate Sócrates-Santana ( a não perder) ainda não começou...

"E quem não salta é laranjinha!"

O "PÚBLICO" noticia que o PS está a pedir aos seus militantes que não acorram, hoje à noite, aos estúdios da Valentim de Carvalho em Paço de Arcos, de onde será transmitido o único frente-a-frente desta campanha entre Pedro Santana Lopes e José Sócrates, por temer que "o ambiente aqueça" entre as "claques" dos dois partidos. Em 2002, no frente-a-frente Durão/Ferro nos estúdios da SIC em Carnaxide, o ambiente aqueceu e esteve a muito pouco de se chegar em cenas de confronto físico.

Chega a claque do PSD, escoltada por elementos do Corpo de Intervenção da PSP: "E esta merda é toda nossa, olé, olé! E esta merda é toda nossa, olé, olé!" Desatam aos pulos: "E oh Sócrates, vai para o car...!" A claque do PS vem dos lados de Oeiras, algo cansada, porque teve de vir a pé, escoltada pela polícia. "E quem não salta é laranjinha,olé, olé!E quem não salta é laranjinha, olé, olé!" Um elemento da Claque ergue o seu microfone: "Pessoal, vamos cantar, um, dois e três: "Força PS, vamos vencer, Somos PS até morrer!"
As coisas começam a aquecer do lado laranja: "Santaaaana, Santaaaana!" Um elemento da claque do PSD consegue surripiar uma bandeira do PS, pega no isqueiro e vai mesmo queimá-la. Não, afinal, dois polícias "infiltrados" conseguiram chegar a tempo. O homem é manietado e levado para uma carrinha azul do corpo de intervenção.
À porta dos estúdios, um assessor partidário indireita nervosamente a gravata amarela com pequenos peixinhos: "Não havia necessidade..."

PITCH FIGHTING MAN


A forma como este homem festejou ontem à noite a vitória na batalha de Blackburn é de um guerreiro. Até obrigou os rapazes a despedirem-se dos adeptos do Chelsea e tiritarem ao frio de Blackburn depois de atirarem as camisolas. Posted by Hello

2005-02-02

DREW, MS

Um festival de blues no Mississipi é algo de pessoal e intransmissível. É difícil descrever o calor, a humidade, o cheiro a suor que se confunde com o dos fritos que emana dos barbecues. No dia do festival de Drew, a rua principal da cidade foi cortada ao trânsito para que as famílias negras pudessem passear em câmara lenta, elas arrastando os traseiros redondos, eles abanando os ombros largos.
Todas as famílias trazem cadeiras que estendem junto às poucas e disputadas sombras do relvado do jardim de Drew. À medida que o calor aperta, abrem-se os guarda-sois coloridos. Quase todas as pessoas transportam bebidas na mão: ice-tea, limonadas em grandes copos cheios de gelo ou latas de budweiser embrulhadas em sacos de papel, compradas numa loja de fachada decadente, cuja porta de vidro tem uma enorme fita adesiva, com negros a saír e a entrar. “Não”, explica-me um habitante de Drew que pede duas cervejas ao balcão do clube local para que seja eu a pagar, “não podes ir lá para fora de garrafa na mão , a polícia não deixa. Mas se embrulhares num saco de papel, já não tens problemas”. A cerveja dele vem num copo de plástico cheio de cubos de gelo. Tem finas gotas de suor a brilhar na pele negra. Em Drew, uma das atracções do festival era a Parchman Blues Band, a banda do em tempos tenebroso campo prisional de Parchman, onde Bukha Withe foi preso por ter morto um homem, nos anos 30 e onde gravou canções para o investigador Alan Lomax. “Oh man, Parchman já não é tão duro como era dantes, já não apanhamos tanto algodão e se pertences à banda podes saír todos os fins de semana para tocar aqui e ali, por todo o Estado”, explica Lerry Ingram, o preso 63399. Lerry está a cumprir uma pena de dez anos por assaltos e furtos de automóveis. “Eu cresci no ghetto, em Chicago, a fazer pequenos roubos. Quando cá cheguei ao Mississipi, pensava que podia continuar no mesmo tipo de vida. Enganei-me”. Atrás do palco do festival de Drew, a convivência é total entre presos, guardas, miúdos da banda de Joh[1]nny Billington e outros cantores como Lonnie Shields ou Wesley Jefferson. Pedimos a todos os membros da banda da prisão que nos autografem uma t-shirt. Um deles é o próprio guarda, Perry Wilson, um homem magro, loiro, óculos escuros e pistola à cintura. “Estes gajos não me dão problema nenhum”, explica Perry, que toca harmónica e bateria. O problema, esse sim, é o salário pequeno. “Mas o que é que se há-de fazer, estamos no Mississipi...”
Sentamo-nos com Lonnie Shields à sombra de um arbusto, fugindo a o calor impregnado de humidade do Mississipi. Lonnie, uma camisa branca e azul, um olhar meio esgazeado, é um misto de cantor gospel e de blues que afirma colocar sempre Deus à frente em tudo o que faz na vida e que tem como ídolo, B.B. King. “You see, o meu ídolo é o B.B. Não há ninguém maior que ele. Espero um dia poder sentar-me ao lado dele e poder dizer-lhe como tem sido difícil para mim ser um cantor de blues, como tem sido difícil ir para a estrada às vezes só com um níquel no bolso. Mas eu nunca desistirei. Para mim, cantar blues é algo de espiritual. Eu estava a cantar num clube em Chicago quando se soube que tinha havido o atentado em Oklahoma e alguém veio ao pé de mim, deu-me 50 dolares e disse: “Continua a cantar. Tenta tirar os jovens das ruas, para que eles se amem e acabem com a violência”. Um músico vem chama-lo. “Lonnie, vem, vamos actuar”. Lonnie Shields ainda se vira para trás: “You see, isto é que é os blues, as pessoas sofrem, as pessoas cantam. Bye”.

CLARKSDALE STATE OF MIND

Em memória de Lonnie Pitchford

Começou a chover em Clarksdale, Mississipi e algo nos diz que não vai parar. Abrigámo-nos no alpendre de Big Jack Johnson à espera que este chegue do médico. Lonnie Pitchford trouxe o seu dee-bow, uma espécie de guitarra rudimentar que aprendeu a fazer em pequeno, na plantação onde vivia. É no fundo um bocado de madeira esculpido à mão com uma corda no meio.
Passámos por casa de Lonnie para que este pudesse trazer o instrumento e agora anseamos pela chegada de Big Jack Johnson. Quem dera que os dois, que partem nessa mesma noite para Chicago, onde participarão no festival de blues local, pudessem cantar e tocar juntos ali mesmo.
Lonnie ainda tem os olhos inchados da noite anterior. “Uh man, a polícia chegou às quatro da manhã para nos calar e sabem o que é que eu fiz? Ah!Ah! Comecei a cantar: “I don’t want no police, no police...” Lonnie é acima de tudo um músico de blues mas como ele próprio explica, precisa de dólares no bolso. “Yeah, faço trabalhos de serralharia. Gosto do cheiro da madeira. Por vezes, não me pagam mas sinto que estou a ajudar as pessoas. Afinal, sou baptista”, comenta, com um delicioso sorriso nos lábios, cinquenta por cento alcool e cinquenta por cento de pura negritude.
Ao almoço, levou-nos a um daqueles locais que só parecem existir ainda no Mississipi, um misto de juke-joint e restaurante de aldeia. Atravessamos uma sala enorme e vazia, com um palco ao fundo e uma jukebox e chegamos à sala de refeições, onde somos recebidos de sorriso aberto por duas grandes e gordas cozinheiras negras. Ao fundo, dentro de uma caixa de papelão, um porquinho da índia não para de guinchar. “Cala-te”, grita Lonnie, “cala-te que já te vamos comer!”
Lonnie nasceu a 20 milhas de Clarksdale, numa plantação de algodão. O pai morreu quando tinha dez anos. “Eu fartei-me de apanhar algodão mas acabava por adormecer no meio do campo”. Como não tinha dinheiro para comprar uma guitarra, construiu uma. Assim nasceu a guitarra artesanal de uma corda em que hoje Lonnie é especialista, o diddley-bow.
Aos 20, Lonnie tocava em festas que organizava em casa ou na Beale Street de Lexington, a sua terra natal. “Tocava na igreja aos sábados e nas juke joints aos domingos. Desde pequeno que toco sempre que tenho hipótese. O blues é algo que vem de dentro, vem do coração das pessoas deprimidas, percebes? Como quando acordas e não tens comida na mesa, começas a tocar os blues... O blues nunca morre, faz parte da minha vida, you know?”
Lonnie canta e toca em todo o lado onde possa ganhar dinheiro, seja em casa de outras pessoas ou em juke joints. Em Chicago, onde trabalhou numa loja de bebidas, tocava atrás do
balcão. Depois, chegou a tocar “Disco” no Michigan, enquanto trabalhava numa fábrica de batatas e em Kansas, Missouri, juntou-se a um grupo religioso, os Pilgrim Outlets. “Trabalhava num hospital onde faziam operações ao cérebro. Sabem o que é que eu fazia? Limpava o chão. Mas eles tinham um nome pomposo para aquilo: “floor technician”. Ah!Ah!”
Quando regressou ao Mississipi, Lonnie foi aprendendo com os velhos músicos, como Eugene Powell, Bud Spires ou Sam Chatmon. Foi Robert Lockwood, no entanto, que o introduziu na música da sua maior influência, o mítico Robert Johnson. “Yeah, acho que ele estava adiantado para a sua época, eu acho. Por isso é preciso gente como nós para a perpetuar. Como me disse uma vez Eugene Powell: “Man, ajuda a manter os blues vivos. Já não há muitos rapazes novos como tu a tocar os blues. Yeah, é verdade”.
A cozinheira traz para a mesa grandes pratos de frango e catfish frito. Lonnie coloca as mãos no estômago e rejubila. “Oh man, esta foi a minha primeira verdadeira refeição desde há vários dias, acreditem. Que grande refeição, isto é o que eu chamo de “soul food”! O porco da índia não para de guinchar. “Vocês ouvem isto? Isto é o Mississipi, man, só vês isto no Mississipi, man”.
Do restaurante, pegámos em Lonnie e no seu diddley-bow e fomos a casa de Big Jack Johnson. Como todas as moradias de negros em Clarksdale, é uma habitação térrea com portas de madeira e alpendre e muitos negros, crianças e adultos a saírem e entrarem. Lonnie quer que peçamos aos filhos de Big Jack um dedal de metal para tocar o diddley-bow mas ninguém tem coragem. “Meu Deus”, comenta Lonnie, “vamos passar 12 horas naquele maldito comboio até Chicago. Acho que vou arranjar uma garrafa de Jack Daniels no bar e ficar por ali até chegar a Chicago”.
Quando Big Jack chegou finalmente, já Lonnie Pitchford se fora. Parecia triste e melancólico, a olhar para a chuva que não queria parar. Talvez se mostrasse um pouco ressentido connosco por não termos seguido o seu conselho: “Vamos comprar uma garrafa de whisky e abancar em qualquer lado a tocar...”
Big Jack Johnson, o “oil man”, como lhe chamam por ter passado a vida a guiar camiões, é um homem grande, de blusa estampada, que enche a cadeira do alpendre à nossa frente com as costas reclinadas para trás e um sorriso nos lábios. Em 92, o manager convenceu-o a deixar os camiões e a tentar uma carreira profissional. Big Jack, que precisa de dinheiro como de pão para a boca para sustentar os seus 10 filhos, aceitou. “Oh man, nunca pensei ver tanta coisa diferente. Ainda há três semanas toquei na Europa, em Roma, em Dublin, it´s great. As pessoas na Europa tratam-te melhor, fazem-te sentir alguém. Aqui, em certos sítios, ninguém bate palmas”.
Nada afastará Big Jack, no entanto, do Mississipi. “Não gosto de cidades grandes. Estou uma semana ou duas em Chicago e fico farto daquele barulho. Aqui, guio duas milhas para dentro do campo e tenho tudo o que quero, melancias, peixe com fartura no rio. Sabem o que está ali, dentro daquele balde? É catfish. Pescamo-lo ontem à noite. É por isso que eu gosto disto. Estarei sempre aqui até o “Lord” me chamar”.
A chuva na para de caír. Dois gatinhos brincam junto à escada que dá acesso à cozinha. Chega um homem velho, de mãos enrugadas, que mostra os grandes peixes que acabou de pescar a Big Jack e a quem este chama de “Daddy”. “Chamo-lhe assim mas ele não é meu pai”.
É tempo de irmos embora. Perguntamos a Big Jack Johnson o que ele acha dessa história dos blues ser música do diabo. Robert Johnson não afirmava ter um pacto com o diabo? “Oh, son, não é verdade. O blues é uma dádiva que Deus nos deu. Temos de lhe agradecer”.

MATERIAL DA PESADA


Posted by Hello "Juke Joint" de Birney Imes, publicado pela Universidade do Mississipi, é o melhor livro de fotografias que alguma vez vi sobre os bares de blues da região, as míticas "juke joints" que a objectiva do fotógrafo captou antes da sua extinção eminente, nos anos 80. Um must para os amantes do Delta Blues, da Fat Possum, da Rooster Records e para os fãs dos blues e do Mississipi em geral

Posted by Hello "Darker Blues" foi recentemente lançado pela editora Fat Possum. Além de excelentes fotografias dos artistas da editora, traz dois cd's, um dos quais inteiramente dedicado a R.L. Burnside. Check it out, dudes!

BLUES ATÉ ENSOPAR OS OSSOS


Posted by Hello Este DVD contem o documentário do famoso realizador Robert Mugge ("Deep Blues") sobre o declínio das juke joints no Mississipi e o esforço de gente famosa como Morgan Freeman para reabilitar esses espaços ou os recriar

A arma de arremesso

"Acho péssimo que se use a vida privada de quem quer que seja para usar isso como arma de arremesso político"
"É verdade. Passa-me aí a tabulete de chocolate. Ainda tens aí a revista que trazia o Diogo Infante na capa?"
"Não, emprestei-a ao teu irmão, já te esqueces-te? Mas tenho aqui o "Crime" com a história toda na capa. Espetam a vida das pessoas na capa das revistas, dos jornais..."
"É, é indecente. Dá cá para eu ler."
"Na não, primeiro vou ler eu. Curioso..."
"Curiosa! Aposto que tens passado o tempo todo a comentar o boato com as amigas..."
"Mas nunca usaria o boato como arma de arremesso político"

O BOATO

O boato existe há muito tempo na sociedade portuguesa e sempre com efeitos devastadores. É típico de uma sociedade claustrofóbica, pequenina e mesquinha. Um grande país ou um país grande teria mais com que se entreter. Imagine-se alguém lançar no Brasil o boato de que Lula era homossexual. "Boiola é você, veado, filho da puta!"

2005-02-01

Se sofresses devagarinho era pior, filho...

" O bom é que não sofri, porque foi de repente"
Victor Fernandez

Andavas muito distraído...

"A verdade é que não o podia imaginar. Não o esperava".
Victor Fernandez


ÚLTIMA HORA

Segundo a Agência Press Press Mas Devagarinho, Carolina Salgado pode vir a substituir o demitido Victor Fernandez no comando da equipa do Futebol Clube do Porto. Nas últimas horas, de acordo com uma fonte anónima presente na casa do FCP em Espinho, Carolina terá seduzido Pinto da Costa com várias propostas irrecusáveis. Este cenário, a concretizar-se, colocaria de novo o FCP na vanguarda do futebol moderno. Diz quem sabe que Carolina tem mesmo algum ascendente psicológico sobre alguns jogadores do FC Porto, o que facilitaria a receptividade de um balneário marcado ultimamente pela indisciplina e pela difícil integração de um pitbull.

Coisas das letras

Este parece vir a ser mais um mês enriquecedor em matéria de letras e literatura. Na revista "Lia-te Toda Mas Não Me Apetece", a não perder um delicioso artigo de duas páginas do nosso já muito querido António Soares ("Manhãs de Neblina", "Caminhos Vazios"). Este último lançará daqui a duas semanas a "Mão Que Bate" (Edições Brasinha). Outro excelente romance, a não perder, o de Victor Manteiga, uma estreia absoluta, com "Em Irmã Minha Não Se Mexe". Do Blog Letras Miudinhas vem-nos entretanto esta dica imperdível- obrigado ao Letras Miudinhas- Roberto Castro volta à estampa com "Estampei-me de Vez", uma viagem pelo universo do fracasso absoluto, tanto literário como pessoal.

Posted by Hello Vou fazer óóó e sonhar com os vulcões da península da Kamchatka, à direita de Magadan e a norte do Japão e à esquerda do Alaska. Sem semáforos nem passagens para peões. Boa noite!

Porque somos tantos

"Havia coisas extraordinárias. Quando o Benfica jogava, púnhamos os altifalantes virados para a mata e, assim, não havia ataques.Parava a guerra?Parava a guerra. Até o MPLA era do Benfica. Era uma sensação um bocado estranha porque não faz sentido estarmos zangados com pessoas que são do mesmo clube que nós. O Benfica foi, de facto, o melhor protector da guerra. E nada disso acontecia com os jogos do Porto e do Sporting, coisa que aborrecia o capitão e alguns alferes mais bem nascidos. Eu até percebo que se dispare contra um sócio do Porto, mas agora contra um sócio do Benfica?Não vou por isso na entrevista...Pode pôr. Pode pôr. Faz algum sentido dar um tiro num sócio do Benfica?"
António Lobo Antunes à Revista "Visão", 2003