estradas perdidas

Atrás de casa, encoberta por tufos de erva daninha, silvas e bidões abandonados, o comboio de janelas iluminadas vinha das Quintãs e silvou depois do túnel em curva, em direcção a Aveiro. Ali ao lado há uma estrada, a minha primeira estrada. Mulheres e homens cruzam-na impelindo teimosamente os pedais das bicicletas. Junto à vitrine de um pronto-a-vestir lê-se "Modas Katita". De uma taberna, saem dois homens que se dirigem para duas Famel-Zundapp. Estrada perdida.

2006-02-28

ALTER DO CHÃO, PARÁ, BRASIL

Posted by Picasa Alter do Chão é quente. Nem Cerpa nem Skol nem Kaiser nem p... nenhuma me matava a sede. No fim da tarde, o pessoal passava no Mercantil do Mingote para se abastecer de gelados, refrigerantes...hu...cerveja para levar para a pousada onde nos esperava um quarto entretanto transformado em forno durante mais um dia de época seca na Amazónia. E o Rio Tapajós que parecia sopa e parecia aquecer mais do que refrescar? Estou-me a queixar de quê? Adorei Alter do Chão, o peixe grelhado na praia fluvial, a água morna do Tapajós, a lanzeira, a moleza, o bafo cálido dos trópicos...
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Parede em Soure, Ilha do Marajó, Estado do Pará, Brasil

O MARANHÃO DE COMBOIO

Posted by Picasa O Maranhão é uma espécie de uma enorme fazenda do tamanho da França, desarrumada e caótica, onde as estradas asfaltadas se contam pelos dedos e os anos se dividem em duas épocas igualmente quentes: época das chuvas e época seca. Tinhamos a vontade de conhecer Carolina e a Chapada das Mesas, mais as suas cachoeiras (www.carolina.com.br). Simplesmente, entre São Luís e Carolina ficam entre 800 a 900 quilómetros de mato, em cujas estradas, sobretudo à noite, são frequentes os assaltos a "ónibus" (autocarros). Existe mesmo uma empresa de autocarros maranhense, a Açailândia, que só viaja sob escolta policial. Um casal que conhecemos em Carolina e que viajou toda a noite no autocarro da Açailândia, confirmou-me a história da escolta policial."É, eu de vez em quando ía espreitando, no banco de trás e vía o carro da polícia atrás do ónibus. Mas eu acho que pouco adianta. Se tiver que ter assalto, tem mesmo...", contava Léo, um carioca, na Pousada dos Candeeiros, já em Carolina.Uma manhã, decidimos apanhar em São Luís um dos poucos comboios ainda activos no Brasil, a linha de caminho de ferro aberta pela empresa Vale Rio Doce, para transportar o minério (ferro, ouro) que explora na Serra do Carajás, no Pará. O comboio parte de São Luís do Maranhão às 8h00 mais as suas quase vinte carruagens e arrasta-se, Maranhão adentro, atravessando a fronteira com o Estado do Pará já de noite, continuando a passo de caracol em direcção a Marabá, cidade de fronteira e de garimpo.O Maranhão que, durante cerca de 10 horas de viagem, vamos observando das poucas janelas abertas ao bafo quente dos trópicos, não é bonito. Dir-se-ia que todo o mato, selva, palmeiras e vegetação original foram sendo impiedosamente desmatadas, cercadas por arame e o que restou para a população foram guetos miseráveis onde a população vive em casas de colmo ou pequenas habitações de tijolo, recortadas por ruas de terra batida que não devem ser bonitas de se ver durante a época das chuvas.Nas paragens mais remotas, filas de populares acotovelam-se junto às janelas das carruagens da classe económica, procurando vender pratos confeccionados em casa, fruta, tudo o que a maioria dos passageiros que ali viaja não poderá comprar na carruagem lanchonete do comboio, por ser demasiado caro. Em Alto Alegre, um rapaz que traz vestidos apenas uns calções, pede-me 50 centavos. Reviro os bolsos, procuro em todo o lado, só me surgem, estupidamente, pequenas moedas de euro. Funcionários da Vale Rio Doce limitam-se a brincar uns com os outros. O rapaz continua ali, no calor absurdo, de mão espetada, os pés descalços, o tronco nú, a repetir "50 centavos" até o comboio retomar o caminho e o fazer desaparecer de vista.Sempre que regressamos à climatizada e fria carruagem da primeira classe, com televisores para distraír os viajantes mais endinheirados e refeições transportadas até ao assento de cada um, é como se voltássemos a outro mundo, um universo de bagagens modernas, com rodinhas, onde o som de fundo é quase sempre o mesmo: "você me deixou...naquele momento eu só pensava em você..." A loira alta de unhas pintadas do assento atrás do meu, com umas calças de ganga onde debroaram, na parte traseira, em letras cintilantes a palavra "CANCUN", sabe as letras todas de cor.Para poder chegar a Carolina no dia seguinte, saímos ao fim da tarde na estação de Açailândia, onde apanhámos um autocarro para a maior cidade da região, Imperatriz, uma cidade com uns 10 mil habitantes no princípio dos anos 80 e que hoje tem quase 300 mil habitantes. Sentíamo-nos a abandonar a segurança do comboio quando, mesmo nos bancos à nossa frente, um homem e uma mulher começaram a conversar precisamente sobre segurança:"Mas pelo menos o trem é mais seguro, né, sem esse negócio de assalto...", dizia o homem."Que nada", ripostou a mulher, "uma vez eu 'tava vindo de São Luís, aí um bando de homem armado assaltou a lanchonete do trem, mandaram todo o mundo deitar no chão, não mexeram com passageiro mas levaram todo o dinheiro da lanchonete..."

4º COIMBRA EM BLUES

A quarta edição do COIMBRA EM BLUES realiza-se nas noites de 16, 17 e 18 de Março*
(mais uma vez realizado sem um tostão da Câmara Municipal de Coimbra)
LFK
Dia 16, no TGV, Little Freddie King

PROGRAMA DE FESTAS DESTE ANO:

Dia 16 de Março, às 21h30
Little Freddie King ( www.sonicbids.com/littlefreddieking)
www.fatpossum.com
Dia 17 de Março, às 21h30
Adolphus Bell
George Higgs
( http://www.musicmaker.org/)
Dia 18 de Março, às 21h30
Kenny Brown
(www.fatpossum.com)
Heavy Trash
(http://www.heavytrash.net/)

Estrada Alenquer-Monte Alegre, Estado do Pará, Brasil

Posted by Picasa Chegámos a Alenquer, a quente e sonolenta Alenquer e seu Dilsson já lá estava, esperando turistada portuguesa para levar para a Cachoeira do Paraíso. Calor? Um absurdo. Estrada de chão, poeira, descontracção, Brahma na barriguinha para aconchego do espírito. E o Seu Dilsson sempre contando suas histórias, de aterrissagens forçadas no mato, das não sei quantas malárias, da aterrissagem sem trem de aterragem em Manaus...fiquei até desconfiado que tanta história escondia mentirinha de seu Dilsson. "Se no era vero, era bienno trovato", é assim que se escreve? Bom, pouco depois desta foto, o seu Dilsson explicou: "Pessoal, agora todo o mundo vai ter de saír porque vai ter muita pedra aí à frente!" E todo o mundo saíu, e todo o mundo riu e todo o mundo abriu a boca de espanto quando no final da poeirada viu a concretização do sonho. Aí estava ela, a maravilhosa, a Cachoeira do Paraíso.

2006-02-27

ESTRANHO CARNAVAL

Há precisamente seis anos passei o meu mais estranho e singular Carnaval de sempre. Repetição

O meu estranho carnaval

A médica negra, os lábios descaídos, dirigiu os olhos muito abertos na minha direcção e da minha cadeira: "Você aí, porque é que está sentado aí?" Eu ? Eu? Perguntei-me várias vezes se a pergunta que me era dirigida como uma flecha seria verdadeiramente para mim. "Ah...sim...estou aqui sentado porque aquela médica— que médica? onde estava ela? Porque desapareciam todos ao fim de uns segundos rápidos de palpações no abdomen?—me disse para ficar sentado aqui".
Entrara nas urgências naquele estranho domingo de carnaval às 8h30. Há dois dias que me contorcia de dores, cólicas que iam e vinham, me faziam encolher de dor a espasmos e segurar o ventre à medida, que anormalmente dilatado, se virava contra o seu dono e o flagelava. A sala de espera tinha mais acompanhantes do que doentes. Um grupo de três mulheres falava de culinária e uma jovem descrevia a paisagem junto ao seu futuro e novíssimo apartamento na Aroeira. Tiraram-me sangue e um raio X, lá para as 10h30 e mandaram-me esperar. Atormentado pelas ondas negras das cólicas que a qualquer momento me assaltavam, ora tentava ficar sentado na claustrofóbica sala sobreaquecida e cheirando a suor, ora ficava ao ar frio da manhã. De vez em quando, agarrava-me à parede do hospital, as calças abertas no primeiro botão, a mão segurando o ventre e apetecia-me gritar.
Por volta das 15h00 voltaram-me a chamar. A essa altura já pensara várias vezes se não seria melhor bater em retirada e estender-me em casa, derrotado, à espera de uma horrível e dolorosa dor final. Uma médica forte e serena apalpou-me o abdomen e perguntou-me porque estava ali. Um idoso sentado numa cadeira de rodas perguntou ao fim de dez minutos: "desculpem, estou aqui por esquecimento?" Outro, sentado na maca, ao meu lado, queixava-se de falta de ar e arfava ruidosamente. Um homem que podava qualquer coisa com folhas no quintal de casa, tinha um pequeno rasgo na mão e queria ser suturado. "E você?", perguntou a médica a um rapaz forte, aparentemente normal. "Eu? Tenho tosse, muita tosse" e fez "cuf", "cuf" para exemplificar. Um homem jovem entrou pelo gabinete: "Desculpe, estou com dores horríveis, estou ali há cinco horas, tenho as minhas filhas à espera em casa sozinhas, quando sou atendido?" O resultado das análises do homem ainda não estavam prontas. "Vai ter de aguardar, está bem? Aguarde na sala, por favor, que o seu nome seja chamado".
Do gabinete de atendimento aos homens, via de vez em quando uma mulher da limpeza pintada com pontinhos na cara como a Pipi das Meias Altas e uma peruca verde, limpando o chão das urgências como se fosse tudo carnaval. Um enfermeiro ia-se entretendo a fazer umas partidas às colegas.
Durante todo esse tempo, um negro jazia imóvel, aparentemente a ressacar de uma grande bebedeira, sentado à minha frente. Habituei-me a vê-lo como um móvel que está numa sala de estar há anos. De repente, o homem moveu-se. Primeiro, começou a saír uma espuma branca dos dois cantos da boca. Depois, agitando muito os dois braços, foi deslizando pela cadeira até caír redondo no chão. Apeteceu-me gritar mas não saíu som nenhum. Uma voz dentro de mim dizia: "Aquele senhor está a ter um ataque!"
"Rápido, saiam da frente", disparou uma enfermeira, vasculhando frenéticamente o armário à procura de seringas. "Puxa-lhe a manga para cima, puxa-lhe a manga para cima!, exclamou, já de seringa na mão. Um batalhão de enfermeiros já se debruçava sobre o corpo agora inerte no chão.
Pouco depois, passado o alvoroço, no gabinete dos homens, instalava-se a rotina. Na sala ao lado, por detrás da vidraça, uma mãe aflita apresentou o filho, um recém-universitário muito branco e olheiras nos olhos. " Senhora doutora, isto dá-lhe desde que entrou para a universidade, fecha-se no quarto, de luz fechada e treme, treme, chora que não quer ir para a faculdade, que lá não tem amigos. E o pior é que desde que se zangou com a namorada, já me falou em suicídio". Ouvi a voz da médica elevar-se por cima das cabeças de quatro ou cinco doentes que aguardavam sentados na maca, que o jovem deprimido se fosse embora: "Rapaz, então, ânimo. Vais ter mais problemas pela vida fora..." No intervalo de mais uma cólica, apeteceu-me gritar a plenos pulmões: "Dêem-lhe um psiquiatra, porra!"
Uma outra médica, vestida com uma bata cor de alface, chegou com um clister e disse: "Vai colocar isto e ver se funciona. Escusa de ir à casa de banho da sala de espera, há uma ali". Atravessei a urgência. "Ouçam lá", gritou a mesma médica, "calem-me aquele gajo! O que é que se passa?" Um homem com uma ferida contundente na cabeça fazia: "aaaaiiiiii, aiiiiiiii". "Acho que foi a anestesia que passou", disse uma enfermeira. "Eh pa, ele que vá curar a ressaca para outro lado". A essa altura, já o rapaz esperava em pé que um Valium o pusesse mais calmo.
Quando a médica dos grandes olhos e lábios descaídos me perguntou porque estava sentado na cadeira à sua frente, eu tinha terminado de enfiar o clister sem quaisquer resultados. Na verdade, a outra tinha-me mandado esperar ali. Nunca mais a vi.
O médico seguinte, barbudo, de meia idade e fala pausada explicou-me: "Olhe, você vai ter que ficar cá para observação e provavelmente para uma expiração". Quando saíu da sala, um homem apareceu com uma maca: "Esta maca é para si? É para si ou não?" Respondi que não fazia a mínima ideia. Até que veio até mim o enfermeiro brincalhão. Tinha acabado de pregar mais uma partida porque ainda vinha a rir e a funcionária da recepção afastava-se dele tapando a boca de riso. Virou-se para mim e disse: "Você vai ser internado". Vi nos seus olhos e lábios uma malícia carnavalesca, estava exausto e cheio de dores. Dei por mim revoltado e a esbracejar: "Acho bem que brinquem ao carnaval mas eu é que não acho piada nenhuma!" O ambiente nas urgências era tão frenético que tenho a impressão que ele não me ouviu. Virou costas, deixando-me entregue ao homem da maca: "Esta maca é para si ou não?"
Senti-me profundamente ridículo e confuso quando me deitaram na maca, vestido, os sapatos educadamente tentando não sujar o lençol, acompanhado daqueles que eu considerava verdadeiros doentes, todos eles idosos, esquálidos, brancos, tossindo, soltando "ais" profundos. Atravessei de maca uma área onde todos respiravam oxigénio, até a sentir parar e uma enfermeira me pedir para me despir. "Aqui?" Claro, era ali. Puxou bruscamente uma cortina, deu-me uma bata verde que achei que me deixaria nú atrás e desapareceu, não sem antes eu ter perguntado: "As cuecas também?" Pôs as mãos à cintura— era morena, vagamente bonita— e respondeu: "Oh homem, claro". Foi então que apareceu o rapaz do espólio, encarregado de fazer o rastreio de todos os valores escondidos no recôndito dos meus bolsos. Era todo gingão e bem disposto. Não reparei se mascava chiclete mas era como se mascasse. Quando, já vestido de bata e umas ridículas pantufas verdes comecei a retirar o conteúdo dos meus bolsos, os olhos dele brilharam de alegria, não era mais uma "box", era um acontecimento. "Ouve lá, Marília, a próxima vez que eu faça um espólio destes, fujo contigo...Onde é que você ía com este dinheiro?" Só em notas contou 14 contos. Semi-despido, atordoado, rodeado de seres que ora apareciam ora desapareciam sem deixar rastos, preferi não responder. "Tiro tudo?", perguntei. "Tudo, homem, tudo cá para fora". Um tilintar metálico encheu o habitáculo à medida que saíam as moedas. "Mil e tal paus em moedas!" De vez em quando vasculhava os bolsos e saía mais uma nota amarrotada de 500 escudos. Até que chegámos às notas estrangeiras. Por essa altura, já um segundo colega se debruçava atónito sobre o meu património. "Ouve lá, vamos precisar do caderno grande para apontar isto tudo. Isto é o quê? Reais? E isto aqui? Pesetas? Saiu-nos um caixeiro-viajante..."
Não tive tempo sequer de pensar. Não percebia porque, muito de repente, os dois enfermeiros me assaltavam as narinas com um tubo de plástico comprido. "Ouça, vai ter de ficar calmo, okay? Vai ter de manter a calma". O enfermeiro das brincadeiras de carnaval enfiou o tubo pela narina direita, a coisa de plástico arranhou as paredes nasais, quis saír pela garganta, retrocedeu e continuou até ao estômago, com o enfermeiro sempre a gritar: "Engula, engula, engula! Vá, vá, está quase!" Experimentei engolir e tudo o que sentia era um objecto estranho, horrendo, entupindo-me a garganta. Queria vomitar e não conseguia.
Surgiu um novo médico de volta dos meus papeis. Viria a saber que fora ele quem detectara algo de anormal no meu raio X. Deu ordem para eu seguir para a "Gastro". Descobriria mais tarde que a "gastro", uns andares de maca aos tombos no elevador acima do caos da urgência, era um universo de acalmia e serenidade, onde enfermeiras simpáticas e médicos próximos de técnicos de manutenção de carros de fórmula 1, me esperavam para me aplicar as novas tecnologias. Nunca vira as minhas profundezas num ecrã nem sentira uma sonda bater nas costelas. A recto-escopia deve ter durado mais de meia hora. Ouvi falar em "volvo", em "anda mais para trás" e "um pouco mais à direita". Espreitei: o homem circunspecto da bata branca parecia agarrado ao volante de um automóvel enquanto a enfermeira me segurava delicadamente o ventre. " Gostava de deixar isto", explicou a segunda enfermeira para o funcionário que levaria a minha maca de novo para baixo, "é sempre a mesma coisa, muito monótono. Há especialidades mais interessantes. Acho que ia gostar de ir para a urologia, as vias urinárias, sabes?" Tinha poucas chances. "Aí já está a minha mulher, não tens hipótese", explicou-lhe o rapaz. "Vou ver para onde me posso transferir...aqui é muito parado".
Não tinha relógio, o tempo materializava-se nas idas e vindas de maca, os engasganços com o tubo, a expectativa de um outro médico, uma voz nova, uma nova instrução de viagem. Encontrei a médica forte e simpática de novo no raio X. "Já fiz, porque é que tenho de fazer outra vez?". Os médicos ainda não tinham falado comigo? "Sobre o quê? A aspiração? Sobre...?" Pediram-me para respirar fundo, encher o peito de ar e espetar a barriga contra a placa do raio X. "Ouça", disse a médica com uma serenidade inquietante. "Você vai ser operado". Quando, em que dia? "Ouça, você vai ser operado já, tem...os intestinos torcidos, percebe...e durante dois meses vai ter que usar um saco, um pequeno saco para as fezes". Não sei que reacção a mente, a minha, produziu nessa altura porque me lembro da voz interior dizer "oh meu Deus" e "está bem". Cá fora, ter-se-á ouvido um "hum hum" gelado, entre o receio e a resignação. Os olhos só humedeceriam quando vi a minha esposa, logo a seguir, na urgência. Foi coisa de dois, três minutos até a maca seguir para o bloco operatório.
A maca entrou numa sala fria e em mármore. Um ambiente alegre de quem vai colocar o avião em andamento para de seguida fazer uma viagem onde tudo correrá bem, perpassava pelas pessoas de batas brancas e verdes. Um programa de country ecoava de um rádio do canto direito. Como podiam saber que eu gostava de country? Adivinhei a voz nasalada do Randy Travis e disse para comigo: "Vamos lá a isto, "that's life"...
A médica dos olhos grandes e tranquilidade nos lábios apareceu-me já eu estava de braços estendidos como Cristo, debaixo de umas lâmpadas redondas e ominpresentes. "Caramba, você persegue-me", disse-lhe quase a rir. Sentia-me surpreendentemente bem. Perguntei-lhe se podia assistir à operação, se era anestesia local. Nem pensar, disse. Recordo a máscara e aquela voz feminina despachada, de quem parece pensar"vamos lá e nada de mariquices", dizer: "Respire, respire, é oxigénio puro!"
Foi tão bom. Devo ter dormido entre duas a três horas. Já não pregava olho há duas noites. Senti uma profunda sensação de desilusão ao acordar, queria mais, tinha sido muito agradável. Parecia apenas que me tinham dado um valium 10. As cabeças femininas enevoadas sobre a minha cama-maca fizeram-me retroceder a duas horas atrás. Como num sonho, ouvi o meu anjo protector, a minha médica, explicar que não precisara de saco. Devo ter ficado por ali mais de uma hora. Dei por mim a ouvir conversas privadas das enfermeiras. "Ali há qualquer coisa que eu ainda vou descobrir, ela anda ultimamente com uma atitide muito estranha", falava a que parecia a líder de opinião. Falavam de folgas, de jogadas e de golpadas, de inveja, de favorecimentos. Meu Deus, porque todos os empregos serão iguais? A mais faladora pedia união contra o que percebia ser um lobby de outras enfermeiras. Estendido ao comprido, supostamente alheio a tudo, eu não existia. Imaginar-me-iam ainda a dormir? Estavam-se nas tintas. Mal sabiam que aquela era agora a minha novela e elas as minhas actrizes.
O estado de graça demorou pouco. Não só voltaram as cólicas—estremecimentos aflitivos e dolorosos na horizontal— como a linha vertical que eu supunha por debaixo de uma enorme almofada de gaze, iniciou as suas próprias erupções e queixumes. Passei a noite sem dormir, a tocar na campainha e a agradecer aqueles anjos noctívagos de bata branca, sempre que apareciam com mais uma dose de analgésico para a veia. Os meus companheiros de quarto eram dois idosos, um rabujento e de poucas palavras, outro um incontrolável falador que passou a noite a chamar as enfermeiras— "ai que morro aqui hoje, ai que me mijo todo"— por causa do saco de urina e o dia seguinte a contar a história da noite: "Ia morrendo aqui porque a preta ("A preta" era um enfermeira negra a quem ele nunca mais perdoaria) espalmou o saco e não o substituiu". Passou o dia a repetir a mesma história: a "preta isto", a "preta aquilo"...
A janela sem pressianas, tive tempo para ver o céu passar do azul muito escuro ao azul clarinho e às explosões de luz da madrugada. Tentei por várias vezes esticar a cabeça e ver para baixo da abóboda celeste. Um esticão de dor vindo da barriga obrigava-me imediatamente a desistir. Nesse primeiro dia, houve momentos em que pensei ingénuamente que os 20 e tal pontos podiam rebentar, tal a tensão junto à costura. Apetecia-me gritar. Apeteceu-me mandar embora as visitas. Não podia rir e ao fim de alguma conversa, tive de parar de falar. Tiraram-me o tubo e a argália para a urina e aliviei um pouco. O mundo não existia para lá do que a minha vista e os meus olhos alcançavam. Todas as minhas forças estavam concentradas na resistência à dor e à circunstância de estar preso à cama.
Fiquei dez dias no hospital. Na terceira-feira de Carnaval, tiraram-me da cama, deram-me uma espécie de bastão parecido com o de Moisés, com lugar para as garrafas do soro e do analgésico e sugeriram que circulasse pelo corredor. Percebi que conseguia sentar-me na cama, que a costura não rebentaria e que as pernas ainda seguravam o resto do corpo. Descobri os outros quartos, uma recepção, uma improvisada sala de televisão ao fundo, o deambular frenético das enfermeiras e auxiliares.
No hospital, a vida lá fora pouco interessa. Centramo-nos nas diferenças entre cada enfermeira, na rapidez frenética da "workaolic" de rabo de cavalo a manusear a agulha, nos olhos azuis da mais gorduchinha, na que nunca sorri, nas que trazem aliança, nas que não trazem. Bebemos-lhes as conversas acerca das folgas ou das horas extraordinárias. Escutamos as mulheres da limpeza: "Queria saber onde estava a filha...sei lá onde está a filha, dormiu em casa do meu filho e pirou-se. Acho que se pirou para o Algarve..." Ouvimos os queixumes e gritos dos outros, habituamo-nos a ajudar e criamos rápidos e estranhos laços de solidariedade com pessoas que nunca víramos na vida: "Estás melhor?". Vivemos ao ritmo criado pelas enfermeiras—"Vamos lá a saír da cama", "já se lavou?", "deixe-me ver o braço", "ponha lá o termómetro", "vamos medir a tensão?".
Os companheiros de quarto são elevados ao estatuto de quase elementos da família, apesar de alguns partirem e outros chegarem. João foi o mais jovial: "Então rapaziada!" Ao fim de cinco minutos já estava a colectar moedas para ligar a televisão— uma hora era cem escudos— e a encher o ar de boa disposição. Apesar de ir ser operado a uma fístula, a mulher e o filho choravam baba e ranho quando o viram ali deitado. Pareciam muito unidos.
Jorge, um jovem jogador de futebol para ser operado a uma peritonite substituiu o João. Cumprimentava-me com um esgar, como se dissesse: "A mim está-me a doer, a ti também?" Não conseguia ver sangue nem agulhas. Estar no hospital aterrorizava-o. Chamava as enfermeiras de cinco em cinco minutos chamando-as de "doutoras" para lhe subirem a cama ou perguntar quando lhe davam de comer. "Você em casa também é assim?", perguntou uma enfermeira, "ouça, vai ter que acalmar..." Ao fim de uns dias, conseguiu perceber que só tinha um doutor, quem eram verdadeiramente as enfermeiras e quem eram as auxiliares. "Senhora auxiliar!", gritava. Uma vez pediu água. "Está aí", respondeu uma, apontando para a torneira na bacia ao seu lado. "Não, água mesmo!", explicou. "Agua engarrafada? Não temos cá disso..."
A figura incontornável do quarto era o senhor Jaime. Tinha 84 anos e estava ali há cinco meses depois de operado a mais que uma oclusão nos intestinos. Tinha o saco a que eu escapara. Em vez de tocar na campainha, batia palmas. Uma vez estava em frente da televisão a bater palmas. "Ouça lá sr. Jaime, está para aí a bater palmas? Quem é que está a ganhar? É algum concurso?", perguntava uma auxiliar. O sr. Jaime era muito grande, pesado e comprido. Eram precisas três pessoas para o colocar na cama. A grande puxadeira era uma auxiliar que já trabalhara sózinha, de noite, num lar para 60 idosos. "Agarre-se-me a mim senhor Jaime, agarre-se-me a mim", dizia, com os braços entrelaçados nas costas do homem.
No hospital, há pequenas vitórias e pequenas derrotas. Na terça-feira de Carnaval disseram-me que já podia receber dieta líquida, sopas e sumos. Resultado: Quarta-feira expeli tudo em golfadas verdes de bílis que as auxiliares e as mulheres da limpeza limparam por umas três vezes com paciência de santas, do chão, da cama, da parede. Voltaram-me a enfiar o tubo pela garganta e a colocar em "dieta zero". Fiquei assim vários dias. Mas já levantava a cabeça, via os prédios do Feijó, as filas de carros em direcção do garrafão da ponte, crianças a brincar no relvado do hospital.
Saí dez dias depois, mais magro e mais fraco, feliz sob o sol primaveril de Março, uma avenida rasgando-me a barriga com uma linha e pontinhos de um lado e do outro, como uma vítima de contacto com a fuselagem de uma nave extraterrestre, os intestinos mais curtos e funcionais. Uma semana mais tarde voltei para retirar os agrafos do ventre. Fiz um esgar de dor ainda não me tinham retirado nenhum agrafo. "Não seja maricas!", disse-me o meu anjo da guarda. Ainda há histórias felizes.

CARNAVAL NA MADEIRA

"Táxi

Fátima Vieira

Tendo de me deslocar profissionalmente à Praia Formosa, tive a infelicidade de apanhar um táxi, na praça em frente ao Centro Comercial Monumental Lido.
O motorista cinquentão foi, no mínimo, extremamente malcriado pois no curto trajecto, pasme-se, largou quatro traques (quatro), tendo tido sempre o cuidado de dizer "peço desculpas a vossa excelência". Mas isto é real? Como pode uma pessoa com tal incontinência praticar uma profissão com o público? É simplesmente inacreditável e inaceitável.
Se apanhar o táxi em questão, aconselho a comprar tampões para os ouvidos, ou levar um spray bastante forte, pois pode ficar em estado de choque. Já agora, porque não convidar o tal senhor para promover a Madeira ao nível internacional, pois ao nível regional já estamos muitíssimo bem servidos.
Haja bom senso! "

Diário de Notícias da Madeira, 28/2/2006, secção cartas dos leitores

O POVO DO NORTE

Sabem como são os grandes dias de festa no Estádio da Luz, quer ganhemos quer percamos miserávelmente como contra o Sporting: Todas aquelas camionetas que vêem de locais tão díspares e insuspeitos como Vila Meã ou Mangualde ou Viana do Castelo ou Faro. Há dias, no jogo com o Liverpool havia pessoal que tinha feito expressamente de Boston. Hoje, enquanto circulei pelo Estádio da Luz à espera de entrar para o estádio, ouvi benfiquistas vestidos a rigor a falar em sotaques do norte, das beiras ou de São Miguel. Depois, quase em cima das 19h00 chegou uma troupe vestida de azul e branco a gritar "queremos ver Lisboa a arder" e para a entrada da qual foi necessário o corpo de intervenção da PSP isolar quase um quarto da zona envolvente da Luz.
capt.xaf11202262301.portugal_soccer_xaf112[1]São o povo do norte, dizem eles. Digo-lhes que o norte somos nós, Aveiro, Espinho, Trofa, Braga, Vila Real, Viana do Castelo, Paços de Ferreira. Em todos os grandes jogos na Luz, temos muitos e muitos benfiquistas do norte. O nosso norte não é teorizado nem manipulado por figuras sinistras e, ah, é verdade, quando quiserem voltar a festejar na Avenida da República, estão à vontade. Não batemos em ninguém nem temos avenidas exclusivas a claques patrocinadas por caciques.

DOMINGO DE CARNAVAL

golo robert
Foi um belo domingo de carnaval. Não crucifiquem o Vitor Baía por uma defesa infeliz de uma remate portentoso. Estamos felizes mas contamos com o FC Porto, que continua em primeiro e é, sempre o foi, um adversário, nunca um inimigo.

2006-02-25

Véu da Noiva

Posted by Picasa Chega-se a Santarém, apanha-se o barco que atravessa o rio para Alenquer. Depois, em Alenquer apanha-se a estrada para Monte Alegre e desce-se, a 80 quilómetros de Alenquer, junto à Pousada do Vale do Paraíso. Aí, desce-se até ao vale, ocupa-se um bungalow e depois, caminhando pelo mato chega-se à Preciosa e a esta, o Véu da Noiva. Mas quem não quiser ver cobras ou ser picado pelas formigas pode ficar logo ali na Cachoeira do Paraíso. Depois de uns dias de descanso no paraíso, pode regressar-se por Monte Alegre ou então chegar a Alenquer e virar para o lado oposto a Monte Alegre, em direcção a Óbidos. Existe, evidentemente, sempre a possibilidade de regressar a Santarém de barco e rumar a Alter do Chão para uns banhos no Tapajós. Mais lá para a frente, fica Aveiro. Nunca lá fui. Tudo no Estado do Pará, Amazónia.

2006-02-24

"Não no Davies Truck Stop!"

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Atolados no Iraque

"Bring'em home!" disse Bruce Springsteen na cerimónia dos Grammys. Não é preciso dizer mais nada. A América está enterrada mais uma vez até aos joelhos num universo pantanoso e complicado que não compreende. "The hell to those xiites or sunis or kurds, whatever...I want my boy back home!", diz Joe Phils, camionista de Nowhereville, Idaho, uma caneca de café à frente, a neve a cobrir a porta do Truck Stop. "Joe", diz Linda Davies, empregada de balcão enquanto vira a panqueca com os olhos pregados num televisor sintonizado num reality show, "já te disse mais de uma vez que não quero essa conversa de comunista no Davies Truck Stop. Noutro local, talvez, mas não no Davies Truck Stop!"

CARNAVAL É NA TERCEIRA

No exterior da Sociedade Recreativa da freguesia de S. Mateus, na Ilha Terceira, vive-se o ambiente dos grandes dias de festa. Apesar de estarmos em Fevereiro, a temperatura é amena e grupos de rapazes conversam animadamente à porta enquanto outros se sentam com as namoradas nos muros das casas defronte. Nessa noite, 4 de Fevereiro, é o tão ansiado ensaio geral da dança de carnaval da freguesia.
O salão da Sociedade Recreativa, decorado com enfiadas de lâmpadas coloridas e palmas nas paredes, está cheio como um ovo. Na primeira fila senta-se um grupo de filarmonistas que tocará a música que o grupo dançará. Por detrás, está o público, a maioria pescadores e respectivas famílias, ansiosos por verem pela primeira vez a dança da freguesia. Há mães com as filhas ao colo, hordas de populares encostados à parede e junto á porta.
O ensaio geral destina-se em princípio a que a dança seja aprovada pela freguesia mas há que contar com o envolvimento de toda aquele gente. É que na plateia estão os familiares, as costureiras dos fatos, os autores da música e do enredo. A expectativa não pode ser maior.
Um pouco mais tarde, em frente à Sociedade União Católica da Serra da Ribeirinha, rapazes atravessam excitadamente a rua em frente para entrarem numa garagem. Aí, duas senhoras visívelmente extenuadas terminam os últimos fatos carnavalescos. Apesar de já serem 23h, continuam a costurar rodeadas por elementos da dança da Ribeirinha. “Não temos feito outra coisa”, contam as mulheres, que recebem 7 mil escudos por cada fato, “ontem foi até às 3 h da manhã e hoje às 8h já estavamos aqui outra vez”.
A azáfama nestas duas freguesias da Terceira era perfeitamente justificada. Nos três dias seguintes, mais de 30 danças carnavalescas de outras tantas freguesias percorrem cerca de 31 salões da ilha. Ao todo, mais de 1000 músicos, figurantes e dançarinos estão envolvidos. O público acorre em massa às Sociedades Recreativas, calculando-se a capacidade total das salas em cerca de 20 mil lugares. Para que tudo possa acontecer, existe uma autêntica “indústria” de cultura popular: costureiras, músicos, figurantes, autores de enredos.
As danças carnavalescas dividem-se sobretudo em danças de espada, bailinhos e comédias. As danças de espada são as mais dispendiosas, envolvem grande número de dançarinos e figurantes e têem como enredo dramas históricos ou amorosos. Figuras fundamentais da dança de espada são o mestre e o ratão. Ao mestre, empunhando uma espada e um apito, compete saudar a assistência e apresentar, em quadras, o enredo. O ratão, empunhando uma velha bengala, é quem introduz de uma forma jocosa o elemento humorístico.
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Foto Estradas Perdidas

Os bailinhos, são danças mais ligeiras cujos assuntos recaiem sobre temas sociais. envolvem sátiras às Câmaras da ilha, aos emigrantes, a tudo o que pertença ao universo dos muitos autores de enredos. Por fim, as comédias são pequenas rábulas com no máximo 5 ou 6 figurantes.
Hoje, as danças desenrolam-se nos salões das Sociedades Recreativas mas dantes o seu espaço privilegiado eram os adros das Igrejas e a rua em frente às casas das pessoas mais importantes. Daí chamar-se dança de rua ou de dia. O grupo saudava a povoação, criava um espaço quadrangular entre a multidão onde apresentava o enredo e no final, agradecia às pessoas presentes fazendo inclusivamente uma colecta para pagamento das despesas. Os figurantes eram sempre homens que representavam também os papéis femininos, uma vez que às mulheres não era permitido entrar.
Com a passagem para os palcos, as danças foram evoluindo. A dança mais tradicional, a dança de espada, está a ser superada em quantidade pelos bailinhos e pelas comédias. As mulheres passaram a integrar os figurantes e este ano houve pelo menos uma mestre feminina.
Ao contrário dos corsos carnavalescos que se centram num cortejo envolvendo sobretudo adereços, disfarces e quadras satíricas, as danças carnavalescas terceirenses implicam a criação todos os anos de novas dezenas de enredos e dezenas de músicas diferentes. Grupos de criação quase institucionalizados, existem em cada freguesia. Aquele que escreveu enredos no ano anterior, é procurado para escrever enredos no ano seguinte, o mesmo se passando com os autores das músicas e os ensaiadores.
Hélio Costa, um habitante das Lajes que guia habitualmente um táxi na Praia da Vitória, escreveu onze enredos este ano. Fez um inclusivamente para o Canadá. “Já venho em Danças há 24 anos mas só comecei a fazer enredos há cinco quando não havia ninguém que me fizesse um enredo a mim”, explica. Hélio só faz enredos cómicos. Põe lá um pouco de crítica social mas, como explica, “as críticas que se ouvem nesta época a deputados, partidos e Câmaras não os afecta em nada”.
Além de escrever enredos, também participa como figurante. foi 5 anos seguidos vestido de velha. Este ano fez de lavrador e de astronauta. mas a sua especialidade são agora os enredos. “Quantas vezes vou sózinho no táxi, vem-me uma ideia, paro o carro e escrevo à pressa para a ideia não fugir”, conta.
Alguns dos enredos, sobretudo nas danças de espada, são dramas intermináveis que levam o público á lágrimas. Embora durem habitualmente no máximo 45 minutos, há deles que se estendem por quase duas horas. Uma dança de Porto Judeu, “Maria Vieira”, contando a história de uma criança vítima de tentativa de violação e assassinato por um lavrador, teve particular sucesso: mulheres, homens, novos e velhso eram vistos a enxugar lágrimas teimosas. mas muitos enredos levam a assistência à gargalhada. Desde “Um casal americano vem à Terceira” até “Uma inspecção para a tropa”.
A ilha é envolvida quase inteiramente na celebração. Algumas empresas fecham mesmo as portas e a maioria dos participantes trabalha no Sábado ou pede dispensa para poder estar livre na segunda feira”. É a melhor festa do ano. A gente até se esquece de dormir e de comer”, comentava Hélio Costa. “A segunda feira é o dia mais bonito que temos na nossa terra”, explicava emocionado Elias Ferreira, autor das músicas da Dança de Espada da Freguesia da Ribeirinha.
“A freguesia inteira vibra com o Carnaval”, comenta Maduro dias, do Gabinete da Cidade de Angra do Heroísmo, “ e gera-se uma grande quantidade de actores populares. Depois de ao fim de dois ou três anos se andar à volta da ilha a apresentar durante 3 dias um tema num palco e a receber palmas, é como um veneno que se toma e que no ano seguinte se tem de tomar outra vez.”
O fenómeno está tão enraizado que até as crianças das escolas estão a organizar as suas danças. nalgumas freguesias, sa danças partem das Sociedades Recreativas mas noutras organizam-se fora delas, em casas particulares ou em garagens e há freguesias que apresentam várias danças. A tradição começa também a extravasar os limites da própria ilha. enquanto danças de freguesias da ilha foram actuar ao Canadá e à América, danças de emigrantes do Canadá e da Califórnia vieram até à Terceira.
Para satisfazer a curiosidade do público citadino, a Câmara de Angra passou desde o Carnaval de 1988 a abrir o Teatro Angrense para que as danças possam passar também por ali. Resultado: durante três dias seguidos é quase impossível arranjar um lugar sentado. No primeiro ano tiveram de fechar o Teatro à 1h00 da manhã. O público não gostou, queria continuar a ver as danças. “Quase que ia havendo tareia”, explicam-nos.
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Pedrão num café fronteiro ao Teatro Angrense em 2002 junto a um exemplar do "União"
Durante todo esse tempo, ninguém arreda pé e as pessoas têem o costume de levar farnel para não perderem o lugar. O panorama dentro do velho teatro é de pasmar. Com uma lotação de 700 pessoas sentadas, terá nesses dias cerca de 1000 pessoas. Como não há lugares marcados nem camarotes reservados, o público acotovela-se em magotes o mais democraticamente que é possível imaginar. Apesar do espectáculo se prolongar horas e horas a fio, ninguém parece perder o interesse.
Nos caóticos bastidores do teatro, cruzam-se travestis, astronautas, cartolas e familiares dos dançarinos. À medida que vão chegando, os grupos são informados de quantos têem à frente. Quando vêem que vão ter de esperar muito, preferem partir para outra freguesia.
A primeira dança a actuar no teatro é a da Ribeirinha, cujos dançarinos, vestidos de azul e com chapéus de dois bicos, representavam o “Sacrifício do Amor”, um enredo adaptado de um romance francês. “Aquele ali é o Conde, um traiçoeiro”, vai-me sussurrando ao ouvido Henrique Cardoso, o responsável pelos ensaios das danças. “Isto agora é muito triste, ela vai chorar”, explica, “é que o Conde traiçoeiro quer casar com a rapariga”.
A rádio transmite em directo para as ilhas e para a América do Norte. É frequente nestes dias entrar num táxi ou num restaurante e ouvir a transmissão das danças. “Tudo por causa desta desavergonhada”, ouve-se na telefonia. “Francisco tudo isto começou/quando ela te procurou”, responde a voz feminina. Trata-se da dança “Pai Tirano” da Sociedade Brianda Pereira, de Porto Judeu.
Ao longo da ilha, dezenas de camionetas e automóveis circulam pelas estreitas estradas transportando os grupos de freguesia em freguesia. Os músicos, dançarinos, figurantes, actuam dez, onze, doze vezes no mesmo dia em pequenos palcos de madeira e perante plateias invariavelmente apinhadas. Como não há um programa previamente estabelecido para toda esta movimentação, é usual os grupos esperarem por vezes uma hora ou mais atrás de outros dois ou três grupos que chegam à mesma freguesia para actuar. Ao fim dos três dias do Carnaval, nunca se consegue completar o circuito das freguesias da ilha. “Faz-se uma média de vinte a trinta, é difícil chegar às trinta”, explicavam elementos de um bailinho das Lajes.
O estrondo de um foguete assinala a chegada de mais uma dança a cada freguesia e há delas que colocam dísticos saudando os visitantes. “Bem vindos”, lia-se nos Biscoitos. Em frente a cada Sociedade está sempre um mar de viaturas estacionadas. Todos os Salões onde passamos estão completamente cheios, seja no Cabo da Praia,em Porto Judeu, S. Sebastião ou Ribeirinha. A cena é sempre a mesma: um pequeno palco de madeira, por vezes um cenário e a sala cheia.
Percorrendo as freguesias, passa-se por camionetas de carga de onde saiem rapazes de chapéus emplumados e fatiotas listadas. Na beira da estrada, passam populares carregados com sacos cheios. São farneis para comer durante a noite passada na Sociedade. Aí, o carnaval é ocasião para um forte convívio social. Rapazes e raparigas têem ocasião para mais livremente do que o habitual, se encontrarem nos Salões Recreativos.
Para os músicos, dançarinos e figurantes, o esforço é enorme. Ao fim de 8 freguesias, de oito Sociedades diferentes, estão visívelmente extenuados. “Começámos às duas da tarde”, explicava um músico que por volta das 0h30 acabara de actuar em S.Sebastião. “Especialmente para quem está a tocar instrumentos de sopro ou a cantar”, explicava Manuel Bernardo, que tocava saxofone na dança de S. Bartolomeu, “ é muito cansativo”. Na noite anterior tinham acabado de actuar às 4h00 da manhã na Sociedade Velha das Lajes. “E estava tudo cheio”, conta.
Quem canta tem tendência a enrouquecer. Há quem tome pastilhas, quem se proteja de cachecol ao pescoço ou quem muito simplesmente beba aguardente. Aliás, a única compensação para os dançarinos , figurantes e músicos,é a comida e as bebidas que cada freguesia reserva para eles no fim de cada dança. “Hoje”, diziam-nos em S. Sebastião, “já por aqui passaram umas quinhentas pessoas a comer”.
Na Segunda Feira à tarde, encontramos o grupo de S. Bartolomeu prestes a partir para percorrer mais uma parte da ilha. No dia anterior percorreram doze freguesias. “Sai tudo das costas dos rapazes”, explica José Ângelo, que ajudou a ensaiar a dança. Naquele momento, os dançarinos começam a entrar para a caixa aberta de uma pequena camioneta. “Vamos à conta de Deus e dos seus Santos”, ironiza Ângelo, “ e a polícia ainda chateia por irmos assim”.
A dança de S. Bartolomeu passou por algumas dificuldades nos ensaios. Há o costume na Terceira de dizer que “a porca comeu a dança” quando os dançarinos não se entendem e não conseguem levar ao fim os ensaios. “Não chegou a comer mas esteve quase”, comentava sorridente Manuel Bernardo, o saxofonista.
Mais adiante, na Sociedade Recreativa Nossa Senhora do Pilar, em Cinco Ribeiras, o director da Sociedade fecha o pano e espera que um grupo de rapazes novos de S. Mateus se prepare. O enredo da sua comédia versa o juramento da bandeira e todos estão vestidos à tropa. “É a melhor maneira de nos divertirmos, se não houver isto torna-se chato para a gente e para as outras pessoas”, explica José Agnelo. Em S. Mateus, está habituado a viver intensamente o carnaval. “É água, farinha, garraiadas, mascaradas”.
Na Serreta, uma freguesia ventosa implantada num declive do qual se avista ao longe a Graciosa, homens jogam dominó enquanto outros se juntam no bar com os seus bonés americanos. Lá dentro, na sala, mulheres , crianças e idosos esperam mais uma dança de espada. A ilha, como um todo, não parece viver para outra coisa durante aqueles três dias.
“Quem quiser saber qual o sentimento do povo, as perspectivas para as eleições, o que está mal ou bem, é ouvir durante três dias as danças de Carnaval”, comentava Maduro Dias. “O que é bom, o que é mau, o que está chocando o povo ou o que o está alegrando, aparece nestas danças. São um perfeito inventário”.

2006-02-22

BEEN THERE DONE THAT

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See you in Anfield Road

2
Não jogamos nada, compramos campeonatos mas a brincar, a brincar e em pouco tempo derrotámos na Luz o Manchester United e o Liverpool. E mais nada...

DON'T MESS WITH BENFICA

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O orgulho ferido dá nisto. Nem bestas nem bestiais. Só têm que contar connosco!

A HORA DA VERDADE

4
O famoso escritor, comentador e jornalista Miguel Sousa Tavares escreveu nas vésperas do Benfica-Liverpool, um artigo a que chamou "A Hora da Verdade". A conversa, meus amigos, era a do costume: O Benfica que só venceu a Liga no ano passado porque foi a vergonha que foi, o Benfica que está sempre a ser levado ao colo pela comunicação social centralista de Lisboa, o Benfica que encontrara pela frente um diminuído Manchester United...um Benfica que as últimas derrotas punham a nú, sem estofo, sem classe nacional nem europeia... O Benfica tinha contra o Liverpool, escrevia Miguel Sousa Tavares, a sua grande hora da verdade.
Ora bem, como se diz no Brasil depois de uma lauta refeição: Satisfeito seu Miguel?

2006-02-13

NUNO'S CREEDENCE CLEARWATER REVIVAL JUKEBOX

jukebox[1]
"Cotton Fields" (Leadbelly)
"Hey Tonight" (John Fogerty)
"Bad Moon Rising" (John Fogerty)
"Proud Mary" (John Fogerty)
"Lodi" (John Fogerty)
"Up Around The Bend" (John Fogerty)
"Down On The Corner" (John Fogerty)
"Someday Never Comes" (John Fogerty)
"Have You Ever Seen The Rain?" (John Fogerty)
"Long As I Can See The Light" (John Fogerty)
"Travelin' Band" (John Fogerty)
"Wrote A Song For Everyone" (John Fogerty)
"Who'll Stop The Rain" (John Fogerty)
"Commotion" (John Fogerty)
"Fortunate Son" (John Fogerty)
" Suzie Q" (Eleanor Broadwater)
"Lookin' Out My Back Door" (John Fogerty)
CCRevival[1]
Good Ol' Boys

AS EXPERIÊNCIAS DE KOEMAN

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A partida com o Liverpool na Luz é já dia 21 e só espero que nessa altura, o treinador não faça mais experiências absurdas. O Léo, esse, nunca me enganou. É um grande jogador com raça e samba.

2006-02-11

Sei que estás em festa pá...

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Cairo, festejos da vitória na CAN

2006-02-10

Liberdade de expressão

"Liberdade de expressão
É um tipo estar grosso, sentar-se ao blog, teclar, postar e não deletar. O resto é tanga."

José Pimentel Teixeira, Blog Mas-Chamba

E então não é que o homem tem mesmo razão? Uma das melhores definições que eu li até hoje...

Interlúdio II

1Egeskov_Castle_Fyn_Island_Copenhagen_Denmark-med[1]

Calling from Portugal

- Está lá, é do Jylland-Posten?
- Sim, é...(voz feminina evidenciando cansaço e algo rouca)
- Podemos falar com o director?
- Para quê? Olhe, se é mais uma ameaça de bomba, agora só amanhã, hoje já temos a agenda cheia.
- Não, não, porque diz isso?
- O seu sotaque, pareceu-me arábico, desculpe se o ofendi, peço imensa desculpa, oh meu Deus, não faço outra coisa nos últimos dias que não seja pedir desculpa, perdoe-me, isto tem sido difícil...
- Compreendo, precisamente por isso é que estou a ligar...
- Como assim?
- Estou a lidar de Lisboa, Portugal e...
- De Lisboa, Portugal?
- Sim, sim
- E quer manifestar e sua solidariedade para com o povo dinamarquês e mostrar o quanto está grato pelo que temos feito pela liberdade de expressão ao longo dos tempos e esteve ontem numa manifestação em Lisboa, é isso?
- ...como adivinhou?
- Toni, tenho aqui ao telefone mais um português!
- E não lhe podes dizer que eu estou na casa de banho?

Interlúdio

natur[1]
Algures na Dinamarca

Entrevista a editor dinamarquês

"Há muito tempo que esta é uma crise potencial"

Os dinamarqueses receberam com a crise dos cartoons uma lição sobre globalização: aquilo que se publica num jornal de um pequeno país, que poucos dos envolvidos na violência conseguirão localizar no mapa, pode ter repercussões mundiais.
Claus Clausen é responsável pela editora dinamarquesa Tiderne Skifter ("Os tempos estão a mudar"), que tem publicado vários livros sobre questões culturais que dividem a Dinamarca, ou problemas de integração no país. O diário Jyllands-Posten agiu como um jornal escolar ao publicar os cartoons de Maomé, disse Clausen numa entrevista telefónica , a partir de Copenhaga.
Pergunta - Qual foi a sua primeira reacção à publicação dos cartoons?
CLAUS CLAUSEN - Foi uma ofensa estúpida e desnecessária aos sentimentos religiosos de outras pessoas, mas foi também uma forma de liberdade de expressão.
Apercebeu-se logo que teria este efeito gigantesco?
Não, claro que não. Foi publicado num jornal, temos muitos jornais aqui. Foi um acontecimento político odioso. Mas é algo que há muito faz parte da agenda de certos políticos dinamarqueses, com um discurso muito radical contra o islamismo. Faz parte de um clima, mas não é uma opinião do público dinamarquês, ou dos políticos dinamarqueses em geral. Temos a liberdade de expressão e a única forma de reagir a isto é explicar no debate que está a haver por que é que isto foi feito: foi uma acção estúpida, da qual nos devemos distanciar.
Havia já um ambiente tenso?
Tenso, sim, por causa do clima de direita populista que existe actualmente e que é uma espécie de resultado de anos de falhanços da política de integração dinamarquesa.
Quais são os sinais desse falhanço?
Uma dura lei de imigração, com limitações muito fortes. Há uma espécie de exigência para que se aprenda dinamarquês, quase antes de chegar ao país, ou que se aprenda muito rapidamente depois de se chegar. Há todas estas leis que tornam muito, muito difícil a vinda de outras minorias étnicas.
Diria que há racismo?
Racismo é a palavra errada. Não é uma questão de qual o aspecto que se tem, mas de onde se vem. Uma espécie de culturalismo, nacionalismo, de realçar os valores dinamarqueses, etc. É uma espécie de xenofobia, medo dos estrangeiros, medo que nos tirem o emprego. Uma coisa muito irracional.
Acha que há aqui um choque de culturas?
Não. Vejo-o como um choque entre uma consciência moderna e países onde a religião ainda faz parte da política. Aqui temos um regime secular, não há ligação entre a religião e a política, como nos países onde isto está a criar manifestações de revolta e fúria, onde a secularização não ocorreu. Não acredito num choque de civilizações. Acredito que há aqui diferentes civilizações, sem choque.
O secularismo precisa de ser revisto? Os muçulmanos não o sentem como uma forma de intolerância?
Tem de haver mais cautela na forma como lidamos com os muçulmanos que vivem nas nossas sociedades. Nós não temos apenas a liberdade de expressão, também temos a liberdade de religião, e temos de encontrar uma forma de lidar com este equilíbrio entre política e religião de uma maneira muito mais correcta. Talvez também seja preciso perceber do trata o discurso de ódio que está a ter lugar em todo o mundo ocidental.
Por que é que as vozes dos muçulmanos mais moderados não estão a ser ouvidas?
Os moderados começaram agora a falar. E tem a ver com outra coisa: se os media querem uma opinião muçulmana sobre algum assunto, levam sempre os microfones aos imãs, aos líderes religiosos, muitos deles com um pensamento muito fundamentalista. Vão ter com os muçulmanos e apenas perguntam como se sentem como muçulmanos na Dinamarca, e nunca a sua opinião sobre outros problemas. Não querem encarar estas pessoas que chegam com crenças islâmicas como dinamarqueses, apenas como sendo muçulmanos. Os media dinamarqueses têm uma enorme responsabilidade por irem sempre ter com os que são muito religiosos e que se vêem como pregadores profissionais. Os muçulmanos moderados não são ouvidos por não terem uma organização, uma rede".

Entrevista de Francisca Gorjão Henriques no Público de hoje

Altos, ricos, loiros e cultos

Na carta levada ao embaixador da Dinamarca, lida por Manuel João Ramos, os promotores agradeceram "a oportunidade conferida pela estranha polémica dos cartoons sobre o profeta Maomé", que deu assim uma hipótese "de nos solidarizarmos com uma nação mais rica, mais culta, mais protestante, e mais alta que a nossa".
De facto, é esmagador, porque eles são mais ricos, mais cultos, mais protestantes e sobretudo mais altos e mais brancos. Devemos, no entanto, ter em consideração que falam uma língua de trapos, que têm um clima miserável e que nunca nenhuma equipa de futebol dinamarquesa conseguiu brilhar no firmamento mundial.

2006-02-09

Milhares cantam "Oh Dinamarca tu és tão linda..."

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(Foto Estradas Perdidas)
Espontâneo manifesta a sua liberdade de expressão em frente à Embaixada da Dinamarca, na Rua Castilho, em Lisboa

Milhares gritam bem alto "somos livres, livres somos"

Manifestação em frente à Embaixada da Dinamarca, em Lisboa, excedeu todas as expectativas. Diplomatas dinamarqueses retirados do edifício e levados ao colo

Milhares de pessoas enfrentaram ontem o frio e o tédio para se manifestar em frente à Embaixada da Dinamarca, na Rua Castilho, em Lisboa, pela "liberdade de expressão" e pela solidariedade sem limites para com as dinamarquesas e dinamarqueses. As ruas envolventes foram pequenas para conter tamanha multidão que gritava palavras de ordens como "Na Dinamarca é que é bom" e "Queria ter nascido na Jutlândia".
Rui Zink, professor, escritor e comentador, um dos organizadores da manifestação, não cabia em si de felicidade: "Por aqui se vê a força do PC, perdão, não era nada disso que eu queria dizer, por aqui se vê que a liberdade de expressão é o valor ou um do valores mais acarinhados em Portugal. Ver todas estas bandeiras dinamarquesas lembra-me também a Ingrid que..."
O momento mais alto da manifestação foi, no entanto, quando em delírio e apoteose, uns muitos branco, loiros e altos funcionários da embaixada foram transportados em braços pelas ruas. "Nunca tive tantos amigos na vida", comentava Maniche Smosgabord, agarrado por Rui Zink, que não parava de o beijar e abraçar, "este aqui, por exemplo, nunca o vi mais gordo mas já trocámos telemóveis e diz que quer jantar comigo para expressar a sua solidariedade, vamos lá a isso...não pode só pedir-lhe que pare de me lambuzar todo?"
À medida que a manifestação engrossava, ía-se tornando difícil distinguir cores, credos, roupas ou mesmo perceber quem era quem. Rui Zink viu-se mesmo obrigado a dizer "eu sou o Rui Zink" a um grupo de manifestantes que o assediava com perguntas:" quem organizou esta merda? Onde é que se come? Não há couratos? Onde estão as camionetas para Baleizão?"
Foi já no final da grandiosa manifestação que os organizadores foram surpreendidos, com manifesto desagrado pela presença de um neo-nazi. "O que é que você está a fazer aqui?", perguntou Rui Zink, muito vermelho, de mãos dadas com uma dinamarquesa e a comer uma entremeada. "Estou a manifestar a minha liberdade de expressão. Passa-me aí um copo desse tintol".

2006-02-08

A OPINIÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO

"Jornalismo irresponsável"
"A fúria desencadeada no mundo árabe-muçulmano pela charge publicada originalmente em setembro em um obscuro jornal dinamarquês e republicada na Noruega, em janeiro, é a resposta que se poderia esperar à monumental irresponsabilidade de quem autorizou a sua publicação. O desenho mostra um iracundo profeta Maomé com um turbante em forma de bomba, a que não falta nem o pavio. Para as multidões que tomaram as ruas no Oriente Médio, queimando embaixadas dinamarquesas e norueguesas, a charge é uma das piores agressões que se poderiam cometer contra a sua religião, que veda taxativamente a representação da efígie de Maomé. O tabu nasceu da sua condenação à idolatria.
Mas, ao acrescentar à caricatura do profeta o símbolo universal da violência indistinta, o desenhista e o seu jornal não se limitaram a escarnecer de um credo. A sua estereotipada mensagem é inequívoca: islamismo e terrorismo são uma coisa só, todo muçulmano é terrorista. A isso se chama islamofobia, uma expressão de hostilidade racial que, como todas as demais, deveria merecer o vivo repúdio do mundo civilizado. É verdade que, em razão do conflito israelense-palestino, a cultura popular nos países muçulmanos vem se encharcando de anti-semitismo. Isso, no entanto, não atenua a ofensa praticada por um órgão de imprensa de um país tido como um dos mais iluminados do mundo.
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Pior foi a espantosa decisão de órgãos da imprensa do porte do alemão Die Welt e dos franceses Le Monde e France-Soir de republicar a charge inflamatória para se solidarizar com o Morgenavisen Jyllands-Posten (que por sinal se desculpou pela desfeita) e para afirmar o princípio da liberdade de imprensa - uma raridade nos países muçulmanos. O Ocidente não seria o que é, efetivamente, sem o direito à livre circulação de idéias, opiniões, informações e expressões artísticas. Mesmo esse pilar das sociedades democráticas, porém, não existe no vácuo. Nas palavras do jornal londrino The Guardian, "há limites e fronteiras - de gosto, leis, convenções, princípios ou juízos. Nada disso pode ser automaticamente desconsiderado invocando-se o valor maior. O direito de publicar não obriga a fazê-lo".
Os islâmicos podem ser criticados, como foram por um de seus mais importantes pensadores na Europa, Tariq Ramadan, em entrevista ao Global Viewpoint (transcrita no Estado), por "reagir com exageros a provocações". A onda de violência, estimulada ou aceita por mais de um governo, choca por seu primitivismo. Mas Ramadan também tem razão ao dizer: "Será que eu ando por aí insultando as pessoas porque tenho liberdade para isso? Não. Isso se chama responsabilidade cívica." O problema contém ainda uma dimensão mais profunda, relacionada com as características menos louváveis da cultura ocidental nos dias atuais, associada ao vale-tudo a que se entregaram a mass media e a indústria do entretenimento, degradando a liberdade em libertinagem e licenciosidade.
Curiosamente, veio do Brasil talvez a melhor síntese da crise da charge, tendo como pano de fundo a disseminação da baixaria, sob todas as formas, na chamada "civilização do espetáculo". Falando ao Estado, o xeque Jihad Hassan Hammadeh, radicado em São Paulo, tocou no nervo da questão. "O Ocidente perdeu o valor do sagrado", constatou. "Se os ocidentais não respeitam os seus valores, imagine os dos outros." De fato, a permissividade midiática e a aversão do jornalismo de tablóide a educar o público se entrelaçam para embotar a capacidade do homem comum ocidental de entender as diferenças culturais que se manifestam especialmente em relação ao "valor do sagrado" em outros ambientes.
Na sexta-feira, o dinamarquês Posten afirma que "subestimou o sentimento de muitos muçulmanos sobre seu profeta" e que, se soubesse das conseqüências, não teria publicado a charge revoltante. O argumento é pobre. Ela não deveria ter sido publicada, mesmo que não fosse previsível a reação que provocou. Primeiro, porque não cabe a um jornal criticar - muito menos escarnecer de - valores culturais com os quais não comunga. Segundo, porque a publicação embutiu a intenção de ofender toda uma parcela da humanidade que se identifica, acima das etnias que a compõem, com um credo religioso. À deliberada profanação de um valor alheio somou-se a estigmatização da cultura que o abriga - quando a islamofobia cresce a olhos vistos na Europa".
Editorial do jornal "Estado de São Paulo"

A opinião de Cláudio Torres

"No momento em que os países muçulmanos constatam a sua pobreza e chocam com barreiras levantadas pelos países ricos; num momento em que o mundo muçulmano está a ser submetido a ataques económicos e sobretudo militares; num momento em que as comunidades muçulmanas na Europa são vítimas de exclusão e descobrem a sua identidade; nesta altura surgem caricaturas e outras manifestações de hostilidade destinadas a incendiar ódios. É evidente que se trata de uma provocação racista e xenófoba que já produziu os resultados esperados. Não esqueçamos que o jornal dinamarquês que publicou as caricaturas é um porta-voz da direita conservadora do país"
Claúdio Torres, arqueólogo do campo arqueológico de Mértola ao DN

Freitas

Oh Freitas, está bem que os cartoons são ofensivos, tudo bem. Mas uma palavrinha sobre a violência dos fundamentalistas islâmicos, hein? Que tal?

A OPA

- Concorda com a OPA da Sonae sobre a Portugal Telecom?
- Concordo, se quer saber a minha opinião, acho que só posso concordar...
- Porquê?
- Porque a Sonae é uma empresa portuguesa e é bom para Portugal que a PT fique em mãos portugueses. Imagine que eram os espanhois da Telefónica a fazer a OPA...
- E o que é uma OPA?
- Bom...não sei muito bem...
- Nem eu. Para a TVL, com imagem de Ricardo Batanete, Afonso Sardinha em Vilar de Perdidos

2006-02-07

Peace In The Valley

Peace In The Valley (tradicional)
Moyeha%20Valley[1]
Well I'm so tired and so weary
But I must go alone
Till the lord comes and calls
Calls me away, Oh yeah
Well the mornings so bright
And the lamp is a light
And the night, night is as black as the sea
And there will be peace in the valley for me someday
There will be peace in the valley for me, Oh lord I pray
There"ll be no sadness, no sorrow, no trouble
I seeThere will be peace in the valley for me
Well the bear will be gentle
And the wolves will be tame
And the lion shall lay down, with the lamb, Oh yeah
And the beast from the wild
Will be led by a child
And I'll be saved, saved from this creature, that I am

Roads to nowhere

Almeria, Julho de 2003 Posted by Picasa

PELO DIÁLOGO

r1260109278[1]
Dinamarqueses pelo diálogo

A liberdade e a sua utilização

"With freedom comes the responsibility to use it wisely"

Extraído de editorial do Christian Science Monitor

Posição do jornal israelita Haaretz

"O protesto muçulmano"
Editorial do jornal israelita Haaretz

A violência que acompanhou as explosões de protesto no mundo árabe e muçulmano contra países europeus onde caricaturas do profeta Maomé foram publicados merece ser duramente condenada. O incêndio de embaixadas, boicotes comerciais, raptos, espancamentos e ameaças de morte aos ofensores do Islão devem ser condenados.
No entanto, é impossível não compreender os sentimentos de insulto entre os muçulmanos do mundo inteiro, incluindo na Palestina e em Israel. Não se pode levar a sério a defesa por parte do Ocidente do multiculturalismo se este não incluir tanto gente secular como religiosa, membros das diferentes comunidades, minorias religiosas, muçulmanos e cristãos. Nenhuma sociedade pode permanecer alheada de publicações ofensivas que insultam valores tidos como sagrados por certos grupos dentro dela.
A publicação desses cartoons foi uma manifestação de insensibilidade e a sua republicação por vários jornais europeus também.

O jornal dinamarquês Jyllands-Posten, o primeiro a publicar os cartoons, o que fez há quatro meses atrás e que depois pediu desculpa, quase de certeza que não tinha por intenção provocar ou inflamar os muçulmanos. É também possível que o primeiro-ministro dinamarquês pudesse ter prevenido os enormes estragos causados se tivesse concordado, no momento próprio, em receber os embaixadores dos países árabes.As reacções dos manifestantes muçulmanos, que têm vindo a ganhar força, podem também refletir a raiva no mundo árabe e islâmico em relação à imagem do terrorista primitivo à qual, como alguns defendem, o Ocidente o procura associar.
Os editores do jornal argumentam que têm o direito de publicar os desenhos, em nome da liberdade de expressão e para protestar contra a auto-censura a que os europeus se impõem com respeito ao Islão. Mas mesmo a liberdade de expressão requere limites. As comunidades judaicas pelo mundo fora e até o governo israelita, sempre foram sensíveis, e protestam vigorosamente contra publicações anti-semíticas e anti-judaicas. Neste contexto; Israel não tem o direito uma política discriminatória, especialmente uma vez que é frequentement vítima de publicações semelhantes.
Por toda a Europa, existem muitos receios de que elementos das minorias muçulmanas procurem impor a sua cultura e o seu modo de vida nas nações europeias onde vivem. Esses receios são baseados na perseguição ao escritor Salman Rushdie, o assassinato do realizador holandês Theo van Gogh e na batalha em França sobre a proibição de usar “chadors” em instituições públicas.
Os media árabes, incluindo a imprensa palestiniana, publicam um infindável rol de cartoons, séries televisivas e livros cujas personagens anti-judaicas são comparáveis às caricaturas e publicações do nazi Der Sturmer. Essas publicações devem ser inequivocamente condenadas. Mas nem o medo dos países europeus em relação às suas minorias muçulmanas, o medo do terrorismo da Al-Qaeda ou as publicações anti-judaicas dos estados árabes são suficientes para justificar assaltos à religião.


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"Irracionalidade"

"Irracionalidade"
António José Teixeira, no Diário de Notícias de hoje

"O problema contemporâneo, talvez o problema de todos os tempos, é a dificuldade em lidar com a irracionalidade e a intolerância. É o que observamos hoje. O mundo incendiou-se por causa de umas caricaturas reles, pretexto para provocações e atentados em nome da liberdade e da fé. A mistura dificilmente poderia ser mais explosiva. Se alguém, deliberadamente, quisesse provar o choque de civilizações de Samuel Huntington não teria melhor expediente incendiário que as caricaturas dinamarquesas. Nem a invasão americana do Iraque conseguiu tamanho tumulto no mundo muçulmano. Vale a pena colocar a nu o contexto do conflito, agora que entraram em guerra os valores da democracia e o ressentimento do islão. Tudo começou com um livro de um xenófobo que sugeriu "pichar o Alcorão com sangue menstrual" e que se queixou de não encontrar desenhadores para caricaturar Maomé. A verdade é que os encontrou. Mas o pretexto estava dado para o jornal Jyllands-Posten convidar desenhadores a idêntico exercício. É aí que surgem 12 caricaturas e um editorial em que se invectivam os muçulmanos, desafiados a aprender que a liberdade de expressão deve implicar "blasfemar e humilhar" o islão. Sabe-se agora, segundo o diário britânico Guardian, que o mesmo jornal tinha rejeitado há três anos a publicação de caricaturas de Cristo por correrem o risco de ser consideradas ofensivas para os seus leitores... Não está em causa a coerência de procedimentos, até porque qualquer das situações se pode enquadrar no livre arbítrio das sociedades abertas, mesmo quando se ultrapassa o risco da dignidade e da lei. O que está em causa é a trágica ironia de a afirmação dos valores civilizacionais da liberdade e da democracia estar a ser feita a partir de humilhantes e gratuitas caricaturas religiosas. Não há dúvida de que a democracia suporta a falta de sensibilidade e de bom senso e que a liberdade de expressão "é absoluta e não é negociável", como disse o primeiro-ministro dinamarquês. Tal como devem ser absolutamente condenáveis as reacções violentas do mundo islâmico. Não podemos ainda ignorar que alguns imãs aproveitaram as caricaturas para internacionalizar o conflito e criar ambiente de resposta ao "ódio" ocidental. O Irão e a Síria agradecem o pretexto. Mas estas verdades exigem também que se tenha a lucidez de criticar com veemência todos e quaisquer actos humilhantes ou xenófobos. Não podem proibir-se para não nos igualarmos ao obscurantismo despótico, mas devem merecer crítica frontal. O combate da liberdade exige inteligência. A humilhação em nome da liberdade é uma caricatura trágica da nossa civilização".

DIÁLOGO ZERO

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A questão dos cartoons atingiu aquele patamar em que já nada de sensato consegue ser discutido. A questão foi aproveitada e alimentada pelos radicais islâmicos para travar mais uma cruzada contra o Ocidente. Não existe uma voz moderada que se consiga fazer ouvir e assim, entre incitamentos a respostas musculadas de um lado e do outro, perdemos todos. Não tenho qualquer dúvida de que a escalada extremista e a simpatia para com as posições radicais no mundo islâmico vai aumentar ainda mais e que os partidos de extrema-direita europeia vão tirar de mais esta situação, os seus proveitos. Ninguém ganha, perdemos todos.

2006-02-06

A CRISE DINAMARQUESA

"Controvérsia acerca dos cartoons reflecte problemas mais profundos na Dinamarca"

Artigo de Nancy Isenson, Voz da Alemanha

(tradução apressada do Estradas Perdidas)

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Osama Al-Habahbeh tem estado na onda da controvérsia sobre os cartoons publicados no jornal dinamarquês "Jyllands-Posten" que têm revoltado muçulmanos por todo o mundo, tanto como reporter como muçulmano dinamarquês.
Osama Al-Habahbeh disse que compreende a ofensa que os desenhos provocaram mas condena as reacções extremas aos mesmos pelo mundo muçulmano, denunciando a violência e o queimar de bandeiras.
"Não é a forma de dialogar, de manter o diálogo", afirma o jornalista, que tem escrito para os media árabes desde a Dinamarca há mais de 20 anos.
Enquanto o episódio dos cartoons explodiu numa onda de protestos no Médio Oriente e abriu o debate no mundo inteiro, analistas dinamarqueses dizem que estes, no país, representam os problemas que a Dinamarca enfrenta em relação à imigração, particularmente à sua comunidade muçulmana.
Osama foi um dos fundadores do chamado "network alternativo", um grupo de muçulmanos dinamarqueses que começaram a encontrar-se recentemente para providenciar jornalistas e outros com uma visão mais enriquecedora da comunidade muçulmana.
"Alguns chamam-nos muçulmanos moderados, outros chamam-nos muçulmanos seculares, chamamo-nos muçulmanos", afirma Al-Habahbeh. "Não frequentamos mesquitas. Somos muçulmanos europeus e não queremos ser representados pelos imãs. O nosso objectivo é o de oferecer uma voz islâmica ao diálogo".
No que tem a ver com os muçulmanos, a Dinamarca vive uma crise, que foi provocada pelo governo dinamarquês, segundo Al-Habahbeh. O populista e anti-imigração Partido do Povo Dinamarquês teve um importante papel nesse capítulo.
Líderes do partido já disseram abertamente que o islão não é uma religião mas uma organização terrorista. Sem o apoio desta extrema-direita, a coaligação minoritária de liberais e conservadores liderada pelo primeiro-ministro Anders Fogh Rasmussen nunca teria conseguido ascender ao poder nem manter-se nele.
Uma sondagem feita entre segunda-feira e quarta-feira da semana passada mostrou que o Partido do Povo ganhou com ela. O apoio dos dinamarqueses ao partido de extrema-direita aumentou de 12.1 por cento para os 14.5 por cento
"A polémica dos cartoons alimentou ainda mais o debate sobre a imigração",afirma o analista político Lars Bille da Universidade de Copenhaga. "Os dois lados estão a extremar posições. E aqui as pessoas estão a virar-se ou para o partido Det Radikale Venstre ou para o Partido do Povo, cada um colocando-se nos pólos do debate".
Numa atmosfera tão inflamada, os cartoons ofensivos não são o aspecto fulcral da questão dinamarquesa, afirma Al- Habahbeh. Eles só ofereceram argumentos aos extremistas muçulmanos e à extrema-direita dinamarquesa.
"Os cartoons estão a ser usados quer pelos extremistas islâmicos quer pela extrema-direita aqui na Dinamarca", afirma Al-Habahbeh. "Os extremistas islâmicos estão a usar os cartoons em proveito próprio, dizendo que estes atacam o Islão para fortalecer ainda mais o choque de civilizações. E a extrema-direita está a usar os cartoons para dizer que um muçulmano nunca poderá ser um democrata. A violência e a queima de bandeiras nos países árabes também estão a ser usadas aqui na Dinamarca para fortalecer os argumentos racistas".
O jornalista diz que o governo dinamarquês podia ter prevenido a escalada do conflito há três meses quando onze embaixadores árabes lhe pediram uma audiência sobre o tema dos cartoons. Em vez disso, o primeiro-ministro Rasmussen enviou uma mensagem aos dinamarqueses. "Quando o primeiro-ministro se recusou a receber os embaixadores não estava a falar para os embaixadores, estava a falar aos eleitores".
Mesmo que o actual conflito seja ultrapassado, Al-Habahbeh não tem grandes esperanças que a crise mais profunda que a Dinamarca vive se resolva a curto-prazo.
"É verdade que o jornal pediu desculpa mas isso não fará grande diferença. Os muçulmanos na Europa pedem para ser respeitados como seres humanos, tal como os dinamarqueses. Enquanto essa vontade não for respondida, não penso que a crise possa parar".
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Somos todos dinamarqueses? E que dinamarqueses estamos nós a apoiar? Não é a extrema-direita, pois não?

Igualdade uma ova

O mito de uma Europa igualitária e, neste caso concreto, de sociedades cem por cento igualitárias e generosas para com os imigrantes, como a dinamarquesa, esboroa-se à primeira incursão no terreno dos outros, os que vivem ao nosso lado, a quem achamos piada mas com quem não convivemos.

Eis alguns testemunhos recolhidos pela repórter do The Guardian Madeleine Bunting em Copenhaga:

"Somos contra a censura. Acreditamos na liberdade da expressão. Muitos de nós fugimos dos nossos países devido à falta dessa mesma liberdade. Mas o que nós dissemos ao editor do Jyllands-Posten é que foram buscar o objecto errado para testarem essa liberdade. Foram ofender uma das mais marginalizadas comunidades da Dinamarca, a que tem mais problemas sociais e que tem vindo a lutar contra a islamofobia no país"
Ahmad Akkari

Abubeker Idris contou que tem tentado estabelecer-se na Dinamarca há 20 anos e que apesar das suas qualificações e de falar um dinamarquês perfeito já recebeu 500 rejeições de emprego. Agora, trabalha como taxista. "Para que servem os cartoons? Eu respeito as leis dinamarquesas e pago os meus impostos. Porque é que não podem respeitar os meus sentimentos? Continuam a chamar-me estrangeiro. Um membro do parlamento disse que os muçulmanos era um cancro na Dinamarca, que era preciso matar esse cancro antes que o cancro matasse a Dinamarca. Niguém lhe disse nada".

"Os dinamarqueses acreditam na liberdade de expressão como uma invenção sua. Se se tem liberdade de expressão, também se assume responsabilidades em relação às pessoas sobre quem se fala"
Manu Saleem, conselheiro do município de Copenhaga, dinamarquês de origem indiana e não muçulmano

Gand'a liberdade de expressão, oh Jyllands-Posten!

O jornal de direita dinamarquês Jyllands-Posten que defende o direito à liberdade de expressão e à publicação de cartoons sobre o profeta Maomé, recusou há três anos cartoons sobre Jesus Cristo sob o argumento de que "podiam ser ofensivos para os leitores" e "não tinham piada".
Em Abril de 2003, o ilustrador Christoffer Zieler submeteu uma série de cartoons não solicitados
sobre a ressureição de Cristo. O editor Jens Kaiser enviou-lhe um e-mail onde se lia que os leitores do jornal não íam gostar dos desenhos e provocaria protestos.
(Fonte: The Guardian)

Liberdade de expressão, Jyllands-Posten way...

NÃO OFENDAS SENÃO QUERES SER OFENDIDO

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Alguma Europa, que se julga detentora da verdade, da democracia e dos direitos humanos, acha que ofender ainda mais o mundo islâmico é uma forma venerável de liberdade de expressão. Aqui no Estradas Perdidas somos pela tolerância e diálogo, pela construção de pontes entre culturas e religiões, contra o racismo anti-muçulmano na Dinamarca, a proibição do "chador" em França ou a ocupação imbecil do Iraque por forças ocidentais.

Faço minhas estas palavras

"A pergunta a fazer é:
A quem serve, de ambos os lados, toda esta polémica das caricaturas, senão aos apologistas do ódio, da intolerância e do racismo?
Não é por acaso que o Jyllands-Posten é um jornal de direita populista e trauliteira, um tablóide ao melhor estilo. As caricaturas foram a lebre para o confronto civilizacional, tão do agrado de certas alminhas. É evidente que o jornal tem todo o direito de as publicar. Não se armem é em ingénuos e finjam que não antecipavam já as consequências".
André Carapinha no 2+ 2= 5

A IMPRENSA BRITÂNICA E A SENSIBILIDADE ISLÂMICA

Eis algumas das posições de alguns jornais britânicos acerca da publicação ou não dos cartoons dinamarqueses:


THE GUARDIAN
"Newspapers are not obliged to publish offensive materials merely because it is controversial ... the restraint of most of the British press may be the wiser course - at least for now."

THE DAILY TELEGRAPH
"The Daily Telegraph has chosen not to publish the cartoons. We prefer not to cause gratutious offence to some of our readers, a policy we also apply, for example, to pictures of graphic nudity or violence ... Those Muslims who cannot tolerate the openness of intellectual debate in the west have perhaps chosen to live in the wrong culture."

THE INDEPENDENT
"There is a right to exercise an uncensored pen. But there is also a right for people to exist in a secular pluralist society without feeling as alienated, threatened and routinely derided as many Muslims now do. To elevate one right above all others is the hallmark of a fanatic."

FINANCIAL TIMES
"As Amin Maalouf, the Franco-Lebanese writer, put it: 'Christianity today is what European societies have made of it ... through countless little touches of the chisel' ... we should keep that chisel in mind in dealing with Islam, and beware of the hammer."

2006-02-05

União de Leiria-3-Benfica-1

Muitas mudanças, invenções e intranquilidade a mais frente a um União de Leiria inteligente. Penso que a chegada dos reforços e a sua inclusão repentina na equipa principal ainda não foram bem digeridas. Quando já existe um esqueleto de 11 jogadores que já estão habituados a jogar e a sacrificar-se uns com os outros, é um erro começar a colocar enxertos e novidades sonantes só porque são isso mesmo...apenas sonantes. Mas como disse o Simão, "estamos vivos". Keep on fighting!!!

A liberdade é um bem muito precioso II ou a novela dos cartoons dinamarqueses

A liberdade é um bem muito e demasiado precioso para ser gasta em cartoons idiotas e pretensamente liberais que só vão insultar ainda mais o já ofendidíssimo mundo islâmico. Pisados pelas invasões do Afeganistão e do Irão e pela parcialidade norte-americana na Palestina, os muçulmanos tendem a reagir de forma extremamente sensível a qualquer acto que considerem mais uma provocação. Antes de brincar com a figura de Maomé num cartoon, é necessário pensar nas consequências. Quem fez os ditos cartoons, que noutras circunstâncias até poderia achar razoáveis, terá pensado só, para dar um exemplo, nos reféns ocidentais no Iraque ou nos cristãos no Paquistão? Não é só disfrutar a liberdade, é também saber viver essa mesma liberdade que constitui um bem demasiado precioso para que abusemos dela.

P.S. Este caso não é comparável ao de Salman Rushdie pela simples razão de que as circunstâncias hoje são muito diferentes e as posições estão actualmente muito extremadas. Está a decorrer uma guerra que opõe forças ocidentais contra forças islâmicas no Iraque. Forças ocidentais ocupam o Iraque e o Afeganistão. Não chega?

2006-02-02

WIDE OPEN SPACES

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Kathleen Welker

"Wide Open Spaces"
(The Dixie Chicks)

Who doesn't know what I'm talking about
Who's never left home,
who's never struck out
To find a dream and a life of their own
A place in the clouds, a foundation of stone
Many precede and many will follow
A young girl's dream no longer hollow
It takes the shape of a place out west
But what it holds for her, she hasn't yet guessed
She needs wide open spaces
Room to make her big mistakes
She needs new faces
She knows the high stakes
She traveled this road as a child
Wide eyed and grinning, she never tired
But now she won't be coming back with the rest
If these are life's lessons, she'll take this test
She knows the high stakes
As her folks drive away, her dad yells, "Check the oil!"
Mom stares out the window and says, "I'm leaving my girl"
She said, "It didn't seem like that long ago"
When she stood there and let her own folks know
She knows the highest stakes
She knows the highest stakes
She knows the highest stakes
She knows the highest stakes

A liberdade é um bem muito precioso

Um jornalista cubano entrou em greve de fome, exigindo acesso livre à internet em Cuba. Guillermo Fariñas, director da agência noticiosa independente Cubanacán Press, deixou de comer e de beber a 31 de Janeiro. “Quero que todos os cidadãos cubanos tenham direito a ligar-se à Internet, mas também que a imprensa independente possa informar sobre a actuação do Governo".
Os jornalistas da Cubanacán Press conseguiam enviar, até 23 de Janeiro, os seus despachos através de um centro público de acesso à Internet. Desde essa altura estão impedidos de fazê-lo. O acesso a Internet na ilha dirigida por Fidel Castro só é permitido através de uma autorização do partido único, que governa o país, e de forma censurada.

Conclusão moralista: A liberdade é um bem demasiado precioso. Vou já blogar, surfar na net, mandar mensagens. P... que pariu as ditaduras à esquerda, à direita, acima e atrás!